Acórdão nº 08B503 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Março de 2008
Magistrado Responsável | SALVADOR DA COSTA |
Data da Resolução | 27 de Março de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA intentou, no dia 14 de Junho de 2004, contra BB e CC, acção declarativa de condenação , com processo ordinário, pedindo a declaração da anulabilidade de identificada procuração e a condenação do primeiro no pagamento de montantes a liquidar retirados de uma conta bancária de AA, do valor das despesas judiciais e extrajudiciais que viesse a realizar, incluindo honorários de advogado e multas aplicadas no processo de liquidação de imposto sucessório e € 5 000 a título de danos não patrimoniais.
Fundamentou a sua pretensão na circunstância de o seu falecido pai ter constituído o réu BB, sobrinho dele, procurador, com o poder de movimentar as respectivas contas bancárias, sem saber o que fazia, por virtude de demência, na delapidação das poupanças do falecido e no sofrimento derivado dessa traição.
O réu BB, em contestação, invocou a ineptidão da petição inicial, a sua ilegitimidade, a caducidade do direito de acção, e, por impugnação, afirmou que o seu falecido tio sabia o que fazia quando outorgou na procuração, e pediu a suspensão da instância.
O réu CC afirmou que, como funcionário notarial, empregado do Estado, accionado em nome individual era parte ilegítima, ser o foro administrativo o competente para conhecer da sua responsabilidade por actos praticados no exercício das suas funções, nada ter sido pedido contra si e que o outorgante da procuração quis e compreendeu o acto que praticou.
O autor replicou, afirmando a inverificação das excepções invocadas pelos réus e a falta de fundamento para a suspensão da instância.
No despacho saneador, julgou-se não verificada a ineptidão da petição inicial, ser o réu BB parte legítima e o réu CC parte ilegítima, que foi por isso absolvido da instância, e relegou-se para final o conhecimento da excepção peremptória da caducidade.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 25 de Julho de 2006, por via da qual a acção foi julgada improcedente e o réu BB absolvido do pedido.
Apelou o autor, impugnando de facto e de direito, e arguindo a nulidade da sentença com fundamento na falta de fundamentação de facto, arguição que o tribunal da primeira considerou verificada, pelo que, elencando os factos provados, proferiu nova sentença no dia 13 de Fevereiro de 2007, por via da qual o réu BB foi absolvido do pedido.
A Relação, por acórdão proferido no dia 20 de Setembro de 2007, julgou a apelação improcedente, e o apelante interpôs recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - o acórdão erra na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, porque as provas, mormente o testemunho de DD e os documentos juntos, revelam a incapacidade de querer e entender e a ausência da consciência da declaração; - o acórdão é nulo, nos termos do artigo 668º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil, porque os fundamentos invocados estão em contradição com a decisão, porque decidiu manter a resposta ao quesito dezoito da base instrutória, embora a fundamentação conduza a sentido oposto, olvidando o testemunho de DD sobre o estado demencial de AA; - o acórdão é nulo, nos termos do artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, por omissão de pronúncia acerca da não aplicação e errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 253º, 254º e 1157º e seguintes do Código Civil; - porque se limitou a remeter para a decisão proferida no tribunal da primeira instância, por falta de fundamentação, o acórdão violou os artigos 158º, 659º, nº 3 e 712º, nº 5, do Código de Processo Civil e 205º, nº 1, da Constituição; - devia ter sido aplicado o artigo 246º do Código Civil por virtude de AA, ao tempo da procuração, não ter consciência da declaração emitida, devendo ser anulada e considerado não produzir o mandato efeitos; - AA não tinha períodos de lucidez em termos médicos em que compreendesse ou tivesse consciência das coisas ou dos seus actos; - devia ter sido aplicado o disposto no artigo 257º do Código Civil e anular-se a procuração por virtude de AA se encontrar incapacitado de entender o sentido da sua declaração negocial e não ter o livre exercício da sua vontade; - a procuração nunca podia consubstanciar o mandato, porque é um acto jurídico unilateral de atribuição de poderes representativos, em que o mandante deve ficar livre de recuperar a autonomia da vontade, pondo termo à relação de confiança - artigo 1157º do Código Civil; - o princípio da livre revogabilidade da procuração foi desrespeitado porque o respectivo instrumento foi assinado com ausência de consciência, pelo que é anulável - artigo 1170º do Código Civil.
II É a seguinte a factualidade considerada provada no acórdão recorrido: 1. Até ao princípio do ano de 2004, o autor vivia em 10 Langwhang, Court, Carnwath, no Escócia, Reino Unido, e afastou-se e rompeu os laços com a sua família, com o pai, a quem não falava e com quem tinha cortado relações há mais de dez anos.
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O autor não prestou qualquer apoio a AA e este foi acompanhado pelo réu BB e pelos netos Christopher Cabrita e Tânia Cabrita, sendo que desde Julho de 1999, o ampararam e dele cuidaram.
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AA tinha conhecimento da sua debilidade e do seu estado de saúde e sabia assinar o nome, e o réu BB conhecia o estado de saúde do primeiro.
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Com data de 7 de Setembro de 1999, AA declarou constituir seu procurador o réu BB, dando-lhe, entre outros, poderes para movimentar todas as suas contas bancárias, tendo sido conduzido ao Cartório Notarial e aí assinou a procuração, cujo conteúdo lhe foi lido em voz alta e explicado pelo ajudante do Cartório.
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O réu movimentou as contas de AA e levantou dinheiro aí existente, mesmo depois do respectivo falecimento.
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O autor procedeu à notificação judicial avulsa do réu BB em 9 de Outubro de 2000, concedendo-lhe um prazo de cinco dias para informar, prestando contas, se usou ou não, e se usou, porquê e para quê a dita procuração, e se usou e como usou depois de saber que o mandante faleceu, dado que até à presente data não prestou contas, e devolver ao autor, se a tiver, procuração idêntica ou fotocópias autenticadas da procuração em questão.
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O autor intentou contra o réu BB, acção de prestação de contas, que corre termos no 1º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Portimão, sob o nº 579/04.8TBPTM, e, em 11 de Fevereiro de.2004, o segundo ainda não havia apresentado contas.
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Na peça processual que o réu BB apresentou na acção referida sob 8: - alegou que "em princípios do mês de Julho de 1999 o réu foi contactado por vizinhos e familiares do falecido AA, os quais lhe deram conta que aquele não se encontrava de boa saúde "e " na verdade foi diagnosticado uma marcada deterioração cognitiva e da memória compatível com o quadro demencial de...
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Acórdão nº 593/09.7TBCTB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Setembro de 2013
...Civil, página 367. [2] Comentários ao Código de Processo Civil, Anotações ao artigo 729º. [3] Vide Acórdão do STJ, de 27/03/2008, Processo n.º 08B503, em que foi relator o Cons. Salvador da Costa, em...
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Acórdão nº 593/09.7TBCTB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Setembro de 2013
...Civil, página 367. [2] Comentários ao Código de Processo Civil, Anotações ao artigo 729º. [3] Vide Acórdão do STJ, de 27/03/2008, Processo n.º 08B503, em que foi relator o Cons. Salvador da Costa, em...