Acórdão nº 08B871 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelSERRA BAPTISTA
Data da Resolução19 de Junho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA veio intentar acção, com processo ordinário, contra C..... - C....... E I....... DE A..... DE O......, LDA e BB, pedindo que se decrete a anulação da deliberação social de 9 de Fevereiro de 2004, com as consequências legalmente previstas nos arts 287º e 289º do CC.

Alegando, para tanto e em suma: A primeira ré é uma sociedade comercial por quotas, tendo como sócios o A., com uma quota de 1.000.000$00, a segunda Ré, com uma quota de 8.000.000$00 e CC, com uma quota de 1.000.000$00; No dia 9 de Fevereiro de 2004 realizou-se uma assembleia-geral da Ré sociedade, com a presença de todos os sócios, tendo-se nela deliberado, com voto contrário do A., a dissolução da sociedade; A. e ré mulher, casaram civilmente um com o outro, no regime da comunhão de adquiridos, tendo a sociedade sido constituída na constância do matrimónio; Tratando-se da alienação de um bem móvel comum, carecia a ré mulher do consentimento do autor para a prática de tal acto, sob pena de ilegitimidade conjugal; Não o tendo obtido, é a deliberação em causa anulável.

Citadas as rés, veio a ré BB contestar, alegando, também em síntese: Não houve qualquer alienação, tendo a ré agido no âmbito dos seus poderes/deveres enquanto gerente da sociedade; Não há, pois, qualquer anulabilidade.

Respondeu o A., mantendo a sua pretensão originária e pedindo a condenação da ré mulher como litigante de má fé.

Entendendo conterem os autos todos os elementos para conhecer desde logo do pedido, proferiu a senhora Juíza o seu saneador-sentença, aí julgando a acção improcedente, com a absolvição das rés do pedido.

Inconformado, interpôs o A. recurso de apelação, que também improcedeu.

De novo irresignado, pediu, agora, revista, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões: 1ª - O douto acórdão decidiu confirmar a decisão de primeira instância, fundamentando-se nos seguintes argumentos: - A dissolução de uma sociedade não é um acto de alienação de uma quota; - Relativamente aos bens comuns a lei passou a reconhecer legitimidade a qualquer dos cônjuges para a prática de actos de administração ordinária - administração concorrente - exigindo a intervenção de ambos os cônjuges - administração conjunta - relativamente à prática de actos de administração extraordinária - artigo 1678º, nº 3, do Código Civil.

  1. - Pese embora a argumentação reproduzida em 1, a decisão do Tribunal da Relação conclui que a dissolução da sociedade não é uma alienação de qualquer quota e apenas esta carece do consentimento de ambos os cônjuges.

  2. - Esta conclusão está em contradição com a fundamentação jurídica sustentada no douto acórdão em crise e aqui reproduzida em síntese.

  3. - Decidindo o tribunal a quo que a deliberação de dissolução não é um acto de alienação, impunha-se então verificar se tal deliberação se consideraria um acto de administração ordinária, hipótese em que, e na tese reproduzida, seria de administração concorrente; ou se, pelo contrário, tal deliberação compreenderia já um acto de administração extraordinária, impondo a administração conjunta.

  4. - Ocorre assim uma nulidade do acórdão prevista na alínea c), do nº 1, do artigo 668º.° do Código de Processo Civil, porquanto os fundamentos traduzidos na decisão deveriam logicamente conduzir a resultado oposto ao que veio a ser expresso na decisão em recurso - neste sentido acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13 de Novembro de 1974, in BMJ 272, pág. 344.

  5. - Por outro lado, resulta das conclusões que fundamentaram o recurso de apelação, a necessidade de, caso não fosse procedente a tese de que a deliberação de dissolução traduziria um acto de disposição de um móvel, a análise das seguintes conclusões: Tratar-se a deliberação de dissolução de um acto de administração extraordinária: a sociedade deixa de ter como objectivo a realização do seu objecto social, para passar a ter como finalidade a sua própria liquidação.

    Na verdade, os actos de administração extraordinária visam a frutificação anormal dos bens - neste sentido MANUEL DE ANDRADE in «Teoria da Relação Jurídica», vol. II, pág. 64.

    Ora, de acordo com o n. ° 3 do artigo 1678º, parte, do Código Civil, os actos de administração extraordinária dos bens comuns carecem do consentimento de ambos os cônjuges, sob pena de ilegitimidade conjugal.

    Sendo tal regra de natureza imperativa, não pode deixar de se considerar a presente deliberação anulável, nos termos do artigo 58º.°, nº 1, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais.

  6. - Ocorre que, da análise e interpretação do douto acórdão em recurso, resulta não ter este apreciado as conclusões acima reproduzidas, na medida em que não faz a aplicação concreta do direito aplicável à situação de facto sub judice.

  7. - Estas questões foram submetidas pelo recorrente à apreciação do Tribunal da Relação, sendo que, as mesmas, não se encontram prejudicadas pela solução apresentada, pelo que, estamos perante omissão de pronúncia, com as consequências previstas no artigo 668°, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.

  8. - Entende o recorrente que uma deliberação do sócio que aprova a dissolução da sociedade não pode deixar de se traduzir num acto de disposição da respectiva quota: a deliberação é a causa da dissolução que terá como efeito a liquidação.

  9. - De todo o modo, e independentemente de se tratar tal deliberação de um acto de alienação, sempre careceria do consentimento de ambos os cônjuges, sob pena de ilegitimidade e consequente anulabilidade da deliberação.

  10. - Tal como se refere no douto acórdão em análise, e no que concerne à administração deste bem comum, aplica-se o disposto no artigo 1678º.°, nº 3, do Código Civil.

  11. - A deliberação de dissolução da sociedade produz uma alteração significativa, tal como se refere na decisão ora posta em crise, os sócios reconhecem que a sociedade esgotou a sua função desencadeando um processo de liquidação e partilha de todo o acervo de direitos sociais existentes no seu património.

  12. - Também por toda a argumentação aduzida pelo Tribunal da Relação do Porto, a deliberação de dissolução traduz-se num acto de administração extraordinária de um bem comum do casal.

  13. - Estamos perante uma decisão de administração conjunta, sob pena de ilegitimidade conjugal, estabelecendo-se como consequência a anulabilidade da deliberação social, por aplicação do artigo 58º, nº 1, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais, conjugado com o artigo 1678º, nº 3, do Código Civil.

  14. - Isto posto, também não assistirá razão na decisão que impõe ao recorrente, sob pena de improcedência do seu pedido de anulação da deliberação, a alegação e prova de que o exercício do direito de voto da recorrida visou o prejuízo dos interesses do recorrente ou da sociedade, por aplicação da alínea b), do nº 1, do artigo 58º.° do Código das Sociedades Comerciais.

  15. - Na verdade, tais elementos careceriam de ser demonstrados se à hipótese não fosse aplicável a previsão do artigo 58º.°, nº 1, alínea a), do mesmo diploma.

    Não houve contra-alegações.

    Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.

    * Vem dado como PROVADO das instâncias: A primeira Ré é uma sociedade por quotas cujo capital social é de 10.000.000$00, tendo como sócios o A., a segunda R. e CC, filho desta.

    O capital social está dividido em três quotas, uma no valor de 8.000.000$00 pertencente à segunda Ré e duas outras quotas de 1.000.000$00 cada, pertencentes uma ao A. e a outra a CC.

    ...

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