Acórdão nº 8937/09.5T2SNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelFERNANDES DO VALE
Data da Resolução11 de Setembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça 1 – AA e mulher, BB em representação do seu filho (então) menor, CC, instauraram, em 29.03.01, na comarca de Sintra, acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, contra: I – DD e mulher, EE, por si e em representação de seu filho (então) menor, FF; II – “GG”, com sede na Estrada .........., Pavilhão Gimnodesportivo, em Sintra; III – HH, com sede na Rua ............., nº ..., .....Esq.do, em Lisboa; e IV – “II, S. A.

”, com sede na Av................, n.., em Lisboa, pedindo a condenação solidária dos RR. a pagar-lhes a quantia de Esc. 29 028 959$00, acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento e, ainda, do montante – a liquidar em execução de sentença – das despesas referentes a assistência médica, medicamentosa, intervenções cirúrgicas e custos associados, para tratamento e recuperação da visão do olho esquerdo do CC.

Fundamentando a respectiva pretensão, alegaram, muito em resumo e essência, que, nas circunstâncias abaixo indicadas, ocorreu acidente que vincula os RR. ao dever de indemnização para com o CC, vítima daquele acidente.

Nas respectivas contestações, a R. “HH” deduziu a excepção dilatória da sua ilegitimidade, tendo todos os RR. impugnado a relevante factualidade alegada pelo A. em apoio da respectiva pretensão, pugnando todos eles – aquela R., no caso de não ser absolvida da instância – pela improcedência da acção.

Na subsequente réplica, rejeitou o A. toda a matéria exceptiva aduzida pelos RR., reiterando, por outro lado, o, inicialmente, alegado e peticionado.

Foi proferido despacho saneador em que, além do mais tabelar, foi julgada improcedente a sobredita excepção dilatória, com subsequente e irreclamada enunciação da matéria de facto tida por assente e organização da pertinente base instrutória.

Prosseguindo os autos a sua tramitação, veio, a final, a ser proferida (em 10.02.10) sentença que, julgando improcedente a acção, absolveu os RR. do pedido.

Inconformado, apelou o A.

, vindo a Relação de Lisboa, por acórdão de 15.12.11 e na parcial procedência da apelação, a revogar a sentença recorrida, acrescida do seguinte dispositivo: “Julgam a acção provada e procedente apenas no que toca à R.-seguradora e condenam a mesma R. a pagar ao A. as quantias que se vierem a liquidar em execução de sentença referentes às verbas constantes no epílogo da douta petição, desde que estejam abrangidas nos limites das condições particulares e gerais e observadas que sejam as regras próprias de avaliação clínica por parte dos serviços da R. (…) Julgam a acção improcedente quanto a todos os restantes RR.

”.

Daí a presente revista interposta pelo A.

, visando a revogação do acórdão impugnado, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes conclusões: 1ª – O douto acórdão recorrido condenou e bem a seguradora no pagamento do capital seguro mas, ao absolver os restantes recorridos, manteve o erro de interpretação e aplicação da lei, em que a sentença de 1ª instância já incorrera e, ainda, violou o disposto nos arts° 425, 426º, 441º, do Cód. Comercial, já que o seguro só responde no caso de também assim acontecer com os segurados; 2ª – O recorrente ainda tem direito aos juros legais sobre os valores atribuídos desde a citação até integral pagamento, sobre o que a douta decisão recorrida não se pronunciou, cometendo, salvo melhor opinião, a nulidade do art° 668º, nº1, d) do CPC; 3ª – O recorrido “Hóquei” não podia deixar de ter presente que lhe estava cometida uma obrigação de resultado: assegurar que os exercícios executados sob a sua vigilância, não poriam em causa a saúde dos alunos; 4ª – Mas, competindo aos RR. “Hóquei de Sintra”, através do contrato em que se incumbiu de treinar e fazer jogar o recorrente, e “Federação de Hóquei em Patins”, através da sua admissão como atleta federado, facultar-lhe a prática desportiva, era seu dever não permitir que um aluno impreparado, agressivo ou mal treinado para executar o treino e os lances, os executasse, atingindo o recorrente no olho esquerdo e respectiva arcada do globo ocular, cegando-o; 5ª – No decurso do referido treino ocorrido em 7 de Abril de 1998, o R. FF levantou o seu stick acima da sua cintura e da do A., (e mesmo do ombro, como decorre dos autos e embateu com tal stick de madeira no lado esquerdo da cara do A., no olho esquerdo e respectiva arcada do globo ocular do mesmo; 6ª – Os RR., “GG” e “HH” não forneceram ao A., nem ao R. FF capacete protector com viseira; 7ª – O FF actuou com culpa “stricto sensu”, pois levantou o stick para parar o A., atingindo-o em plena face arcada esquerda, esvaziando-lhe o olho esquerdo de que ficou cego; 8ª – Foram, também, violados, pelo mesmo R. atleta lesante, os arts° 48°, n° 1 e 2, 53° n° 1 c) e 55° n° 2 das regras, violados na interpretação pela sentença de 1ª instância e que o douto acórdão recorrido manteve, por ter jogado de forma dura e incorrecta e por ter tido uma conduta perigosa, atitudes totalmente proibidas; 9ª – O art. 63° n° 1. 1 também foi violado pelo FF, que teve um comportamento incorrecto e antidesportivo, pois não pode haver lançamento do "stick" na direcção do adversário; 10ª – No caso concreto, o jogo de hóquei em patins envolvia um risco especialmente agravado, a demandar redobrada prudência e vigilância dos recorridos, sob as ordens de quem era executado. Assim, 11ª – Por virtude da deficiente vigilância da acção de formação, foi o recorrente agredido com um stick na arcada supraciliar, em consequência do que ficou cego da vista esquerda, pelo que existe responsabilidade civil extracontratual e solidária dos RR., pois, no caso concreto, o exercício físico desportivo envolvia um risco especialmente agravado, a demandar redobrada prudência e vigilância daquele sob as ordens de quem era executado; 12ª – De harmonia com o “Regulamento das Regras do Jogo de Hóquei em Patins”, em vigor desde 01.01.98, o HÓQUEI É PRATICADO COM STICKS DE MADEIRA DE 90 CMS A 115 CMS E UMA BOLA ÚNICA DE FERRO COM PESO DE 155 GRS e CIRCUNFERÊNCIA DE 23 CMS., como consta do anexo 3 ao doc. 3 junto com a p. i.; 13ª – Ora, tendo uma criança de 9 a 10 anos cerca de 1,40 m de altura, o stick, mesmo de 90 cm, atinge a face com facilidade, para além da sua natural inexperiência e que justificavam o uso de capacete e ou viseira pelos menores e muito maior e cuidada vigilância para evitar lesões, o que não aconteceu “in casu”, pois o treinador estava distante e não envolvido no centro do treino que permitiu este jogo agressivo e perigoso; 14ª – Tais factos, nomeadamente a prática do desporto de hóquei em patins por crianças de 9 a 10 anos, com cerca de 1,40 m de altura e sticks de madeira de 90 cm e bola de ferro, sem capacete e/ou viseiras, fazem integrar este jogo de hóquei em patins como ACTIVIDADE PERIGOSA, nos termos do art. 493°, n° 2 do CC, violado na douta decisão recorrida; 15ª – Os recorridos não provaram ter empregado todas as cautelas exigidas pelas circunstâncias, com o fim de prevenir os danos ocorridos; 16ª – Esta especial perigosidade, juntamente com a menoridade acentuada dos praticantes, exige maior e mais acutilante vigilância de todas as provas desportivas dessa natureza, quer sejam desafios organizados, quer os treinos também organizados pelo Clube Hóquei de Sintra e superiormente supervisionados pela Federação; 17ª – No caso presente, não foi exercida vigilância adequada, já que o treinador não se encontrava sequer próximo, permitindo dureza extrema no jogo, nem os RR. “Federação” e “Hóquei de Sintra” observaram cuidados primários (Viseiras, capacetes, etc.) para evitar tão graves danos, como o da cegueira do A., cuidados a observar, mesmo que não fossem expressamente impostos; 18ª – O douto acórdão recorrido violou, assim, o disposto no art. 486° do Código Civil, pois não valorou as omissões referidas também enquanto ligadas ao "DEVER GENÉRICO DE PREVENÇÃO DE PERIGO"; 19ª – Não se trata de risco permitido, por inadmissível, que de um desporto que devia ter sido devidamente controlado e vigiado, quer pelo treinador, quer por delegado do R. Club, possa resultar a cegueira de um jogador, violando a douta decisão recorrida os arts°. 483° e 562° do CC; 20ª – Neste tipo de competição, TREINO ENTRE CRIANÇAS DE 9/10 ANOS, age com culpa o jogador que atinge o outro com um STICK DE MADEIRA na arcada supraciliar e lhe provoca a cegueira; 21ª – Também no caso aqui relatado se verificou, sem dúvida, a violação de um direito absoluto (a integridade física, tutelada nos arts. 25° CRP e 70° CC, violados na decisão recorrida); 22ª – O A., CC, então representado por seus pais, quando se inscreveu na R. “Federação”, para praticar hóquei em patins, aceitou apenas os riscos normais derivados da prática do jogo de hóquei em patins, com observância das regras definidas para essa modalidade e nunca o de vir a ficar cego ou mutilado, o que nem com muita imaginação argumentativa podia imaginar sequer; 23ª – Ocorreu um incidente de lesão do adversário desportivo, causado por negligência, com violação grosseira das regras e do espírito de qualquer jogo; 24ª – De resto, acrescenta, ainda, que "o consentimento (...) na lesão corporal em causa, pela sua gravidade, contrariaria os BONS COSTUMES", revelando inadequação social; 25ª – Por causa da pancada referida, o FF sofreu ferida córneo escleral com expulsão do conteúdo intra-ocular, sendo transportado para o Posto de Saúde de Sintra e daí para o Hospital Egas Moniz, onde sofreu intervenção cirúrgica de urgência e ficou internado até 20 de Abril de 1998; 26ª – Os recorridos-pais do FF respondem, em nome próprio e solidariamente com os outros RR., pelas lesões causadas pelo seu filho, então menor, pois, enquanto obrigados à sua vigilância, omitiram esse dever, permitindo ou não evitando que o FF se comportasse de forma violenta e antidesportiva, dever que se mantém mesmo estando sob a vigilância e autoridade de terceiros – arts. 491°...

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