Acórdão nº 403/09.5TJLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Data da Resolução11 de Abril de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório I – O Ministério Público instaurou, junto dos Juízos Cíveis de Lisboa, a presente acção declarativa inibitória, sob a forma do processo sumário, ao abrigo do disposto nos artigos 25.° e seguintes da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovada pelo DL n.º 446/85, de 25-10, com a redacção conferida pelos DL n.ºs 220/95, de 31-08, e 249/99, de 07-07 (doravante, LCCG), contra AA, S.A.

, pedindo: - A declaração de nulidade das cláusulas que identifica, condenando-se a ré a abster-se de as utilizar em contratos que de futuro venha a celebrar e especificando-se na sentença o âmbito de tal proibição (art. 30.°, n.° 1, da LCCG), - A condenação da ré a dar publicidade a tal proibição e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar na sentença, sugerindo-se que a mesma seja efectuada em anúncio a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos (art. 30.°, n.° 2, da LCCG), de tamanho não inferior a ¼ (um quarto) da página, e; - A dar-se cumprimento ao disposto no art. 34.° da LCCG, remetendo-se ao Gabinete de Direito Europeu do Ministério da Justiça certidão da sentença, para os efeitos previstos na Portaria n.º 1093/95, de 06-09.

Fundamenta o seu pedido no facto da ré incluir nos contratos que celebra com os seus clientes tais cláusulas gerais, que são proibidas atento o regime previsto na LCCG, e consequentemente deverá ser declarada a sua nulidade.

Em contestação, a ré começou por requerer a suspensão da instância até trânsito da decisão proferida no processo n.° 3082/05 que corre termos no 3.º Juízo Cível, 1.ª Secção, de Lisboa, por as cláusulas que naquela acção são visadas serem as mesmas que aqui se colocam em causa.

Defendeu-se ainda, por impugnação, sustentando que os impressos a que o MP faz referência já não são por ela utilizados desde 01-01-2009 e que, apesar de previsto nos seus contratos, não emite qualquer cartão porque não o pode fazer, além de que a cláusula relativamente à comunicação da perda, furto ou reprodução de cartão está de acordo com as normas do Banco de Portugal.

Relativamente às demais cláusulas defende que dizem respeito apenas à possibilidade de ceder o crédito de que é titular sobre os seus clientes em caso de mora no cumprimento.

Por fim, opõe-se ao pedido de publicidade da eventual sentença condenatória.

Com tais fundamentos, concluiu por pugnar pela suspensão da instância e a improcedência da acção.

O Ministério Público respondeu, opondo-se à pretendida suspensão da instância e mantendo a sua posição inicial quanto ao interesse na declaração de nulidade das cláusulas em questão. Indeferido o pedido de suspensão da instância e considerado que o processo permitia o conhecimento imediato do pedido, foi proferido despacho saneador-sentença, com o seguinte dispositivo. “Destarte, o tribunal decide julgar a presente acção procedente, por provada, e consequentemente: a) Julgar proibidas as cláusulas: - 14.ª do contrato “Conta certa”; - 14ª do contrato “Maxicrédito”; - 16.ª do contrato “Dinheiro já” e “vida livre”; - 14.ª do contrato “Vida livre”; - 8.ª do contrato “Crédito pessoal e conta corrente”; - 8.ª do contrato “Crédito clássico e conta corrente”; - 4.ª, n.° 3, 13.ª e 14.ª do contrato “Valor top”; - 5.ª, 8.ª e 15.ª, n.° 3 do contrato “Crédito consolidado e conta corrente”, - 5.ª, 8.ª e 14.ª, n.° 3 do contrato “Crédito pessoal automóvel e conta corrente”; - 5.ª, 8.ª e 15.ª, n.° 3 do contrato “Crédito em estabelecimento e conta corrente”.

b)Condenar a ré abster-se de utilizar estas cláusulas, na redacção que consta destes autos, nas Condições Gerais dos contratos que de futuro venha a celebrar com os seus clientes; c)Condenar a ré a dar publicidade a esta proibição e a comprová-la nos autos no prazo de 30 dias, através de anúncios em dois jornais diários de maior tiragem nacional, durante três dias consecutivos, de tamanho não inferior a ¼ da página.

Dê cumprimento ao disposto no art. 34.º do RCCG, remetendo ao Gabinete de Direito Europeu certidão desta sentença.

Discordando dessa decisão, dela apelou a ré, sem êxito, uma vez que a Relação de Lisboa confirmou, por unanimidade, o sentenciado em 1ªinstância.

De novo inconformada, interpôs a ré revista excepcional, ao abrigo do disposto nos arts. 721.º, n.ºs 1 e 3, e 721.º-A, n.ºs 1, als. a) e c), e 2, do Código de Processo Civil (CPC), que veio a ser admitida pela formação a que se refere o n.º 3 do art. 721.º–A.

A recorrente concluiu, assim, a sua alegação recursiva[1]: 1. Sendo admitida a revista - como a Recorrente confia em que será - não está esse Tribunal impedido de sindicar outras partes do Acórdão recorrido, nomeadamente as que violem a lei processual, nos termos da alínea a) do n° 1 do art. 722 do C.P.C. Ora, a Recorrente não pode conformar-se com a decisão recorrida na parte em que julgou irrelevante a impugnação (na contestação apresentada em 1.ª Instância) dos factos nela reproduzidos sob as alíneas d), i) e j) a ee).

  1. A Recorrente alegou nos arts. 15.° e 16.° da sua contestação que os impressos que colocava junto dos consumidores não eram os indicados na petição inicial - para os quais remete a citada alínea d) do ponto II – Fundamentação de facto do Acórdão recorrido – mas outros impressos diferentes que juntou a esse articulado. E, em consequência de não serem esses os impressos utilizados à data de interposição da acção, impugnou igualmente toda a matéria de facto das demais alíneas i) e j) a ee) que respeitam ao conteúdo das cláusulas contratuais gerais que estavam em uso nessa data.

  2. A decisão do Tribunal recorrido sobre este ponto foi a seguinte: “o facto de a Apelante dizer que já não utiliza os impressos não significa dizer que não os tenha utilizado ou que não os venha a utilizar, pelo que não configura uma impugnação para efeito do art. 490.°, n.ºs 1 e 2 do CPC”.

  3. Para a boa decisão da causa, seria indispensável apurar e comprovar quais eram os impressos e cláusulas contratuais gerais apresentadas usualmente aos consumidores na data em que foi interposta a acção e não outros que, porventura, a Recorrente tivesse usado em tempos idos. Não era irrelevante para a decisão da causa saber em concreto o teor dos impressos e cláusulas apresentadas pela Recorrente, pelo menos em data próxima à interposição desta acção inibitória. A decisão recorrida veio assim a recair sobre impressos e cláusulas que a Recorrente já não tinha em uso. A admitir-se o raciocínio do Acórdão sob revista, a decisão proferida manteria actualidade e sentido útil, ainda que recaísse sobre impressos e cláusulas dispostas pela Recorrente há 15 ou 16 anos atrás.

  4. Dispõe o art. 490.°, n.º 2, que só se consideram admitidos por acordo os factos que não forem impugnados. O Ministério Público alegou que a Recorrente usava determinados impressos e cláusulas. A Recorrente contestou que usasse tais impressos e cláusulas e apresentou os impressos e cláusulas que tinha efectivamente em uso à data da acção. Tais factos deveriam ter integrado a base instrutória porque eram relevantes para a decisão da causa nos termos do art. 511.°, n.° 1 do CPC, que o Acórdão recorrido (e a decisão de 1.ª Instância) violaram, bem como violaram o disposto no art. 490.°, n.° 2 do CPC.

  5. Como já se referiu, o Acórdão recorrido considerou nulo e proibiu o uso futuro de cláusula inserta em contratos de crédito ao consumo que a Recorrente apresentava aos consumidores, com a seguinte redacção: “(...) Correm por conta do mutuário apenas os prejuízos resultantes da utilização abusiva dos instrumentos de movimentação da conta verificados até à comunicação, excepto se tiver agido com negligência ou dolo”.

  6. O Tribunal da Relação considerou este segmento da cláusula nulo por entender que dele resultaria “a responsabilização total do titular do cartão independentemente de culpa deste, na situação de utilização abusiva do cartão e até a recepção da comunicação, sem qualquer limite”.

  7. Em primeiro lugar, o Acórdão recorrido fez interpretação errada do segmento final da cláusula sub judice porque nela não se estabelece um princípio absoluto de responsabilidade total pelo risco, ou seja: não se estabelece que o titular não possa demonstrar que não teve culpa nas utilizações abusivas do cartão, hipóteses em que haveria uma partilha de responsabilidades (obviamente até à comunicação). O que se estabelece é que, salvo quando o titular tenha agido com negligência ou dolo, suportará apenas os prejuízos da utilização abusiva verificados até à comunicação, o que implica que não os tenha de suportar quando comprove que agiu sem culpa, como ocorrerá tipicamente nos casos de furto, roubo ou clonagem.

  8. Embora o princípio seja o da responsabilidade do mutuário até à comunicação em nenhum momento se exclui a possibilidade de afastamento dessa responsabilidade (ao menos parcialmente) se o titular vier a provar que não infringiu o seu dever de cuidado – o que se encontra em perfeita consonância com o princípio ínsito no art. 799.º, n°1 do Código Civil (presunção elidível de culpa sobre a pessoa sobre quem recai o dever de guarda e de cuidado).

    E é este entendimento que se encontra sufragado pela jurisprudência, designadamente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.02.2002 (publicado CJSTJ, Ano 2002, Tomo I, pág. 98) e o Acórdão do S.T.J. (Ac. STJ de 02/03/10, Proc. 29371/03 in www.dgsi.pt), ambos no sentido de que a responsabilização do titular do cartão até à comunicação à entidade emitente representa a concretização prática da exigência de um dever geral de diligência.

  9. Em segundo lugar, o Acórdão recorrido não levou em consideração outras cláusulas dos impressos em que se baseou e que estabelecem que o crédito concedido é transferido para a conta bancária indicada pelo mutuário no contrato (a Recorrente não é banco e por isso não recebe depósitos) - o que constitui segurança reforçada contra a utilização abusiva do cartão - e que o limite de...

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