Acórdão nº 08A1920 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Julho de 2008

Magistrado ResponsávelSEBASTIÃO PÓVOAS
Data da Resolução01 de Julho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: "SPA - Sociedade Portuguesa de Autores CRL" intentou acção, com processo ordinário, contra "AA - Promoção de Espectáculos e Representações, Lda." pedindo a condenação a pagar-lhe a quantia de 55.841.593$00, acrescida de 27.862.421$00 de juros vencidos, além dos juros vincendos.

Alegou, nuclearmente, que representa autores nacionais e estrangeiros cujas obras foram executadas em vários espectáculos musicais que a Ré promoveu, sem que tivesse obtido autorização prévia sua, ou dos autores; que à data, a Autora fixava uma percentagem de 5%, ou 4.4%, sobre a receita correspondente à lotação completa dos espectáculos, procedendo, em consequência, à emissão das respectivas facturas.

Contestou a Ré excepcionando, além do mais, a prescrição do direito invocado.

Impugnou os coeficientes usados na facturação e o prévio conhecimento das obras que iriam ser executadas, além do que a Autora não pode cobrar qualquer percentagem quando o intérprete executa a obra da sua autoria.

Foram juntos pareceres de Ilustres Professores Universitários.

A 11.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa absolveu a Ré do pedido por entender que não carecia de autorização da Autora para execução das obras nos espectáculos que organizou.

Inconformada, apelou a Autora.

A Relação de Lisboa negou provimento ao recurso, com o argumento primeiro que ao pagar ao autor-intérprete pela sua actuação, também o remunerou enquanto autor.

A SPA pede revista.

Assim concluiu a sua alegação: - Veio o tribunal de primeira instância concluir que a obrigação de pagamento dos direitos devidos cabe aos artistas-interprétes e não à R., porquanto são aqueles que procedem à utilização das obras; - Sendo que, em sede de recurso, o tribunal da Relação de Lisboa veio a considerar que a R. nada deve à aqui A. uma vez que as obras em questão foram, essencialmente, executadas pelos seus criadores intelectuais, pelo que se deve considerar que os contratos celebrados entre a promotora dos espectáculos, aqui R., recorrida, e os vários artistas prevêem uma autorização tácita dos mesmos para a utilização das ditas obras.

- Isto, não obstante ter ficado provado que ‘os referidos espectáculos, promovidos pela R., foram realizados sem que a mesma obtivesse dos respectivos autores ou dos titulares dos direitos de autor das obras que iam ser e que foram interpretadas a respectiva autorização para que as mesmas fossem interpretadas' (cfr. artigo 198° da matéria provada), bem como que ‘em Portugal, a A. fixava, à data dos concertos referenciados e nas circunstâncias dos mesmos, para tal autorização, o coeficiente de 5% ou 4,4%, consoante se trate de recintos não vocacionados para esse tipo de concertos ou se trate de salas para isso vocacionadas, sobre a receita correspondente à lotação esgotada, líquida de IVA' razão pela qual procedeu à facturação que enviou à R., no montante total de 55.841 593$00 (cinquenta e cinco milhões, oitocentos e quarenta e um mil, quinhentos e noventa e três escudos), no montante equivalente de € 278.536,69 (duzentos e setenta e oito mil, quinhentos e trinta e seis euros e sessenta e nove cêntimos) (cfr. artigos 199°, 200°, 201 e 203° da matéria provada).

- Entende a R. e o tribunal recorrido, por um lado, que não são devidos direitos de autor quando a qualidade de autor coincide com a de intérprete. Acrescentando-se ainda que, na realidade, os direitos de autor estão incluídos no cachet acordado com os intérpretes ou executantes.

- Mostra-se, portanto, como faz Ferrer Correia em parecer junto aos autos, ‘imprescindível começar por identificar e distinguir as ‘duas categorias de direitos que aqui estão presentes. Trata-se de diferenciar ‘direito de autor' e ‘direitos conexos com o direito de autor'.

- Estando em causa dois direito distintos e autónomos e sendo a condição de criador perfeitamente autonomizável da condição de intérprete, nada de mais natural que uma mesma pessoa possa beneficiar, a um tempo, tanto da protecção própria do direito de autor, como da protecção própria do direito de artista intérprete.

- E não é o facto de nesse espectáculo estar em causa um sujeito, que é simultaneamente autor e intérprete das obras musicais apresentadas, que afasta a protecção jurídica prevista para cada uma dessas qualidades: a de autor e a de intérprete, pelo que se não deve considerar, como sendo verdadeiro, que no pagamento ao artista pela sua execução artística esteja incluído o pagamento pela utilização de obras protegidas pelo direito de autor mesmo que aquelas sejam fruto da sua criação intelectual.

- No que se refere à impossibilidade de afixação do programa do espectáculo pelo promotor, conforme sustentado também pelos Exmos. Senhores Juízes Desembargadores, baseando-se na expressão contida no artigo 122°, n. °1 do CDADC ‘na medida do possível', entende a recorrente, estribada mais uma vez na lei e no parecer de Ferrer Correia que a lei impõe que o promotor afixe o programa e envie uma cópia aos autores ou ao organismo que os representa e que só se o fizer é que se poderá discutir se, em cada caso, face às circunstâncias concretas, a ‘medida do possível' cobre ou não a falta de indicação de todas as obras e/ ou de todos os autores.

- Recusando-se o promotor dos espectáculos a estabelecer qualquer contacto com os autores ou com o seu representante, então nada mais resta aos autores, ou à ora Autora em sua representação, do que fixar a remuneração devida, recorrendo ao critério que normalmente utiliza (4,4% ou 5% sobre a lotação, dependendo do tipo de recinto no qual os espectáculos se realizaram).

- Aliás, essa recusa ou o ‘desconhecimento' invocado pela R. do programa não exonera o promotor da obrigação de pagar a retribuição devida aos autores, logo que conheça as obras que vão ser (ou foram) executadas nos espectáculos, sendo, como se disse, que é ao autor que cabe o direito exclusivo de fixar livremente as condições de utilização da sua obra.

- O argumento da dupla função de artista e autor também não deve colher pelas especificidades da própria indústria da música, e que ficaram sobejamente provadas nos autos.

- É bem sabido que a ‘Musica' esta integrada num ‘quadro industrial' com regras muito próprias, em que a promoção, edição, publicidade e, em geral, a exploração económica de direitos de autor é feita através de contratos que normalmente implicam a cedência, total ou parcial, do direito à retribuição devida aos autores em troca de um conjunto de serviços prestados por essas empresas.

Contra alegou a Ré em defesa do julgado dizendo, a final, em síntese: - A Recorrente assume que o promotor pode - como aconteceu - negociar directamente com o autor, também intérprete, o pagamento de ambos os seus direitos, afirmando que é ao autor que cabe o direito exclusivo de fixar as condições de utilização da sua obra', sendo que, quando dá a autorização para o seu uso ‘poderá logo, eventualmente, tomar posição sobre a fixação do valor da retribuição dos seus direitos, podendo até exigir a sua cobrança prévia'.

- O autor da obra, não carece de dar autorização formal ao intérprete - quando é ele mesmo - fixou a sua retribuição para ambos os seus direitos, como, e, muito bem, diz o acórdão recorrido, pelo que nenhum sentido faria a necessidade de afixação prévia do programa que, segundo a Recorrente, tem como propósito permitir que o autor exerça os seus direitos, quando estes direitos estão claramente protegidos e defendidos nas negociações com a Recorrida.

- Sendo legítimo interpretar que nos contratos celebrados com artistas, quando criadores da obra, o preço negociado e acordado para a prestação artística, paga igualmente o seu mérito enquanto autor, a sua projecção pública enquanto criador e intérprete, como entende o Professor Oliveira Ascensão, e muito bem seguiu o douto acórdão recorrido.

- Não entendemos que releve para os presentes autos a alusão que a Recorrente faz às empresas de publishing, de publicidade, editoras e outras, pelo facto de, por vezes, autores das obras cederem os seus direitos às primeiras, reforçando, desta forma, no seu entendimento, o facto de a recorrida não ter obtido a autorização necessária para a promoção dos espectáculos e respectiva execução das obras. A existirem essas cedências - o que não se concede - o seu eventual incumprimento terá de cair, salvo melhor opinião, no âmbito das obrigações geradas por esse contrato, entre as partes intervenientes, dado que os autores materiais foram pagos pelos seus direitos de autor.

- Nos presentes autos, os autores foram remunerados pela Recorrida enquanto intérpretes e autores materiais das obras literário-musicais, uma vez que o podem, assim lho permite o CDADC, nomeadamente os art.°s 90 e 67° que lhes concede, obviamente, a soberania para usarem as suas obras como entenderem - O facto de os autores / intérpretes, ao cobrarem directamente às promotoras esvaziarem parte das atribuições da Recorrida, é algo que transcende os presentes autos, estando implícito na soberania que detêm para dispor da sua obra.

As instâncias deram por assentes os factos que não foram impugnados tendo, por isso, a Relação usado da faculdade do n.º 6 do artigo 713.º do Código de Processo Civil, mas fazendo ressaltar os seguintes:

  1. A Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) é uma cooperativa, a quem cabe, além do mais, administrar as obras intelectuais de que os seus beneficiários sejam autores, autorizando e fiscalizando, na qualidade de mandatária dos mesmos, as respectivas utilização e exploração dessas obras sob qualquer forma e por qualquer meio, b)... assim como cobrar em representação dos respectivos titulares, todos e quaisquer direitos devidos pela utilização e exploração das suas obras; c) A Ré, no âmbito da sua actividade de promoção de espectáculos e representações promoveu a realização dos seguintes espectáculos: No dia 18.03.94, no Pavilhão Dramático de Cascais, em que actuaram os "Sacred Sin" e "Manowar"; No dia 07.05.94, no Estádio José de...

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