Acórdão nº 08P815 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelSANTOS CARVALHO
Data da Resolução27 de Março de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

A (6/06/1971) e B (18/10/1971) foram condenados por acórdão proferido no processo comum colectivo n.º 5/06.8GAOLR da comarca de Oleiros, na pena única de 22 anos de prisão, resultante do cúmulo jurídico das penas de 21 anos de prisão pela prática dum crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.ºs 131.° e 132.°/l e 2 alíneas h) e i), de 1 ano de prisão pela prática dum crime de furto, p. e p. pelo art.º 203.º/1 e de 1 ano de prisão pelo crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo art.º 254.°/1 alínea a), todos do Código Penal.

Também foram condenados no pagamento [solidário] das seguintes indemnizações: - € 110.000 à demandante C por danos morais e patrimoniais [€ 15.000 por danos morais e € 95.000 por anos patrimoniais]; - € 15.000 a cada um dos demandantes D e E por danos morais; - € 45.000 aos três demandantes pela perda do direito à vida do seu familiar [o falecido era seu marido e pai, respectivamente]; e €300 correspondente ao valor do furto.

Dessa sentença condenatória recorreram os dois arguidos para o Tribunal da Relação de Coimbra, suscitando algumas questões sobre a matéria de facto, defendendo a absolvição pelos crimes de homicídio e de furto e, em qualquer caso, a não existência de uma especial censurabilidade do crime de homicídio, com reflexo no abaixamento das penas. Mas aí, por acórdão de 12/12/2007, foram os recursos julgados totalmente improcedentes.

  1. Ainda inconformados, recorreram os dois arguidos para o Supremo Tribunal de Justiça, mas o recurso do arguido B não foi admitido, por falta de motivação.

    A arguida A - que não pediu a realização de alegações orais - concluiu apenas o seguinte (transcrição): 1. A arguida deveria ter sido punida nos termos do art.º 131.º do CP e nunca nas alíneas indicadas do art.º 132.º, n.º 2, do CP.

  2. A pena deveria ser inferior a 13 anos, atendendo à ausência de antecedentes criminais e à colaboração que deu na descoberta da verdade.

  3. O M.º P.º na Relação respondeu ao recurso e concluiu pela sua improcedência.

    O Excm.º P.G.A. no Supremo pronunciou-se, em circunstanciado Parecer, pela manutenção do crime de homicídio como qualificado, mas pela procedência parcial do recurso quanto à medida da pena por tal crime, pois, comparada com outras que o STJ tem vindo a aplicar, mostra-se excessiva e deve ser fixada nos 19 anos de prisão.

  4. Colhidos os vistos e realizada a conferência com o formalismo legal, cumpre decidir.

    As questões a decidir são as seguintes: 1ª- Recorribilidade da decisão quantos aos crimes de furto e de ocultação de cadáver.

    1. - Saber se o homicídio deve manter-se como qualificado ou como homicídio simples.

    2. - Medida da pena, considerada exagerada pela recorrente.

    FACTOS PROVADOS 1. A arguida A conheceu a vítima F, há cerca de quatro anos antes da prática dos factos que integram a presente acusação, quando ambos trabalhavam na padaria "Montalvão", em Castelo Branco.

  5. Nessa altura iniciaram um relacionamento amoroso, tendo inclusivamente o F pernoitado por diversas vezes em casa de residência da arguida.

  6. Passando a arguida por dificuldades económicas, dispôs-se o F a fazer-lhe entregas de dinheiro, o que acontecia de modo irregular.

  7. A dada altura, este emigrou para França, onde trabalhava em serviços agrícolas, não tendo, contudo, abandonado o relacionamento que tinha com a arguida.

  8. O ofendido, telefonava à arguida com regularidade semanal, enviava-lhe dinheiro, fazendo transferências bancárias do estrangeiro para uma conta que a arguida tinha no ... ..., agência de Castelo Branco, tendo no dia 12-9-2005, transferido para esta a quantia de 1.225,16 euros, no dia 12-10-2005, transferido a quantia de 1.232,42 euros e no dia 15-12-2005 a quantia de 500,00 euros, num total de 2.957,83 euros e ainda visitava-a em sua casa sempre que vinha a Portugal em gozo de férias.

  9. O F, em face do relacionamento existente projectou fazer vida em comum com a arguida, chegando a dizer-lhe para irem viver juntos para França, que se ela não fosse dele, também não seria de mais ninguém.

  10. A arguida não só recusou a hipótese de ir para França, como ainda recusava qualquer tipo de relacionamento marital com aquele.

  11. Perante esta recusa a vítima passou a discutir com a arguida, confrontando-a com o facto de, caso não aceitasse passar a viver com ele, teria que lhe devolver todo o dinheiro que lhe tinha entregue, acrescentando que se ela não fosse dele, também não seria de mais ninguém.

  12. Estas conversas eram tidas de modo repetido, telefonicamente, desde França, onde o F trabalhava.

  13. Também em data não exactamente apurada do mês de Setembro de 2005, tendo este estado durante três dias em casa da arguida, disse à arguida que se não lhe devolvesse o dinheiro iria contar os factos aos pais dela e que acabaria com ela, apontando-lhe uma faca.

  14. O F mantinha, contudo, a expectativa de que a arguida iria viver com ele no futuro.

  15. Sabendo que o F viria a Portugal passar alguns dias, pela época do Natal do ano de 2005, a arguida, seguramente mais de dois dias antes da chegada da vítima, contactou com o arguido B, seu amigo de há vários anos, pedindo-lhe ajuda para se ver livre daquele e acordaram, nessa altura, um plano para acabar com a vida do mesmo, matando-o.

  16. Na execução desse plano, quando o F chegou a Portugal, no dia 22 de Dezembro de 2005, durante a manhã, cerca das 11 h, e após contacto telefónico daquele para a arguida, esta foi com o seu carro, Opel Corsa, buscá-lo às bombas de combustível CEPSA, sitas na A23, sentido Norte/Sul, próximo da saída para Alcains, Castelo Branco.

  17. A arguida nesse momento transporta a vítima e um colega de trabalho deste que o acompanhava vindo de França, H, até Castelo Branco e, após ter deixado este num estabelecimento comercial de aluguer de automóveis, levou aquele para sua casa, na Quinta da Carapalha, em Castelo Branco, onde este se manteve durante todo o dia.

  18. Durante o dia a arguida ausentou-se de casa e contactou com o arguido B, informando-o de que o F já se encontrava em sua casa, combinando então encontrar-se.

  19. Na execução do plano referido, agindo de comum acordo e em comunhão de esforços os arguidos ministraram à vitima, no dia 22-12-2005, de forma não concretamente apurada, mas que esta tomou misturada em alimentos ou em bebidas, em casa da arguida, uma substância denominada Diazepam.

  20. Esta substância trata-se de um medicamento que contém benzodiazepinas e foi encontrada no sangue e nos restos alimentares do cadáver da vítima.

  21. O Diazepam é um medicamento que é usado como sedativo hipnótico, relaxante muscular que provoca sensação de cansaço e sonolência, dependendo da dose ingerida, sendo que misturado com álcool tem um efeito potenciador, o que era do conhecimento dos arguidos.

  22. Entre as 23h e as 24h do mesmo dia, os arguidos colocaram, daquele modo, a vítima num estado de incapacidade de resistir, sonolento e, ainda com vida, resolveram de comum acordo amarrá-lo com uma fita adesiva larga, em ambas as pernas, atadas uma à outra ao nível dos tornozelos e nos braços, atados um ao outro junto aos pulsos, com ligações da mesma fita adesiva dos membros superiores para os membros inferiores, ligados uns aos outros por duas fiadas de fita.

  23. Na cabeça da vítima os arguidos enfiaram dois sacos de plástico e ataram, colando com fita adesiva igual à referida anteriormente, os sacos, circundando na zona do pescoço, da mandíbula e da boca, dando várias voltas com fita de forma contínua, impedindo assim qualquer entrada de ar para a vítima respirar.

  24. Colocaram depois o corpo da vítima dentro de um cartão que antes embalara um frigorifico e levaram-no, através das escadas do prédio, da residência da arguida para a uma carrinha de marca Nissan Urvan, de matrícula DH, propriedade do pai do arguido, que este antes estacionara junto àquela residência. 22. Os arguidos meteram a vítima assim atada e embrulhada no papelão, de modo a não ser visto por alguém que, por mero acaso, se cruzasse com os arguidos naquele momento, dentro da carrinha.

  25. Seguiram então os arguidos pela estrada nacional que liga Castelo Branco a Oleiros, com o arguido a conduzir, e após terem invertido o sentido de marcha num cruzamento que indica as localidades de Cardosa e Sarnadas de São Simão, de novo em direcção a Castelo Branco, tendo mais adiante ao quilómetro 93, da EN 238, sentido Oleiros - Castelo Branco, próximo do cruzamento para as aldeias Vinha e Silvosa, área da comarca de Oleiros, depois de abrirem o cartão que envolvia a vitima, atiraram-na para a ravina da estrada, local ermo, de modo a não ser visto, nem encontrado por ninguém.

  26. Da mesma forma, atiraram com a mala de viagem da roupa, um saco de viagem preto, uma bolsa de cabedal preta de protecção de telemóvel e uma carteira para documentos, tudo propriedade da vítima, tendo antes retirado todos os documentos de identificação a vítima, de modo a impedir que, caso viesse a ser localizada, fosse possível a sua...

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