Acórdão nº 08S1536 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução01 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório Na presente acção declarativa proposta, no Tribunal do Trabalho de Coimbra, por AA contra o Instituto das Estradas de Portugal (ex-ICERR), o autor pediu que a relação de trabalho que, ininterruptamente, manteve com o réu, desde 1 de Abril de 2002 até 16 de Junho de 2006, seja considerada de trabalho subordinado, sem termo, apesar de formalmente se ter processado, sucessivamente ao abrigo de um contrato de trabalho a termo, de dois contratos de prestação de serviço, de um contrato de trabalho temporário, de um Plano Ocupacional do Centro de Emprego e de um contrato de prestação de serviço; que a cessação dessa relação por banda do réu, em 16 de Junho de 2006, seja declarada ilícita e que o réu seja condenado a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, ou a pagar-lhe a indemnização de antiguidade, se ele por esta vier a optar, e a pagar-lhe, ainda, os salários e subsídios que se vencerem desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida, acrescidos de juros de mora.

No despacho saneador foram julgadas improcedentes as excepções da incompetência material do tribunal e da prescrição deduzidas pelo réu na sua contestação e dispensada a elaboração da base instrutória.

Realizado o julgamento, a acção foi julgada procedente, por se ter entendido que a relação estabelecida entre as partes, em 1 de Abril de 2002, configurava um contrato de trabalho sem termo e que a sua cessação por banda da ré, em 16 de Junho de 2006, consubstanciava um despedimento ilícito, tendo o réu sido condenado a reintegrar o autor no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, e a pagar-lhe o valor das retribuições e dos subsídios de férias e de Natal que deixou de auferir desde 16 de Junho de 2006 até ao trânsito em julgado da sentença - deduzido das importâncias que o autor recebeu a título de indemnização pela cessação do contrato de trabalho a termo (€ 498,00) e das importâncias por ele recebidas entre 16 de Junho de 2006 e 30 de Setembro de 2006 (€ 578,85x4) e das que, a partir desta data, tenha eventualmente recebido ou venha a receber no exercício de actividade profissional ou a título de subsídio de desemprego, a liquidar nos termos previstos no art.º 378.º e seguintes do CPC -, acrescido dos juros de mora contados desde a liquidação.

Inconformado com a sentença, o réu interpôs recurso de apelação, por entender que o D.L. n.º 427/89, de 7/12, não lhe permite a constituição de relações de trabalho por tempo indeterminado, por entender que a conversão do contrato de trabalho em contrato sem termo é nula, por violação do disposto no art.º 47.º, n.º 2, da CRP (inexistência de concurso público), e por entender que os contratos celebrados com o autor não sofriam de qualquer ilegalidade.

Conhecendo da apelação, o Tribunal da Relação de Coimbra manteve o entendimento que havia sido perfilhado na sentença de que a relação jurídica estabelecida entre as partes era uma relação laboral de trabalho subordinado, por tempo indeterminado, mas considerou nulo o contrato de trabalho e absolveu o réu do pedido, com o fundamento de que não estava provado que a contratação do autor tivesse sido precedida de um processo de recrutamento e selecção que permitisse a candidatura de todos os eventuais interessados em condições de liberdade e de igualdade, conforme o disposto no art.º 47.º, n.º 2, da CRP, e com o fundamento de que o ónus de prova desse facto cabia ao autor, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do C.C.

Inconformado com a decisão da Relação, o autor interpôs recurso de revista, sintetizando as suas alegações nas seguintes conclusões: 1 - O Autor foi admitido em 1 de Abril de 2001, para exercer as funções descritas no ponto 2. da matéria de facto dada como provada, para o ICERR.

2 - O ICERR, o IEP e o ICOR foram criados pelo DL n.º 237/99, de 25/6, enquanto institutos públicos dotados de autonomia administrativa e financeira e património próprio, sujeitos à tutela e superintendência do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território.

3 - O ICERR, tal como o ICOR e o IEP, regiam-se pelo DL n.º 237/99, de 25/6, pelos respectivos estatutos anexos ao referido DL e, subsidiariamente, pelo regime jurídico das empresas públicas.

4 - Nos termos do disposto no artigo 13.° dos Estatutos do ICERR (publicados em anexo ao DL n.º 237/99, de 25/6), o pessoal do ICERR estava sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho.

5 - Através do DL n.º 227/2002, de 30/10, o IEP integrou, por fusão, o ICERR e manteve a natureza e regime de instituto público dotado de autonomia administrativa e financeira, património próprio e sujeito à tutela e superintendência do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação.

6 - Nos termos do disposto no artigo 14.° do DL n.º 227/2002, de 30/10, os contratos individuais de trabalho do pessoal do IEP, do ICOR e do ICERR mantém-se em vigor, transferindo-se para o IEP a posição jurídica correspondente aos institutos extintos.

7 - De acordo com o disposto no artigo 13.° dos Estatutos do IEP (publicados em anexo ao DL n.º 227/2002, de 30/10), o pessoal do IEP está sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho.

8 - O IEP foi transformado em entidade pública empresarial (cfr. DL n.º 239/2004, de 21/12) passando a designar-se EP - Estradas de Portugal, Entidade Pública Empresarial e, nos termos do disposto no seu artigo 2.°, a EP - Estradas de Portugal, EPE, assumiu automaticamente todos os direitos e obrigações do IEP, conservando a universalidade de direitos e obrigações, legais e contratuais, que integravam a sua esfera jurídica, no momento da transformação.

9 - De acordo com o disposto no artigo 11.º do mencionado diploma legal, o pessoal da EP - Estradas de Portugal, EPE, está sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, aplicando-se o regime previsto na LCCT e, actualmente, no Código do Trabalho, na celebração de contratos individuais de trabalho, sem qualquer ressalva.

10 - O DL n.º 374/2007, de 7/11, veio transformar a EP - Estradas de Portugal, E.P.E., em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, passando a designar-se por EP - Estradas de Portugal, S. A., e, de acordo com o disposto no artigo 19.º dos Estatutos (publicados em anexo ao referido Diploma legal), o pessoal da EP, S. A., está sujeito ao regime jurídico do contrato individual do trabalho.

11 - O pessoal do R. está sujeito ao regime jurídico do contrato individual do trabalho, sendo possível celebrar contratos de trabalho por tempo indeterminado, adquirindo o Autor a qualidade de trabalhador do quadro do Instituto.

12 - O Réu nunca colocou em causa a possibilidade de conversão de contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo, nem a celebração de contratos individuais de trabalho, por saber que tudo era legalmente permitido.

13 - O R. apenas não concordava com a nulidade da estipulação do termo (por ausência de motivo justificativo) e com a ilicitude do contrato de trabalho a termo.

14 - O pessoal do ICERR/IEP, na qualidade de instituto dotado de personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira e património próprio, estava - e está - sujeito ao regime jurídico do contrato individual do trabalho, sendo aplicável o DL n.º 64-A/89, de 27/02, sem qualquer excepção e não às regras do concurso público.

15 - Fazem parte dos quadros de pessoal do R. trabalhadores contratados por contrato individual de trabalho, por termo indeterminado, sem precedência de processo concursal e o R. tem celebrado contratos de trabalho por tempo indeterminado, na sequência de acordos de integração dos trabalhadores (na mesma situação do ora Autor) no IEP, sem a prévia existência de concurso público ou de qualquer procedimento concursório.

16 - Actualmente e já em 2002, integravam os quadros de pessoal do R. trabalhadores contratados por contrato individual de trabalho.

17 - O direito de acesso à função pública está consagrado no n.º 2 do artigo 47.º da Constituição da República Portuguesa que determina que o acesso à função pública se deve processar "em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso".

18 - Contudo, a contratação do A., bem como a celebração do contrato de trabalho a termo, decorreram à luz do regime jurídico do contrato individual de trabalho e não do regime de constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública.

19 - Não estando em causa uma relação jurídica de emprego público, não tem qualquer cabimento a alegada violação daquele ditame constitucional.

20 - O comando inscrito no referido n.º 2 do artigo 47.º tem como única destinatária a função pública, não abrangendo as funções exercidas em regime de contrato individual de trabalho, como expressamente previsto nos estatutos do Réu.

21 - É entendimento do Tribunal Constitucional que a regra do concurso pode ser postergada, uma vez que o n.º 2 do artigo 47.º apenas determina que o recurso ao concurso deve ter lugar em regra.

22 - O D.L. n.º 427/89 ressalva, através do seu artigo 44.º, n.º 1, com a epígrafe "salvaguarda de regimes especiais", esta situação particular, não violando a Constituição.

23 - As próprias partes, no contrato, expressamente, invocaram os...

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