Acórdão nº 07B4403 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelJOÃO BERNARDO
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - Associação BB e AA moveram a presente acção declarativa ordinária a: CC Publicações Periódicas, SA; DD e EE.

Alegaram, em síntese, que: O semanário da 1.ª R., tendo por director o 3.º R., publicou, em 2000, notícias falsas, da autoria principal do 2.º R., segundo as quais a 2.ª A., aproveitando-se do património da 1.ª A., tinha casas em vários locais e de preços elevados e fazia compras de montantes elevados, sendo ainda responsável pelo desvio de obras de arte doadas à 1.ª A., notícias que, pondo em causa a sua seriedade, causaram danos, ressentindo-se a 1.ª A. nos donativos que habitualmente recebia, enquanto a 2.ª A. sofreu uma crise do foro psíquico que afectou a sua vida pessoal e profissional.

Pediram, em conformidade: A condenação solidária dos réus a pagar, a cada uma delas, € 45 000,00; A condenação da 1.ª R. a publicar a decisão condenatória.

II - A acção prosseguiu a sua normal tramitação e, na altura própria, foi proferida sentença em que: Se condenou a 1.ª R. e o 2.º R., solidariamente, a pagarem à 1.ª e 2.ª AA., respectivamente, as quantias de € 5 000,00 e € 20 000,00, acrescidas dos juros de mora desde o seu trânsito em julgado e até integral pagamento e ainda a 1.ª R. a publicar, por extracto, após o trânsito, a decisão condenatória.

O 3.º Réu foi absolvido.

III - Desta decisão apelaram as AA. e o 2.º R. e o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu nos seguintes termos: "1) Negar provimento ao recurso das Autoras.

2) Conceder parcial provimento ao recurso do 2.º Réu, revogando, nessa parte, a sentença recorrida e, em consequência, absolvendo a 1.ª R. e o 2.º R. do pedido formulado pela 1.ª A. e condenando-os no pagamento, à 2.ª A., da quantia de € 12 500,00, e confirmando quanto demais." IV - Ainda inconformados pedem revista: As AA; O réu DD.

Vamos conhecer primeiro do recurso daquelas.

V - Concluem as alegações do seguinte modo: ACERCA DO QUANTUM INDEMNIZATÓRIO ATRIBUÍDO À 2.ª A.

  1. A indemnização fixada pelas instâncias a favor de AA - 20.000 € na 1.ª instância, reduzida a 12.500 € na Relação - é excessivamente modesta, quase insensível ao sofrimento causado, quando a ora Recorrente foi publicamente exposta, em duas semanas seguidas, à mais vil das acusações: a de que teria enriquecido, de forma extraordinária e chocante, à custa da instituição de solidariedade social que fundara, o que teria dissimulado através de "testas de ferro" e negócios simulados.

  2. Toda a matéria factual em que assentou essa acusação de enriquecimento ilegítimo era falsa, não tendo qualquer espécie de suporte: AA não era proprietária de nenhuma das casas, quintas ou montes descritos no jornal AA não tinha os gastos absurdos aí relatados; AA nunca desviou obras de arte em proveito próprio; FOI TUDO UMA CALUNIA.

  3. Tais notícias provocaram na Recorrente um intenso sofrimento moral e uma crise do foro psíquico, tendo lançado uma nuvem de suspeição acerca da sua seriedade e honorabilidade, tendo-se baseado em boatos e conjecturas que o jornal não testou com um mínimo de rigor.

  4. No acórdão da Relação, escreve-se que a indemnização de 12.500 € assenta nos padrões médios seguidos pela jurisprudência nacional para casos idênticos, mas, S.M.O., tal proposição não é verdadeira - sendo arbitrária a sua formulação -, uma vez que, nos últimos anos, são significativamente mais altas as indemnizações atribuídas pela violação do bom nome de pessoas públicas, quando se está perante factos reveladores de negligência grave, que afectem de forma intensa a sua honorabilidade, como é o caso.

  5. A Recorrente sustenta mesmo que não tem memória de uma acusação tão infame como a que lhe foi dirigida assente numa base factual tão falsa como aquela que os factos evidenciam, o que torna particularmente chocante a tese do acórdão recorrido de que se terá pautado por padrões médios.

  6. O acórdão recorrido funda-se ainda na circunstância de se desconhecer que a publicação em causa fosse de expansão nacional, pelo que não seria possível atribuir aos danos uma grande extensão, que certamente teria, se a publicação tivesse a referida natureza.

  7. Porém, a evidência não é essa, já que é facto público e notório que o "CC" - nunca tendo tido a projecção do "Expresso" ou, na sua fase áurea, do "Independente" - foi um semanário nacional, que era regularmente exposto nos escaparates dos postos de venda de todo o país, como sabe o homem comum médio.

  8. A gravidade excepcional das ofensas em causa, a negligência grave com que foram produzidas e as devastadoras consequências desses actos justificam o pedido formulado na p.i.

    O DIREITO DA 1.ª A. À INDEMNIZAÇÃO 1) O acórdão da Relação não reconhece à 1.ªA. o direito a qualquer indemnização porque as notícias em causa compreender-se-iam - no que a si respeitava - no exercício do direito à liberdade de imprensa o que excluiria a ilicitude.

  9. Justificaria tal proposição a circunstância de, na materialidade provada, só ser susceptível de atentar contra o seu bom nome a atribuição de "irregularidades na gestão dos cerca de 2-10 mil contos" e que "em relação aos donativos de particulares e empresas, a situação ainda é mais complicada", sendo a primeira afirmação fundada num relatório de inspecção, enquanto a segunda seria vaga e não reportada a qualquer facto concreto.

  10. Se, quanto à primeira imputação, se aceita a argumentação do acórdão, já, quanto à segunda, é manifesto que o juízo da Relação é erróneo. uma vez que - como resulta da leitura da parte final do facto assente sob o n° 6 - foi também dito o seguinte: "os donativos em espécie também selo fonte geradora de polémica. Ainda hoje, ninguém sabe dos paradeiros dos quadros que o grupo M... deu à associação".

  11. Tal afirmação é perfeitamente concreta e é de uma enorme gravidade e leviandade, até porque era já então sabido que o responsável por tal facto se declarara culpado e fora condenado (cfr. facto assente sob o n° 8), pelo que, ao ignorar tal segmento de facto, o acórdão recorrido aplicou erroneamente aos factos o art. 484.º do CC.

  12. Acresce que, tal como resulta dos factos assentes, o conjunto das notícias - incluindo as imputações feitas à presidente da BB - atingiu directamente a própria BB, como decorre da circunstância de tais imputações, visando a presidente da BB, revelarem afinal que a BB seria uma instituição onde "não há rei nem roque" e onde seria possível enriquecer à custa do seu património, o que teve concretas repercussões na credibilidade e nas receitas da BB (cfr. factos assentes n.ºs 37, 38 e 39).

  13. É por isso que se tem de valorar o conjunto das notícias que lançaram uma nuvem de suspeição sobre a BB - respeitada por pessoas de todos os quadrantes, com uma missão social relevantíssima -, as quais afectaram os donativos recebidos e de que a instituição depende, julgando-se razoável o valor peticionado, nos termos do art. 484° do C.C., tendo particularmente em conta a negligência grave dos RR. e as consequências dos seus actos relativamente aos donativos instituídos a favor de pessoas doentes e carenciadas.

    A ABSOLVIÇÃO DO 3.º R.

  14. Nos termos do art. 20° da Lei da Imprensa (Lei n° 2/99), é ao Director do jornal que cabe orientar. superintender e determinar o conteúdo da publicação, pelo que lhe cabia impedir a publicação das notícias em causa, sendo certo que está assente que, no caso concreto, tal director não se opôs a essa publicação (cfr. facto assente sob o n° 29).

  15. Não o fazendo, o Director violou os seus deveres legais, e também deontológicos, pelo que não pode deixar de ser responsabilizado pelos danos causados.

  16. Não convence o argumento da Relação de que as AA. não provaram o conhecimento do 3° R. relativamente ao conteúdo das notícias em apreço, já que essa seria uma prova diabólica ou mesmo impossível.

  17. Caberia ao R. provar que não teve conhecimento das notícias ou que, tendo tido, não se pode opor à sua comunicação. Não o fez.

  18. Dos factos provados - o 3° R. era o director do jornal e não se opôs à publicação das notícias - só pode nascer a presunção judicial de que omitiu o seu dever de diligência, donde emerge a sua responsabilidade neste processo.

    Estas conclusões foram juntas já neste tribunal após despacho do relator nos termos do artigo 690.º, n.º4 do Código de Processo Civil e não foram objecto de resposta.

    Mas as alegações a que se reportavam, anteriormente juntas, foram objecto de contra-alegação, quer do réu DD, quer do réu EE, rebatendo ambos e na parte que lhes diz respeito, a argumentação das recorrentes.

    VI - Ante as conclusões das alegações - que, com ressalvas que aqui não cabem, delimitam o âmbito do recurso - as questões que se nos deparam neste recurso consistem em saber se deve ser: Majorado o quantum indemnizatório atribuído à 2.ª A; Atribuída indemnização à 1.ª autora e, na hipótese afirmativa, em que montante; Condenado o 3.º réu.

    Para a resposta a dar à primeira das questões, respiga muito do que temos a dizer sobre a segunda, de sorte que vamos alterar a ordem que nos chega e começar por esta.

    VII - Vem provada a seguinte matéria de facto: 1. No ano de 2000, as Autoras foram objecto de várias notícias em órgãos de comunicação social que davam conta de uma denúncia efectuada por um antigo colaborador da 1.ª A., FF, que apontava para irregularidades na gestão da BB, que veio a determinar a realização de inquéritos no âmbito da Inspecção-Geral do Ministério do Trabalho e da Solidariedade e do Ministério Público.

    1. A 1.ª Ré é dona do semanário CC.

    2. O 3.º Réu era o director do CC, em 31 de Março de 2000 e 7 de Abril de 2000.

    3. Na edição de 31 de Março de 2000 do CC, a manchete da 1.ª página tinha como título "Rico BB", precedida do subtítulo "Investigação toda a história do enriquecimento ilícito de AA enquanto Presidente do BB, acompanhada da fotografia de AA e do seguinte texto: "A responsável pela BB mora numa casa de 80 mil contos, passa os fins-de-semana numa quinta em Sintra, possui um apartamento em Tavira e descansa num Monte alentejano de 150...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
3 temas prácticos
3 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT