Acórdão nº 08B153 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelSANTOS BERNARDINO
Data da Resolução15 de Maio de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

Nas Varas Cíveis de Lisboa, M...

- Medicina, Higiene e Segurança no Trabalho, L.da intentou contra A... S... L... - Gestão de Saúde Unipessoal, L.da acção com processo ordinário, pedindo seja declarada a nulidade do contrato entre ambas celebrado, com fundamento em preterição de formalidades essenciais, e a ré condenada • a restituir à autora o preço pago, no montante de € 69.831,71, acrescido de juros á taxa legal desde a citação até integral pagamento; • a restituir à autora todas as quantias pagas, no montante de € 2.394,23; e ainda • no pagamento à autora de sanção pecuniária compulsória, nos termos do n.º 4 do art. 829°-A do CC.

Para tanto, alegou, em síntese, ter celebrado com a ré contrato-promessa de compra e venda de 20.000 acções da sociedade U... - Unidades Integradoras de Saúde, SA, de que aquela era titular, pelo preço de 14.000.000$00, tendo-lhe entregue, sucessivamente, as quantias de 2.000.000$00, 2.500.000$00 e 6.000.000$00. Posteriormente e por escrito particular, foi celebrado entre as partes o contrato de compra e venda das referidas acções, tendo a autora entregue o valor remanescente (Esc. 3.500.000$00), mas não tendo a ré feito entrega dos títulos nem de qualquer documento que suprisse a falta destes.

Entregou ainda à ré, a pedido desta, os montantes de € 997,60 e de € 1396,63.

Ora, a falta de entrega das acções é uma formalidade essencial que não foi observada e determina a nulidade do negócio; mesmo que as acções sejam nominativas, não foram observadas as formalidades legais para a transmissão destas acções: declaração de transmissão escrita no título e registo junto do emitente; e a não observância das referidas formalidades gera a nulidade do negócio, nos termos do art. 220°, n.° 1, do Código Civil.

A ré, regularmente citada, não contestou, pelo que foi proferido despacho a considerar confessados os factos articulados pela autora. E, depois de apresentadas alegações, pela demandante, foi proferida (em 23/11/2006) sentença final que julgou a acção totalmente improcedente, por não provada, e, consequentemente, absolveu a ré da totalidade do pedido.

Entendeu o Ex.mo Juiz que o contrato celebrado entre autora e ré não é nulo, pelo que teria de improceder o pedido de declaração de nulidade do mesmo e, consequentemente, também os pedidos de condenação da ré a restituir o preço e em sanção pecuniária compulsória. No tocante à restituição do montante de € 2.394,23, entendeu igualmente carecer de fundamento a pretensão da autora, na medida em que essa quantia - como confirmam os cheques juntos aos autos - foi entregue a uma entidade que não é parte na causa, a U... - Unidades Integradas de Saúde, SA.

A autora interpôs recurso de apelação da referida sentença, mas sem qualquer proveito, já que a Relação de Lisboa, em acórdão oportunamente proferido, negou provimento à apelação, confirmando integralmente a sentença recorrida.

De novo inconformada, a demandante traz agora a este Supremo Tribunal o presente recurso de revista, tendo rematado as alegações que apresentou com o enunciado das seguintes conclusões: 1. O tribunal recorrido fez uma interpretação errada dos arts. 101º e 102º do CVM, bem como dos artigos 219º, 220º e 874º do CC, violando deste modo os citados preceitos legais; 2. A transmissão de acções ao portador exige a traditio como condição de validade do negócio, sendo que essa entrega das acções ao portador consubstancia um requisito de forma do contrato transmissivo, cuja falta determina a invalidade do contrato celebrado, nos termos do artigo 220º do CC; 3. O contrato de compra e venda de acções ao portador é um contrato quoad constitutionem ou real, ou seja, um contrato que exige, para além das declarações de vontade das partes, a entrega de uma certa coisa como requisito de validade, pelo que a não entrega das acções determina a nulidade do contrato; 4. A transmissão de acções nominativas exige, a par do acordo das partes, como requisito de forma (i) a declaração no título, ou (ii) o registo na conta do adquirente, ou (iii) o registo nos livros da sociedade, cuja preterição determina a nulidade do contrato subjacente; 5. Os requisitos referidos no CVM para a transmissão, quer de acções ao portador, quer de acções nominativas consubstanciam requisitos de forma do contrato transmissivo, in casu uma compra e venda, pelo que a sua falta determinará, conforme consagrado no artigo 220º do CC, a nulidade do contrato celebrado; 6. As normas constantes do CVM relativas à transmissão de valores mobiliários são normas especiais e, neste sentido, prevalecem sobre o regime consagrado no CC, afastando o princípio da liberdade de forma consagrado no artigo 219º do CC; 7. O artigo 220º do CC, conjugado com o disposto nos artigos 101º e 102º do CVM, consagra explicitamente, como regra, a solução que considera as formalidades da entrega das acções, para as acções ao portador, e as outras formalidades previstas para a transmissão das acções nominativas, como formalidades ad substantiam; 8. A jurisprudência dominante e a doutrina sufragam o entendimento de que os requisitos exigidos pelo CVM para a transmissão da titularidade dos valores mobiliários consubstanciam requisitos de forma do contrato transmissivo, pelo que a sua falta determinará, nos termos do art. 220º do CC, a nulidade do contrato; 9. A solução jurídica vertida no acórdão recorrido está em manifesta contradição com a sufragada no acórdão da própria Relação de Lisboa, de 07.12.99 (CJ 1999, t. 5, pág. 123), bem como nos acórdãos do STJ de 06.10.98 (BMJ 480/490) e de 06.02.97 (BMJ 464/551), da Relação do Porto, de 27.11.2000 (Proc. 0050931) e de 20.03.2001 (CJ 2001, t. 2, pág. 183) e da Relação de Coimbra, de 04.10.2005 (Proc. 2368/05).

A recorrente pediu ainda o julgamento alargado da revista, para uniformização da jurisprudência - pretensão que, todavia, foi indeferida por decisão do Ex.mo Conselheiro Presidente deste Supremo Tribunal.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

  1. Vêm, das instâncias, provados os factos seguintes: 1. Está matriculada na CRC de Torres Vedras, sob o n.° .../20000613, uma sociedade anónima denominada U... -...

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