Acórdão nº 07B4772 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA intentou, no dia 13 de Outubro de 2004, contra VV - Seguros, S.A., acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe € 49.924,32, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos.

Fundou a sua pretensão no furto de objectos com o valor de € 49.924,32 da sua casa de residência, no dia 22 de Setembro de 2002, em contrato de seguro multi-riscos habitação celebrado com a ré e na recusa desta de lhe pagar aquele montante.

A ré, na contestação, afirmou não haver vestígios de arrombamento, pôs em causa a ocorrência do sinistro, e pediu a condenação da autora com base na litigância de má fé no pagamento da indemnização no montante correspondente a vinte unidades de conta.

A autora, na réplica, negou o afirmado pela ré relativamente ao sinistro e expressou imputar à ré a litigância de má fé.

Realizado o julgamento, as partes alegaram de direito e, no dia 19 de Janeiro de 2007, foi proferida sentença, por via da qual a ré foi condenada a pagar à autora a quantia de € 130, acrescida de juros de mora, relativos à substituição da fechadura da porta da sua casa e no que se liquidasse relativamente às coisas que se provassem ter sido objecto de subtracção.

Apelou a ré, e a Relação, por acórdão proferido no dia 5 de Julho de 2007, revogou a referida sentença, absolvendo a apelante do pedido, sob o fundamento de a apelada não ter provado a entrada ilícita na sua casa de residência.

Interpôs a apelada recurso de revista, formulando, em síntese útil, as seguintes conclusões de alegação: - é nula a cláusula que define o conceito de furto qualificado, por integrar uma condição impossível, nos termos dos artigos 12º, 15º e 20º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro; - é uma cláusula ambígua, por modificar um conceito previsto no Código Penal, em cuja interpretação, na dúvida, nos termos do artigo 11º 20º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, deve relevar o sentido mais favorável ao aderente; - à recorrente não podem ser impostos deveres de investigação criminal próprios das autoridades policiais e judiciais, mas tão só participar o sinistro e promover a abertura do inquérito, o que cumpriu; - ao admitir o uso de chave falsa sem mais definições, a recorrida tem de aceitar a aplicação do conceito legal previsto na alínea f) do artigo 202º do Código Penal; - a utilização de chave falsa, conforme conceito legal, permite a entrada em portas fechadas no trinco, sem deixar vestígios, sendo considerada chave falsa a verdadeira quando utilizada ilegitimamente; - é materialmente impossível que a utilização de uma chave falsa deixe vestígios materiais inequívocos ou que tal facto seja constatado em inquérito por autoridade policial; - as portas podem ser abertas por via de utilização de objectos que, deslizando pela fechadura, movimentam o trinco sem deixar vestígio; - o não apuramento sobre se a entrada na residência ocorreu mediante chave falsa, gazua ou instrumento semelhante não permite concluir no sentido da incúria dos residentes e exoneração da responsabilidade da seguradora; - na dúvida quando ao modus operandi do furto qualificado, como ocorreu a entrada na residência, perante a certeza da sua ocorrência, face às alíneas a) e e) do nº 2 do artigo 204º do Código Penal, cabe à recorrida provar os factos que a desonerem da responsabilidade de indemnizar; - os seguros cobrem os sinistros, ainda que decorrentes de negligência, o que não ocorre no caso nem foi alegado em sede própria, pelo que a recorrida não está exonerada de responsabilidade; - ainda que assim fosse, cabia à recorrida provar a incúria que a desresponsabilizasse do pagamento, nos termos do artigo 342, nº 2, do Código Civil; - o conceito de furto qualificado indicado pela recorrida impõe às autoridades policiais um tipo de procedimento na condução e redacção dos inquéritos e relatórios; - tal procedimento penaliza os segurados por a documentação emitida pelas autoridades policiais, apesar de atestar e confirmar a verificação do furto, não o fazer nos moldes que a seguradora entende adequados; - ocorreu um furto qualificado na casa da residência da recorrente, está coberto pela apólice de seguro, e os danos devem ser objecto de indemnização, pelo que deve ser concedida revista.

Respondeu a recorrida, em síntese de conclusão de alegação: - as condições gerais do seguro multi-riscos habitação foram autorizadas pelo Insituto de Seguros de Portugal; - o conteúdo, âmbito e delimitações da garantia de furto qualificado está padronizado e é extensível a todas as seguradoras; - a sua amplitude é extensível a todo o acto cometido com destruição ou rompimento de obstáculos ou mediante escalamento ou utilização de outras vias não destinadas a servir de entrada natural ao local onde se encontrarem os bens cobertos ou mediante o emprego de chave falsa, gazua ou instrumentos semelhantes desde que a utilização destes meios tenha deixado vestígios materiais inequívocos ou que tenham sido constatados por inquérito policial; - o requisito comum para que haja enquadramento na garantia é que se verifique a destruição ou rompimento de obstáculos, mesmo no caso de utilização de chave falsa, gazua ou instrumento semelhante; - à falta de vestígios materiais inequívocos tem de ser constatado por inquérito policial; - há clausulado que garante situações de negligência, ma essa garantia têm em conta o interesse de terceiro, da vítima, do beneficiário e não o do próprio segurado; - quando em casos especiais se garante a negligência, está contratualmente afastada da cobertura a negligência grave ou grosseira, pelo que não pode proceder a generalização operada pela recorrente; - os seguros servem para providenciar o sinistrado dos danos sofridos, estimulando e reconhecendo os comportamentos diligentes e de cuidado, não dando cobertura a comportamentos de risco e irresponsáveis; - a condição de furto qualificado e de ser constatado por inquérito policial serve para controlar as situações menos claras; - dado o controle dispensado à actividade seguradora, que tem em conta a defesa do consumidor e dos segurados no seu conjunto, as regras pré-existentes legitimamente disciplinam e combatem acções de risco e fraudes; - o evento tem de conter os contornos definidos na apólice portadores da sua essencialidade caracterizadora; - o clausulado indica as provas que os segurados têm de apresentar em caso de sinistros; - a lei não proíbe que as seguradoras condicionem a regularização do furto qualificado na gestão do seu negócio, ao que nada foi objectado pelo Instituto de Seguros de Portugal; - não há dúvida interpretativa ou ambiguidade do clausulado e este não está em oposição ao Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro; - não é responsável porque a recorrente não logrou provar a forma de introdução na sua residência, se mediante emprego de chave falsa, gazua ou instrumento semelhante, nem afastou a hipótese de incúria dos residentes que tenham deixado a porta encostada ou aberta, e tinha o ónus de prova, nos termos do artigo 342º, nº 1, do Código Civil; - a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, nos termos do artigo 516º do Código de Processo Civil.

II É a seguinte a factualidade considerada provada no acórdão recorrido: 1. No dia 22 de Setembro de 2000, a autora e representantes da ré declararam por escrito, consubstanciado na...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT