Acórdão nº 860/03.3TBLGS.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelANA PAULA BOULAROT
Data da Resolução30 de Maio de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I G, intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário contra P e T, pedindo a condenação destes a pagarem-lhe a quantia global de €930.682,12, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da data da citação.

Para o efeito alegou, em síntese ter celebrado com os Réus contrato promessa de constituição de sociedade que teria como objecto a promoção de turismo de habitação e exploração de turismo hoteleiro, bem como a aquisição e alienação de bens imobiliários.

Em vista desse projecto societário, a autora entregou diversas quantias aos Réus – directamente ou através de advogado que pelos Réus lhe foi indicado – no montante total de € 603.759,02 – que se destinavam à compra de prédios e a custear despesas necessárias ao desenvolvimento da actividade da dita sociedade.

Porém, a sociedade nunca chegou a constituir-se, e os prédios que deveriam constituir o património da sociedade foram revendidos a terceiros ou registados em nome dos réus, nomeadamente do Réu P – sendo que, diz a autora, nunca foi intenção dos Réus cumprir a promessa que consigo tinham celebrado, existindo, em seu entender, manifesto incumprimento do contrato promessa por parte dos Réus, não sendo já possível quer a constituição da sociedade, quer a aquisição, por parte desta, dos imóveis mencionados, pelo que pretende a Autora reaver todas as quantias entregues, nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa.

Pretende, ainda, a Autora ser indemnizada pelo prejuízo que lhe foi causado com tal incumprimento contratual, reputando justo que os Réus sejam condenados a pagar-lhe juros remuneratórios, à taxa de 4%, relativamente ao período compreendido entre 1 de Janeiro de 1990 e 14 de Julho de 2003.

O Réu P apresentou contestação, na qual invocou a a prescrição do direito da Autora, atento o lapso de tempo decorrido, já que, afirma, desde Agosto de 1989 que aquela tinha conhecimento de que a sociedade não fora constituída, sendo certo que foi a própria Autora, ao não se deslocar a Portugal, nem constituir mandatário com poderes para o efeito que inviabilizou a constituição da sociedade, pelo que a presente demanda representa, da sua parte, abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

Mais alegou que desenvolveu todas as diligências ao seu alcance para que a sociedade projectada fosse efectivamente constituída e que foi o facto de a Autora se manter incontactável que fez gorar os seus esforços. Sustenta, pois, não ter ocorrido incumprimento da sua parte, sendo certo que os actos de disposição dos imóveis que posteriormente veio a praticar representaram apenas a sua tentativa de resolver de forma adequada as circunstâncias com que se deparou, em face do alheamento da autora.

Por último, diz ainda este Réu, não se verificar qualquer impossibilidade objectiva da prestação, pelo que, em síntese, deve improceder a pretensão da Autora.

O Réu T foi citado editalmente e, cumprido o disposto no art. 15º do Código de Processo Civil, foi apresentada contestação a fls. 384, impugnado genericamente os factos alegados pela Autora.

Respondeu a Autora à contestação do Réu P, pugnando pela improcedência das excepções invocadas, e reiterando o pedido formulado.

A final foi produzida sentença a julgar procedente a excepção de prescrição quanto à restituição com base em enriquecimento sem causa e a acção apenas parcialmente procedente, condenando-se os Réus P e T a pagarem à Autora G a quantia de € 52.179,38 (cinquenta e dois mil, cento e setenta e nove euro e trinta e oito cêntimos), acrescida de juros moratórios, à taxa legal, vencidos desde a data da citação e vincendos, até efectivo e integral pagamento.

Inconformada, veio a Autora interpor recurso de Apelação, a qual foi julgada procedente com a revogação da sentença, na parte em que absolveu os Réus da restituição à Autora das verbas que esta enviou para Portugal para aquisição dos imóveis, e consequentemente: a) condenou o Réu P a pagar à Autora a quantia de €39.903,83 (trinta e nove mil, novecentos e três escudos e oitenta e três cêntimos) (equivalente a oito milhões de escudos portugueses), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação e até integral pagamento; b) condenou os Réus a restituir à Autora a quantia, a liquidar em execução de sentença, que cada um se locupletou do montante global que a Autora enviou para Portugal, para aquisição das propriedades.

Inconformado recorreu o réu P, apresentando as seguintes conclusões: - O Tribunal a quo decidiu-se pela inexistência da impossibilidade de cumprimento do negócio prometido (constituição de sociedade comercial).

- Em face de tal desiderato a pretensão da A apenas poderia proceder caso tivesse previamente optado pela interpelação admonitória a fim de despoletar o incumprimento definitivo do contrato e, subsequentemente lançar mão dos direitos conferidos pelo disposto no artigo 442º, nº 2 do código civil.

- Caso contrariamente tal interpelação levasse a que os Réus outorgassem o contrato prometido, poderá então a A. ver-se ressarcida por via do artigo 71 º do Código das sociedades comerciais.

- Sem prejuízo do sobredito a matéria dada como provada nas alíneas g), h), n), r), v), aa), ii) e a que dá como assente as remessas de valores por parte da A, demonstram que, num primeiro momento, todos agiram como se de sócios de uma sociedade já constituída se tratasse e, - Que iniciaram a actividade societária.

- Tendo em conta o teor do contrato promessa todos os intervenientes contratuais assumiam a qualidade de gerentes da sociedade.

- Nos termos do disposto no artigo 36º, nº 2 do Cód. das Sociedades Comerciais, nestas circunstâncias, às relações entre os sócios se aplicam as disposições relativas às sociedades civis.

- Em face de tal remissão, do teor do artigo 987º do Código Civil e das regras do mandato para que este último preceito remete, sempre a A poderia ter gizado a sua petição e respectivo pedido alicerçada em tais normativos.

- Todo o sobredito demonstra a existência de regras e institutos próprios para o alcance da pretensão da A., pelo que o tribunal recorrido ao optar pela aplicação do instituto do enriquecimento sem causa violou todas as normas substantivas acima mencionadas, com especial ênfase para a que preceitua a subsidiariedade previsto no artigo 474º do código civil do enriquecimento injustificado.

Nas contra alegações a Autora vem aduzir o seguinte: A)- APLICAÇÃO DO ARTIGO 684-A DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL - A autora nos termos do nº 1 do artigo 684º do Código do Processo Civil requer desde já que seja conhecido o fundamento do recurso interposto da primeira instância em que ela decaiu, conforme conclusões II a V que se seguem.

-Os pagamentos feitos pela autora foram-no na expectativa de se vir a constituir a sociedade prometida, visando a concretização dos efeitos do contrato-promessa.

- Os Réus, quando venderam os bens imóveis que se destinavam à sociedade e receberam o preço deles tomaram impossível a realização do acordo que fizeram com a Autora de adquirir bens para a sociedade.

- Havendo impossibilidade de realização da prestação pelo devedor por motivos da sua responsabilidade, considera-se que ele faltou culposamente ao cumprimento da obrigação.

- Se assim não se entender, sempre haveria que aplicar o nº 1 do artigo 795º do Código Civil que consagra o direito do credor de exigir a restituição da prestação em caso de impossibilidade de uma das prestações.

B)- CONTRA-ALEGAÇÃO DA MATÉRIA DA REVISTA: - Ao se entender que a conduta dos réus não impossibilitou a constituição da sociedade, é forçoso ter de se tomar em consideração e analisar a natureza dos pagamentos feitos pela autora através do seu advogado e a consequência do uso que os réus deles fizeram.

- Os pagamentos feitos pela autora não podem ser justificados nem podem ser regulados pelas normas que regulamentam o contrato-promessa, pois os diversos aspectos de que estas normas tratam não incidem sobre a natureza dos pagamentos feitos pela autora.

- O artigo 71º do Código das Sociedades Comerciais não pode ser aplicado a conduta dos réus, atendendo a que o mesmo se aplica a sociedades constituídas, sendo certo que autora e réus nunca chegaram a...

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