Acórdão nº 6330/03.2TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelFERNANDO BENTO
Data da Resolução30 de Maio de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: RELATÓRIO No dia 12/04/1997, quando se dirigia para o seu local de trabalho ao serviço de AA, Lda, BB foi atropelada por viatura automóvel não identificada e conduzida por pessoa que igualmente não foi identificada, tendo sofrido lesões corporais.

Qualificado tal acidente de viação também como acidente de trabalho, CC - Companhia Portuguesa de Seguros, SA, na qualidade de seguradora de acidentes de trabalho da entidade patronal suportou as despesas com a reparação das lesões e com a indemnização da sinistrada.

Findo o processo de acidente de trabalho com a remissão da pensão devida, intentou a referida seguradora acção contra o Fundo de Garantia Automóvel para ser reembolsada das despesas que suportou na sequência de acidente imputável a culpa exclusiva de terceiro, invocando o direito de regresso previsto no nº4 da Base XXXVII da Lei nº 2127 de 03AGOSTO1965 e a sub-rogação legal que lhe assiste na qualidade de seguradora que satisfez o crédito indemnizatório, pedindo a condenação do referido Fundo de Garantia Automóvel a pagar-lhe a quantia de € 102.015,06, acrescida de juros legais, desde a citação.

A acção foi contestada e, prosseguindo os seus termos, veio a ser julgada na 1ª instância no sentido da improcedência.

A Relação confirmou tal improcedência na apelação que lhe foi levada pela Autora.

Continuando inconformada, traz a Autora e apelante a presente revista até ao STJ, pugnando pela revogação do acórdão e condenação do recorrido o pagamento a recorrente das quantias peticionadas, rematando a sua alegação com a seguinte síntese conclusiva: 1. A Recorrente vem nesta sede impugnar o Acórdão da Relação de Lisboa, por entender que o mesmo decidiu erradamente ao considerar que não lhe era devido qualquer tipo de ressarcimento por parte do Recorrido.

  1. O acórdão recorrido enferma de uma interpretação errada da Lei, assim como da figura e propósito da Recorrente e, principalmente, do Recorrido.

  2. O que está em causa nos autos é um acidente simultaneamente de trabalho e de viação, cujo responsável é desconhecido.

  3. A entidade patronal da lesada tinha em vigor um contrato de seguro com a Autora que suportou todas as despesas da lesada decorrentes do acidente em crise.

  4. Ao caso, de acordo com o artigo 18.° do Decreto-Lei 522/85, é aplicável o disposto no referido diploma e a Base XXXVII da Lei 2127, prevendo esta última disposição o direito de regresso da Segurada em relação aos responsáveis do sinistro.

  5. Tem entendido largamente a doutrina e a jurisprudência que o direito que vem estipulado na Base XXXVII trata-se, na verdade, de uma sub-rogação.

  6. Também o regime geral do contrato de seguro estipula que a Seguradora sub-roga-se nos direitos da segurada, nos termos do artigo 441.° do Código Comercial.

  7. É um direito da seguradora ir buscar aquilo que prestou, nos exactos termos em que faria o seu segurado, situação que resulta do próprio regime da sub-rogação.

  8. Trata-se de uma sub-rogação geral e não parcial: a segurada herda todos os direitos do seu segurado e não apenas um ou outro.

  9. A Recorrente tem, por direito e sob pena de se imputar a um terceiro uma responsabilidade que não lhe pertence, de ser ressarcida por aquilo que prestou.

  10. O Fundo de Garantia Automóvel, por sua vez, tem a responsabilidade de satisfazer indemnizações que resultem de lesões corporais, quando o causador do acidente seja desconhecido.

  11. O Fundo, entidade pública, tem por objectivo impedir a desprotecção das vítimas, quando não seja possível activar o seguro da parte responsável peio sinistro.

  12. Sendo o responsável pelo sinistro desconhecido, o Fundo substitui, por força da lei, a posição da seguradora que teria de intervir se o causador do acidente fosse conhecido, de modo a impedir o severo prejuízo de um terceiro.

  13. Se o Recorrido se substitui à seguradora do responsável e se a Recorrente se substitui, por força da sub-rogação, à vítima, então existe, por aplicação da Base XXXVII, um direito à Recorrente ser ressarcida pelo Recorrido.

  14. A situação é tão óbvia, que nem a própria jurisprudência, que tão largamente se tem pronunciado sobre assuntos paralelos, colocou em causa - salvo a excepção do Acórdão mencionado nas decisões de que ora se recorrem -, tal obrigação do Recorrido, partindo, sempre do pressuposto de que tal dever era para ser cumprido.

  15. A Recorrente, ao suportar todos os custos, torna-se numa verdadeira vítima, também merecedora da protecção do Recorrido, sendo irrazoavelmente prejudicada.

  16. O Acórdão Recorrido faz assim, uma incorrecta interpretação e aplicação do direito, pelo que deverá ser revogado e substituído por outro que procedendo a uma correcta apreciação dos factos provados e direito aplicável, condene o Recorrido no pedido formulado nos autos.

Assim se fazendo a costumada Justiça.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Remetido o processo a este STJ, após o exame preliminar, foram corridos os vistos, nada continuando a obstar ao conhecimento do recurso.

FUNDAMENTAÇÃO Matéria de facto As instâncias mostram-nos, como provados, os seguintes factos: 1° A A. dedica-se à actividade seguradora - ai. A).

  1. No exercício da sua actividade, celebrou com a sociedade AA, Lda, contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho, titulado pela apólice ..., pelo qual assumiu a responsabilidade pelos encargos obrigatórios provenientes de acidentes de trabalho, ocorridos com os trabalhadores da empresa - á. B).

  2. No âmbito do referido contrato, encontrava-se coberta pelas garantias da referida apólice, a trabalhadora da segurada BB - ai. C).

  3. O sinistro ocorrido foi participado ao Ministério Público que ordenou a abertura de inquérito que correu termos sobre o n° 574/97.1 SILSB.-al. D).

  4. No dia …/…/19…, cerca das … h, ocorreu um acidente com a referida trabalhadora, na Av. ...-ponto 1° BI.

  5. A trabalhadora da segurada da A., BB, encontrava-se a caminho do local de trabalho-2° BI.

  6. A BB, antes de atravessar, olhou para o seu lado esquerdo e, ao atravessar, foi embatida por veículo não identificado, conduzido por condutor não identificado - 3° BI.

  7. Com o embate, a BB foi projectada para o lado esquerdo da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do veículo, ficando caída perto de um candeeiro de iluminação pública ali existente -4o BI.

  8. O local onde ocorreu o acidente é uma artéria de sentido único, comportando três vias demarcadas no pavimento - 5o BI.

  9. É uma recta com boa visibilidade e bem iluminada -6o BI.

  10. O tempo, à data do acidente, estava seco ejá era de dia-7° BI.

  11. O condutor do veículo atropelante podia ter visto a sinistrada -8° BI.

  12. Na sequência do sinistro, a segurada da A. participou-lhe esse sinistro accionando o contrato de seguro - 9° BI.

  13. A sinistrada sofreu politraumatismo dos membros inferiores e outras lesões corporais e foi transportada de ambulância para o Hospital de Santa Maria, onde ficou internada cerca de seis meses -10° BI.

  14. A título de indemnização por ITA e ITP, ajuda de terceira pessoa e pensões, a A. pagou à BB, pelo menos a quantia de € 7.031,56 -12°, 17°, 19° e 20° BI.

  15. A título de honorários com médicos, enfermeiros, hospitais, clínicas e medicamentos, a A. pagou pelo menos a quantia de € 17.099,24 -13°, 14°, 15° e 21° BI.

  16. A título de transporte, a A. pagou pelo menos a quantia de € 5.475,69-16° BI.

  17. A A. liquidou à BB o montante de € 17.855,24 respeitantes ao capital de remissão de € 1.903,58 a que foi condenada no Proc. n° 657/1999, que correu seus termos pela Secção única do Tribunal do Trabalho do Barreiro, deduzida da quantia de € 1.177,61, respeitantes a pensões pagas à sinistrada referentes ao período de 1/1/2003 a 30/9/2003-18° BI.

Direito Como decorre das conclusões supra transcritas, as quais, como se sabe, delimitam o objecto do recurso, este resume-se à questão de saber se, em acidente simultaneamente de trabalho e de viação, imputável a terceiro desconhecido, a seguradora de Acidentes de Trabalho que indemnizou o lesado pode reclamar do FGA (demandado por se desconhecer o veículo e o respectivo condutor) o que pagou aquele.

Em recente acórdão deste STJ e desta Secção (relatado pelo Exmo Conselheiro Álvaro Rodrigues e em que o aqui Relator interveio como 1º Adjunto e o ora 1º Adjunto como 2º), proferido em 14-03-2013, aliás louvando-se em outro anterior de 05-05-2011, este da 7ª Secção Cível, relatado pelo Exmo Conselheiro Lopes do Rego, ambos acessíveis na INTERNET através de http://www.dgsi.pt)) foi esta mesma questão tratada.

A solução encontrada em ambos os acórdãos foi a mesma: a entidade patronal (ou a respectiva seguradora de acidentes de trabalho) que suporte os custos e indemnizações devidos por força de acidente de trabalho e simultaneamente de viação, imputável a terceiro desconhecido, não tem direito de regresso contra o Fundo de Garantia Automóvel.

E – adiantamos, desde já - não vemos razão para alterar nesta parte a solução da apontada questão de direito.

Com efeito, a Base XXXVII da Lei nº 2127 de 3 de Agosto de 1965, depois de prescrever no seu nº1 que “quando o acidente for causado por …terceiros, o direito à reparação não prejudica o direito de acção contra aqueles nos termos da lei geral”, prevê, no seu nº4 que “ a entidade patronal ou a seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente terá direito de regresso contra os responsáveis referidos no nº1, se a vítima não lhes houver exigido judicialmente a indemnização no prazo de uma ano, a contar do acidente….

”.

No domínio da legislação anterior, o art. 7º da Lei nº 1942 de 27-07-1936 previa, talvez com mais clareza, que: “Sem prejuízo da...

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