Acórdão nº 6297/06.5TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução15 de Maio de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. A presente ação foi proposta por AA contra BB, médico-cirurgião e contra a Clínica ............. com sede na Av. d................ de Lisboa, n.º..., .............

  1. A A. pediu a condenação solidária dos RR a pagarem-lhe uma indemnização no valor de 167.839,71€ destinada a reparar em 37.839,71€ os danos patrimoniais e a compensar em 130.000,00€ os danos não patrimoniais que sofreu, tudo acrescido de juros desde a citação até integral cumprimento.

  2. Alegou, em síntese, que no dia 25/09/2000 lhe foi perfurado o canal biliar durante uma intervenção laparoscópica à vesícula biliar realizada pelo réu nas instalações da Clínica ré. Dessa perfuração, não detetada durante a intervenção, resultou uma interrupção da via biliar principal e uma lesão a montante do canal hepático. Ora, atenta a anormalmente longa duração da intervenção - 6 horas - e as inerentes complicações que a mesma sugere, impunha-se que o médico tivesse procedido à reconversão para uma cirurgia pelo método dito clássico - ou seja, de laparoscopia para laparotomia ou, como é vulgarmente conhecida, para uma "operação de barriga aberta".

  3. Tal opção teria permitido a oportuna sutura e tamponamento da perfuração, o que apenas não sucedeu por inépcia e erro de avaliação do réu. Do exposto decorreu um período pós operatório com dores intensas e queixas anormais para o quadro geralmente apresentado neste tipo de intervenção, o que mais uma vez o réu não foi capaz de avaliar porquanto, sem que procedesse a quaisquer exames complementares de diagnóstico que esclarecessem a razão de tais dores anormais, concedeu alta hospitalar à A. decorridos que estavam 5 dias.

  4. Assim atuando acabou por contribuir para o agravamento do estado de saúde da A. e para o perigo de vida que esta veio a correr - no que revelou uma manifesta violação dos mais elementares deveres de cuidado, em especial uma grave negligência das exigências técnicas e científicas que lhe eram exigidas, de modo não compatível com a responsabilidade que lhe era esperada e de que era ou deveria ser capaz enquanto médico com a especialidade de cirurgião. O referido comportamento do réu tem acarretado para a A. sucessivos internamentos e intervenções cirúrgicas de tal modo que se viu obrigada a uma aposentação antecipada que não desejou, por invalidez, nunca mais tendo recuperado o estado de saúde que mantinha antes daquela intervenção de 25/09/2000. Acresce que o seu quadro clínico não se encontra ainda estabilizado na presente data porquanto é expectável que tenha de se submeter a novas intervenções cirúrgicas destinadas a contrariar os efeitos daquela atuação do R.

  5. Como resultado da referida atuação do réu, teve os seguintes prejuízos: 3.871,79€ - despesas que suportou com consultas, análises clínicas, exames médicos e medicamentos durante os anos de 2000 a 2006; 12.703,88€ - que deixou de ganhar nos anos de 2002 a 2006 por ter passado a receber a pensão de aposentação em substituição do vencimento que antes auferia; 21.264,04€ - correspondentes ao que deixará de ganhar até 2013, ano em que concluiria os 60 anos de idade e, com eles, a sua vida ativa; 130.000,00€ - correspondentes à compensação por o réu ter devastado o seu corpo e saúde e a ter tornado incapacitada para trabalhar, para além de lhe ter provocado dores intensas e duradouras, perigo para a vida e receio quanto à elevada probabilidade de ter de se submeter a um transplante hepático e, com isso, a novo perigo para a vida - ou seja, um drama humano de noites sem dormir, ansiedade, tristeza, dor, sofrimento, angústia, sentimento de baixa estima, revolta, consternação, sensação de perda e de impotência.

  6. Deduziu, ainda, a A. cinco ampliações do pedido, fundamentadas basicamente no aumento das despesas com deslocações, consultas, exames, intervenções cirúrgicas e tratamentos e no prolongamento do sofrimento (diretamente relacionadas e subsequentes à intervenção em causa) quando comparadas com a situação existente na data da propositura e ainda quanto a despesas com sua mãe (indiretamente resultantes da atuação do réu): 1.ª - Em 16/06/2008 (fls. 637), invocando também o decurso de cerca de ano e meio sobre a data da propositura da ação, requereu que fossem somados 65,58€, 264,14€ e 110,84€ aos 37.839,71€ inicialmente pedidos, passando o valor dos danos patrimoniais a corresponder a 38.280,27€ e o global a 168.280,27€. A ampliação foi admitida e alterou-se a base instrutória em conformidade (fls. 1034).

    1. - Em 12/12/2008 (fls. 735) requereu que fossem somados 144,91€ aos 3.280,27€ já pedidos, passando o valor dos danos patrimoniais a corresponder a 38.425,18€ e o global a 168.425,18€. A ampliação foi admitida (fls. 805) e alterou-se a base instrutória em conformidade (fls. 1034).

    2. - Em 03/11/2008 (fls. 853) requereu que fossem somados 202,94€ aos 38.425,18€ já pedidos, passando o valor dos danos patrimoniais a corresponder a 38.628,12€ e o global a 168.628,12€. A ampliação foi admitida e alterou-se a base instrutória em conformidade (fls. 929).

    3. - Em 22/02/2010 (fls. 943) requereu que fossem somados: 106.636,12€ - correspondentes à soma de 252,97€ (despesas com medicamentos) com 16.426,95€ (despesas com medicação que terá até aos 81 anos de idade, 41.745,20€ (perda de ganho durante a sua vida ativa, a somar aos 21.264,04€ inicialmente pedidos e que resulta da nova diferença salarial e do alargamento da idade de reforma dos 60 para os 65 anos de idade) e 48.211,00€ (internamento de sua mãe); 170.000,00€ - atualização dos danos não patrimoniais.

      A ré respondeu a fls. 1074 e o réu fê-lo a fls. 1083.

      Após contraditório, a ampliação do pedido foi admitida quanto aos 252,97€ e 41.745,20€ alterando-se a base instrutória em conformidade (fls. 1102 e 1103). Nessa sequência, o pedido por danos patrimoniais passou a corresponder a 80.626,29€ e o global a 210.626,29€.

      Da decisão de indeferimento parcial foi, pela A., interposto recurso (fls. 1133), admitido como agravo, com subida diferida e efeito meramente devolutivo (fls. 1153, 1173, 1175 e 1329).

    4. - Em 13/03/2011 (fls. 1428) requereu que fossem somados: - 424,67€ - por novas despesas médicas; - 250.000,00€ - por atualização dos danos patrimoniais.

      Após contraditório, foi admitida quanto aos primeiros e não admitida quanto aos segundos, alterando-se a base instrutória em conformidade (fls. 1558 e 1559). O pedido foi, assim, atualizado para 81.050,96€ (danos patrimoniais) e 211.050,96€ (valor global) Da decisão de indeferimento parcial foi pela A. interposto recurso, admitido como de agravo, a subir com o 1.º que haja de subir imediatamente, pelo modo que a este couber e efeito meramente devolutivo (fls. 1566 e 1571).

  7. Foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, consequentemente: 1. Condenou solidariamente ambos os RR. no pagamento à A. das quantias de: a) 5.337,84€ a título de reparação das despesas suportadas por aquela; b) 50.000,00€ correspondentes aos ganhos que a A. deixou de poder auferir; c) 130.000,00€ como compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela A.; 2. Mais condenou os RR. solidariamente a procederem ao pagamento à A. dos juros que recaírem sobre as referidas quantias, os quais serão contados à taxa anual de 4% desde a citação até integral cumprimento - sem prejuízo de outras eventuais taxas supletivas legais que venham a entrar em vigor e 3. Absolveu os RR. do mais peticionado.

  8. O Tribunal da Relação proferiu a seguinte decisão: 1. Na improcedência dos agravos, manter os despachos recorridos; 2. No que toca às apelações: Julgar improcedente a apelação da A., mantendo-se o decidido.

    Julgar improcedente a apelação dos RR., alterando-se, todavia, a matéria de facto, nos seguintes termos: (i) Na resposta ao quesito 3o (n° 8 dos factos), passa a constar que neste tipo de cirurgias o cirurgião: "Está limitado, no seu raio de ação, a agir por via da manipulação dos instrumentos cirúrgicos, a partir de imagens monitorizadas que lhe são transmitidas num ecrã e que circunscreve o campo de visão à área reduzida da intervenção cirúrgica - resposta ao art. 3.º da base instrutória" (n° 8 dos factos); (ii) Na resposta ao quesito 5.º (n.º 10 dos factos), passa a constar que: "Do mesmo modo, age através das perfurações e ao longo dos canais abertos que são característicos da laparoscopia"; (iii.Suprime-se o n° 29 dos factos; Manter, no mais, a decisão recorrida.

  9. A A. interpôs recurso de revista sustentando que deve ser revogada a decisão recorrida relativamente à improcedência dos agravos que interpôs e admitido, em consequência, o pedido ampliado destinado à quantificação dos danos não patrimoniais no valor acrescido de 266.426,95€.

  10. Tal recurso não foi porém admitido por decisão do relator considerando que estamos face a um acórdão da Relação sobre decisão de 1ª instância, não ocorrendo, no caso, nenhuma das exceções a que alude o artigo 754.º/2 do C.P.C (ver Acs. do S.T.J. de 31-1-2012, agravo 627/04, de 29-3-2012, agravo 63-C/2000, de 29-3-2012, agravo 261/07, de 8-5-2012, revista n.º 1351/04, de 17-5-2012, revista n.º 540/07, de 31-5-2012, revista n.º 1617/07, de 21-6-2012, revista n.º 172/06 todos in www.stj.pt).

  11. Mais se referiu que " 2. a presente ação foi proposta em 13-12-2006, motivo por que não se lhe aplica o novo regime de recursos introduzido pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto aplicável apenas aos processos instaurados a partir de 1-1-2008 (ver artigos 11.º e 12.º do mencionado DL 303/2007).3. Não valem, por isso, para o caso as considerações atinentes sobre o novo regime de recursos aqui inaplicável.4. A decisão da Relação que admitiu o recurso interposto pela autora qualificou-o de revista, não atendendo, porém, à questão da inadmissibilidade dos agravos interpostos.5. Mas assim não se pode entender. Na 1ª instância tais recursos foram admitidos como recursos de agravo ( ver fls. 1173 e 1571) e, como tal, foram tramitados pois nestes discutem-se questões de natureza...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
7 temas prácticos
7 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT