Acórdão nº 2/11.1TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelGRANJA DA FONSECA
Data da Resolução24 de Outubro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA, viúva, residente na Praceta ..., n.º … …, Queluz, … …, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra Banco …, SA com sede na Rua ..., … …, alegando, em síntese, que, em 19-12-2007, CC, cliente do réu, abriu conta na dependência de ..., depositando ali a quantia de 94.400 euros. Tratava-se de um cheque bancário, emitido à ordem da autora, referente a uma escritura de compra e venda outorgada pela mesma nesse dia, relativa à venda a terceiros de um imóvel, propriedade da autora, sendo a CC, por acordo entre ambas, única titular nesta conta.

Nos termos desse acordo, o cheque foi depositado em conta de que era titular CC a entregar à autora, de forma faseada ou integral, logo que aquela lho reclamasse, tendo a autora e a CC acordado que a segunda pediria um cartão provisório para que a autora pudesse ir levantando o seu dinheiro, e por outro lado, a CC ficava com uma conta aberta para receber pelo Banco a sua pensão de reforma.

Logo na data do depósito do cheque, a CC levantou a quantia de 1.500 euros e procedeu também ao levantamento de 5.000 euros que entregou à autora.

Esta, dois dias antes da data de depósito deste cheque, já tinha estado no Banco a expor a situação do cheque que iria receber, tendo na altura esclarecido a situação e perguntado se o poderia levantar, tendo-lhe sido respondido no Balcão que teria de o depositar.

Não podendo a autora levantar esse dinheiro nesse dia (19-12-2007), e porque estava com pressa, entregou o cheque à CC, que o recebeu, e depositou na conta que ali abriu. Tudo isto se passou à frente dos funcionários do balcão da ré de ..., que assistiram a tudo, e tinham plena consciência que o valor depositado pertencia à autora.

A ré, através dos seus Serviços de Contencioso, alegando a existência de uma dívida de CC, com base num processo judicial que, como posteriormente se veio a apurar, está há muito arquivado, reteve imediatamente o montante depositado, declarando tê-lo feito a título de compensação, para pagamento inicial de uma dívida para com o banco, no montante de € 104.483,44 e acréscimos legais decorrentes de sentença condenatória proferida no processo n.º 6926 da 3ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, com saldo credor de € 87.894,80.

Travaram, de seguida, a autora e a CC de DD uma batalha junto dos Serviços do Contencioso do BBB, sem qualquer acompanhamento jurídico, onde, verbal, telefonicamente e por escrito solicitaram o desbloqueamento e entrega da verba depositada, esclarecendo todas as circunstâncias em que foi feito este depósito e declarando que os valores depositados eram propriedade quase plena da AA, tendo, porém, tal batalha resultado infrutífera.

O réu, por carta de 16/01/2008, dirigida à CC, em resposta, declara-lhe que a compensação foi efectuada, tendo produzido os seus efeitos, admitindo, no entanto, ponderar uma resposta para regularização final da sua responsabilidade.

Desesperadas com a situação, no dia 24 de Janeiro de 2008, a autora e a CC dirigiram-se aos Serviços de Contencioso da Ré, onde foram ambas ali atendidas pelo Dr. EE que ditou para elas duas declarações que as mesmas, sem saber o que fazer, acabaram por redigir e assinar, mas com resistência, pois a autora necessitava, urgentemente, de receber algum dinheiro, em virtude das dificuldades económicas que se encontrava a atravessar.

A autora nunca teve intenção de prescindir de reclamar futuramente da ré a restante quantia de 60.000 euros, sua por direito.

A autora não teve consciência, dada a forma como assinou tais declarações, que as mesmas produzissem qualquer efeito, quanto à sua pessoa, dado que a mesma não era cliente do Banco.

Conclui pela procedência da acção e, em consequência, pela condenação do réu a pagar-lhe a quantia de 67.2000 euros, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, até integral pagamento.

O réu contestou alegando, fundamentalmente, que a compensação da dívida foi feita ao abrigo do disposto no artigo 847 do Código Civil e com base na dívida existente no Banco, em nome de CC, conforme sentença condenatória proferida no processo n.º 6926 da 2ª secção da 3ªi Vara Cível da Comarca de Lisboa, no valor de € 104.483,44.

Na sequência da carta enviada pelo banco em 23/10/2008, a autora e CC aceitaram a proposta apresentada, constante dessa carta, daí resultando as "declarações em referência nos autos, as quais resultaram do acordo feito entre as três partes envolvidas.

Tais declarações dão quitação do recebimento da quantia de € 27.894.80, retirada da compensação efectuada, e são confissão de que nada mais têm a receber do Banco.

Conclui pela improcedência da acção.

Fixou-se à acção o valor de 67.200,00 euros.

Procedeu-se à selecção dos factos assentes e dos controvertidos, sobre os quais não recaiu qualquer reclamação.

Teve então lugar a audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais, findo o qual se respondeu aos factos vertidos nos quesitos da BI pela forma constante de fls. 185 a 188 e, posteriormente, proferida a sentença, tendo-se julgado a acção improcedente, por não provada, e, em consequência, foi absolvido o réu “Banco BB, SA" do pedido contra si formulado pela autora AA ".

Inconformada com a decisão, apelou a autora para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 16/10/2012, por unanimidade, confirmou a decisão recorrida.

Veio, agora, pedir revista excepcional, invocando os requisitos das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 721º-A do Código de Processo Civil.

O recorrido contra – alegou, defendendo a inadmissibilidade do recurso.

Entretanto os distintos Conselheiros, que constituem o Colectivo a que se refere o n.º 3 do artigo 721º-A do Código de Processo Civil, consideraram que a recorrente satisfez o que lhe impõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 721º-A, “uma vez que a questão suscitada, embora de apreciação frequente, surge dotada de especial complexidade e para cuja apreciação são necessários aturados exercícios de exegese jurídica”.

  1. Admitida que foi a revista excepcional, com o aludido fundamento, importa tomar em consideração as seguintes conclusões: 1ª – A compensação bancária não opera no caso dos depósitos bancários, porque o banco, ao aceitar um depósito, expressamente renunciou a qualquer compensação que envolva o seu montante. Sendo que nada ficou provado nos autos que permita concluir que o contrato de depósito bancário entre a recorrente e o recorrido autorizasse o réu a efectuar a referida compensação.

    1. – Porém, ainda que se admitisse nos termos gerais a compensação bancária, considera a recorrente que, in casu, a mesma nunca poderia ter operado.

    2. - Face à factualidade dada como provada nos autos, designadamente os factos dados como provados, sob os n.

      os 14º a 22º, teremos que considerar que, tendo sido dado como provado, contrariamente ao que a Recorrida pretendia, que, sendo a Recorrente a proprietária da verba de € 94.400,00 e tendo a Recorrida feito a compensação dessa importância depositada na conta da testemunha CC, com base numa dívida que a mesma era titular para com a Recorrida, tal compensação é nula, nos termos do artigo 856º do Código Civil, na medida, em que teve por pressuposto a compensação, com valor que na verdade, não pertencia a CC, titular da dívida.

    3. – O recorrido que, no momento em que apresentou as declarações de fls. 52 e 53 à recorrente e à testemunha CC, actuou em manifesto abuso de direito e contrariamente aos ditames da boa – fé.

    4. – Sendo que, embora se não tenha provado que a recorrente assinou as declarações de fls. 52 e 53, sem ter consciência dos termos e implicações das mesmas, tais declarações têm de se considerar inválidas, não se podendo o recorrido prevalecer do direito que pelas mesmas lhe foi conferido pela recorrente de fazer sua a quantia de € 60.000, na medida em que tais declarações foram obtidas pelo recorrido de má-fé.

    5. - Não podendo o recorrido ignorar que era a recorrente a proprietária dos € 94.400 depositados na conta de CC, o que aliás reconheceu, atento o teor da carta de fls. 51, que a recorrente e CC estavam desesperadas ao assinar tais declarações, necessitando a recorrente de dinheiro com urgência e assinando as declarações.

    6. - Sendo obviamente expectável que a recorrente reagisse futuramente, ao ver-se privada do reembolso dos € 60.000, como o veio fazer, ao propor a presente acção, dado que não seria normal, para qualquer pessoa, colocada nas circunstâncias da recorrente, aceitar prescindir da importância de € 60.000,00 sua por direito, se não fosse encontrar-se desesperada, e pressionada pelo facto de que não assinasse no momento tais declarações, nada receberia.

    7. – O facto dado como provado sob o n.º 27, em que se consigna que “a assinatura das declarações aludidas em 8º e a devolução à autora da quantia de € 27.894,80 representou o encerramento da questão a contento de todos”, é um facto meramente conclusivo e de direito, não traduzindo nenhum facto concreto que permita considerar que a assinatura das declarações, foi nomeadamente a contento da autora, ora recorrente.

    8. – Aliás, tal facto ficcionado entra até em total contradição com o facto antecedente, referido sob o n.º 25, no qual se consigna que “a autora e CC escreveram e assinaram tais declarações”.

    9. - Afirmando o acórdão recorrido que o recorrido não actua com abuso de direito, previsto no artigo 334° do Código Civil, fez o Tribunal da Relação uma incorrecta interpretação do citado preceito, pois deveria ter considerado a existência de abuso de direito por parte do recorrido.

    10. - Ao considerar válida a compensação efectuada pelo recorrido...

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