Acórdão nº 08A466 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelURBANO DIAS
Data da Resolução13 de Março de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - Relatório Caixa C... - Sociedade de C... de Risco S. A. intentou, no Tribunal Cível de Lisboa, acção ordinária contra AA e BB pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 806.129,01 € e remunerações que se vencerem até integral cumprimento e dos juros de mora que se vencerem desde 25.02.2005, até integral pagamento.

Em suma, alegou que: - Celebrou com os RR. um contrato de compra e venda de acções e de cessão da posição contratual referente a 53.813 acções nominativas, como valor nominal de 5 euros cada, do capital social de Têxtil J...D... S.A., com sede em Barcelos.

- Os RR. adquiriram em conjunto as acções que detinha no capital social da referida sociedade.

- O preço global da compra e venda das acções e da cessão da posição contratual foi de 733.649,42 €, correspondendo 640.436,56 € à venda das 53.813 acções.

- Sobre os montantes em dívida incidia uma remuneração de 5%, paga trimestralmente.

- Os RR. pagaram-lhe, até 01.04.2004, a quantia global de 37.667,16 €.

- A restante quantia não foi paga, bem como as remunerações vencidas, que em 31.12.2004, perfaziam o valor de 51.817,76 €.

Os RR. contestaram, defendendo a improcedência da acção, dizendo, em suma, que: - A Têxtil J...D... S.A. não deu o seu consentimento à cessão da posição contratual, pelo que a cessão não produziu efeitos.

- Em finais de 2003, abriram uma conta de títulos junto da CGD, agência de Barcelos, destinada a receber as acções a dar de penhor à A..

- Em 28.01.2004, os RR. entregaram à CGD as acções dadas em penhor, instruindo esta para as depositar na conta de títulos constituída.

- A promessa de constituição de penhor e os contratos foram celebrados em Outubro de 2003 e a falência da Têxtil J...D... S.A. foi declarada em 09.11.2004.

- Com a declaração de falência da Têxtil J...D... S.A., verificada dez meses após a entrega das acções em penhor, extinguiram-se os títulos representativos do seu capital social e os direitos a ela inerentes.

- A execução do penhor e, em consequência, o cumprimento coercivo das obrigações por eles assumidas tornaram-se impossíveis, impossibilidade que não lhes é imputável.

- Não são comerciantes nem assumiram as obrigações em regime de solidariedade.

Replicou a A. a contrariar a posição dos RR. e a concluir como na petição inicial.

Em sede de saneador, foi decidido que a "cessão de créditos de suprimentos" não carecia de autorização da Têxtil J...D... S.A., tendo produzido os seus efeitos desde a data da celebração do acordo, e, ainda, que a responsabilidade dos RR. era solidária.

Esta decisão mereceu discordância dos RR. que apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa.

A acção seguiu, entretanto, para julgamento e, findo o mesmo, foi proferida sentença a condenar os RR. no pagamento solidário à A. no montante de 695.982,26 €, bem como no pagamento solidário das quantias respeitantes às remunerações trimestrais, vencidas e vincendas até integral pagamento, equivalentes à aplicação da taxa de juro anual de 5%, sobre os montantes em dívida e ainda no pagamento solidário dos juros de mora, vencidos e vincendos, desde 01.04.2004, relativamente a cada uma das prestações em falta, até integral pagamento, à taxa legal supletiva em vigor.

Também em relação a esta decisão os RR. manifestaram discordância, o que motivou nova apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Este Tribunal, em acórdão de 13 de Setembro de 2007 (cfr. fls. 379 a 402), deu parcial provimento ao primeiro recurso, considerando, por isso, que a responsabilidade dos RR. perante a A. era conjunta e não solidária, mas negou provimento à segunda apelação.

Esta decisão não agradou a ambas as partes, o que motivou que tivessem pedido revista da mesma.

A A. fê-lo, defendendo a bondade da decisão da 1ª instância, tendo, para o efeito, fechado a sua minuta com as seguintes conclusões: - O acórdão recorrido não decidiu correctamente ao considerar que os recorridos respondem conjuntamente e não solidariamente no que toca às obrigações decorrentes do contrato de compra e venda de acções e de cessão da posição contratual celebrado com a recorrente.

- Entende a recorrente que tal entendimento resulta duma errónea aplicação da lei aos factos provados.

- Assim, os factos considerados provados revelam que os recorridos sempre pretenderam que a responsabilidade assumida perante a recorrente aquando da celebração do contrato de compra e venda de acções e de cessão da posição contratual fosse solidária e não conjunta.

- Já que, no caso concreto, parece óbvio à recorrente que os recorridos ao terem comprado as acções e os suprimentos sem determinação de parte ou direito e o terem assumido o pagamento do preço, obrigaram-se solidariamente no pagamento do mesmo.

- Aliás, tal circunstância é comprovada pelo facto de a falta de pagamento de parte do preço - a metade como querem os recorridos - não conduzir à devolução ou divisão das acções do faltoso.

- Isso significa que os recorridos estão obrigados a pagar a totalidade do preço, seja em conjunto seja individualmente, não podendo pois repartir-se a obrigação de pagamento - tal como querem os recorridos - em metade para cada um.

- Acresce que, sendo a recorrente uma sociedade comercial e a compra e venda de acções de sociedades comerciais um acto objectivamente comercial, deve considerar-se que os recorridos respondem solidariamente pelo cumprimento das obrigações assumidas no contrato de compra e venda de acções e de cessão da posição contratual celebrado com a recorrente artigos 100º e 463º, 5º do Código Comercial.

- Deve, assim, revogar-se o acórdão na parte recorrida com as legais consequências.

Já os RR. propugnaram pela revogação do acórdão a coberto das seguintes conclusões com que remataram a suas alegações: I - A respeito da cessão da posição contratual, considerou-se estarmos perante uma verdadeira cessão de créditos por ser essa a real vontade das partes, pelo que a mesma operou os seus efeitos mesmo sem o consentimento da devedora.

II - A verdade é, contudo, que nenhuma estipulação contratual aponta no sentido indicado pela decisão e a circunstância de estarmos perante um negócio com atribuição apenas de uma posição credora de natureza pecuniária não deve ser determinante no sentido de se tratar de uma cessão de créditos e não da própria posição contratual.

III - É que para o cessionário comporta, outrossim, a cessão da posição contratual efeitos que a tomam preferível à simples aquisição dos créditos, pelo que pode haver e tem interesse que exista cedência de posições contratuais credoras de prestações meramente pecuniárias, não esgotando estas em simples transmissões de créditos.

IV - No caso presente, verifica-se precisamente o contrário do afirmado no acórdão e a posição das partes e as estipulações por elas acordadas apontam precisamente no sentido de que quiseram estabelecer uma cedência de posição contratual e não uma simples transmissão de créditos.

V - A intenção da recorrida era, então, a de se desligar definitivamente da TÊXTIL J...D... S. A. e transmitir para os recorridos-administradores e accionistas maioritários dessa sociedade a qualidade que aquela sociedade tinha de sua contraparte no contrato de suprimentos.

VI - A intenção dos recorrentes era igualmente a de não contarem mais com a presença da recorrida na vida social, a qualquer nível, desligando totalmente a sorte da sociedade TÊXTIL J...D... S. A. dos valores em dívida à recorrida.

VII - O que nunca faria sentido seria precisamente que a recorrida, que deixava de ser accionista da TÊXTIL J...D... S. A., cedesse apenas o crédito e continuasse a ser parte no respectivo contrato de suprimentos quando já não era accionista.

VIII - Era a posição - enquanto universalidade de direitos e obrigações dela emergentes, enquanto vínculo à sociedade TÊXTIL J...D... S. A. - que a recorrida pretendeu transferir para os recorridos e não apenas o crédito.

IX - Neste caso, o contrato de cessão de posição contratual foi celebrado simultaneamente com o de compra e venda das acções, pelo que as partes pretendiam precisamente que não houvesse qualquer cisão entre o crédito de suprimentos e a sua causa, mantendo-se unido o crédito à qualidade de sócio do seu titular.

X - A isto acresce - e não é de somenos - que a "desqualificação" da cedência esquece, de forma gritante, a natureza profissional da recorrida que, para além de ser uma sociedade de capital de risco (SCR), integra o maior grupo financeiro português, o Grupo C...G...de D..., sendo a entidade que realiza todas as operações de capital de risco deste grupo.

XI - As operações de capital de risco caracterizam-se precisamente por a SCR participar temporariamente no capital de uma outra entidade como forma de apoiar o investimento a realizar por intermédio dessa entidade, com um acordo negociado desde logo quanto aos termos em que a SCR sairá da estrutura capitalista dessa entidade, mediante a transmissão da participação que antes adquiriu e das demais posições contratuais em que se haja envolvido, pelo que a contratualização dos termos das entradas e das saídas das empresas que apoia é uma realidade com que a recorrida lida diariamente, negociando e concluindo dezenas de negócios desta espécie por ano.

XII - A recorrida lida, negoceia e conclui dezenas e dezenas de contratos do tipo e com os fins daquele que está em causa nestes autos, fá-lo...

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