Acórdão nº 116/09.8T2AVR-Q.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Outubro de 2011
Magistrado Responsável | LOPES DO REGO |
Data da Resolução | 13 de Outubro de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.
Massa Falida da AA – Empresas de Sistemas de Alumínio e Ferro, Lda
intentou acção declarativa de condenação, na forma ordinária, visando a impugnação pauliana de determinada alienação de bens imóveis , contra «AA – Empresas de Sistemas de Alumínio e Ferro, Lda.», «BB – Sociedade de Locação Financeira Imobiliária, SA», «CC – Transformadores e Distribuidores de Vidro, SA» e «DD – Sistemas de Caixilharia de Alumínio, Lda». , sustentando a sua pretensão nos seguintes termos: a AA apresentou-se à falência em 11 de Julho de 2002 e , por sentença de 11 de Novembro de 2002, foi declarada falida; ora, a sociedade falida já havia vendido o imóvel onde laborava e o prédio urbano a ele adjacente à ré BB, SA, por escritura de compra e venda datada de 18 de Março de 2002, tendo a entidade adquirente locado, nesse mesmo dia, os ditos imóveis à CC - que por sua vez os sublocou, menos de 1 mês depois, à DD. Ora, a AA tinha então 1.835.842€ de dívidas para com terceiros – e, valendo os prédios 570.000€ - os actos em causa deviam presumir-se legalmente celebrados de má fé. Mais alegou que todas as rés tinham perfeito conhecimento que com essa compra e venda impossibilitavam ou agravavam a impossibilidade de satisfação daqueles créditos, sendo que a referida compra e venda foi feita precisamente com o intuito de subtrair os imóveis – os únicos que a AA tinha, o que era do conhecimento de todas as RR.– ao alcance dos seus credores. Na verdade, os prédios, apesar de terem aquele valor – o que também era do conhecimento de todas as RR. – foram vendidos por apenas 399.038,32€, sendo o negócio de compra e venda o estratagema encontrado para possibilitar as duas locações posteriores. Do produto da venda, a AA deu 103.513,39€ daqueles 399.038,32€ à CC - sem que tivesse qualquer dívida para com esta - e os restantes 295.524,93€ destinou-os ao pagamento de uma dívida hipotecária ao BPSM. Por outro lado, os interessados nas sociedades AA e DD seriam os mesmos , como bem sabia a CC; sendo a DD criada apenas para que as mesmas pessoas pudessem continuar a laborar no mesmo local.
Concluiu a A. pelo pedido de procedência da acção, devendo, por via dela, a venda, a locação financeira e a sublocação ser declaradas ineficazes e sem efeito em relação à autora, revertendo para a massa falida os bens ou valores correspondentes.
A ré «CC» contestou, alegando, para além do desconhecimento da matéria de facto, que não teve o intuito que a A. lhe imputa, nem as locações celebradas foram qualquer estratagema, nem os imóveis tinham o valor que a A. invoca, tanto mais que sobre eles incidia uma hipoteca - precisamente a favor do BPSM - até ao montante de 241.000€. Impugna ter recebido o valor de 103.513,39€ referido pela A. , sendo ainda certo que, se a AA vendeu os prédios para pagar a dívida ao BPSM, o negócio não seria impugnável, nem a situação se enquadraria em qualquer das previsões do artigo 158º do CPEREF.
A «BB» começou por referir que não sabia que a «AA» tinha sido declarada falida e que os prédios fossem os seus únicos bens, pelo que desconhecia totalmente que a respectiva venda pudesse ter impossibilitado ou agravado satisfação de eventuais créditos de terceiros, cuja existência desconhece. O valor real dos imóveis seria o valor pelo qual os comprou, não tendo tido a intenção fraudulenta que a A. lhe imputa. Por outro lado, o valor obtido contribuiu para a solvência de dívida garantida por hipoteca, pelo que não seria impugnável , não resultando preenchida nenhuma das hipóteses previstas no artigo 158º do CPEREF.
A liquidatária da «DD» veio informar que esta tinha sido declarada falida por sentença de 21/09/2004, tinha encerrado em Agosto de 2003 e que tinha entregue o imóvel à «CC».
A Massa Falida replicou e impugnou todos os factos alegados pelas rés.
No despacho saneador, declarou-se extinta a instância, no que respeita ás rés «AA» e «DD», com fundamento na extinção dessas mesmas sociedades ( e tendo também em conta que o imóvel em litígio já havia sido restituído pela «DD» à ré «CC»). Consignaram-se os factos assentes e elaborou-se a base instrutória da causa – e, instruídos os autos, teve lugar audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou procedente a impugnação da venda referida em c) e da locação referida em d) dos factos assentes, procedendo, em consequência a sua reversão para a «Massa Falida», condenando-se as rés a apresentarem os dois imóveis ao liquidatário dentro de 10 dias, sob pena de lhes serem aplicadas as sanções previstas na lei do processo para o depositário de bens penhorados que falte à oportuna entrega deles – artigo 159º do CPEREF.
De tal decisão, apelaram as rés «CC» e «BB, SA», tendo a Relação anulado a sentença recorrida, ordenando a ampliação dos factos assentes e da base instrutória, com a consequente repetição do julgamento, de modo a que fosse tida em consideração a matéria de facto alegada pela BB, com vista a afastar a possível presunção de má fé que poderia emergir da al. d) do art. 158º do CPEREF A 1ª instância aditou tais factos, conforme determinado, repetindo-se o julgamento, e sendo proferida nova sentença que, na parcial procedência da acção, declarou os contratos descritos em 3. e 4. da matéria de facto ineficazes em relação à autora, conferindo a esta o poder de executar nos patrimónios das rés os bens que daqueles contratos foram objecto, com a restituição à massa falida do preço que por eles venha a ser obtido, na parte em que exceda a quantia de 295.524,32 €, valor que haveria de ser precipuamente entregue à ré «BB». Mais se decidiu que, para cumprimento do sentenciado, as rés deveriam facultar os imóveis ao liquidatário, no prazo de 5 dias após trânsito da sentença, sob pena de lhes serem aplicadas as sanções previstas na lei do processo civil para o depositário de bens penhorados que falte à oportuna entrega dos mesmos (art.159º/CPEREF).
Do decidido, apelaram a A. e, subordinadamente, as duas rés.
A Relação, no acórdão ora recorrido, começou por salientar que a única questão a solucionar é a decantada questão do requisito da má-fé exigido pelo art.612º/2 para os actos onerosos.
Assim, estabelece o nº1 desse preceito que “o acto oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé (…)”.
O nº2 afirma o que se entende por má fé: “… a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor”.
Logo, nos negócios onerosos, como é o caso do contrato de compra e venda, a lei impõe a má-fé bilateral, no sentido de exigir de ambos a consciência do prejuízo que o acto causou ao credor. E a má-fé, enquanto requisito subjectivo da impugnação pauliana, significa a consciência do prejuízo que o acto causa. A lei não exige a intenção de prejudicar o credor, bastando a negligência consciente.
A doutrina e a jurisprudência recente, após alguma controvérsia sobre o conceito de má-fé referido no art.612º/2, vêem defendendo que tal conceito abrange tanto o dolo (nas três modalidades) como a negligência consciente, não podendo abranger a negligência inconsciente.
[1] A solução que defendemos é a que exige que na formulação legal de má fé se inclui também a negligência consciente, mas já não a negligência inconsciente (as partes celebram o negócio sem ter consciência da possibilidade de lesar o credor, quando poderiam, se actuassem diligentemente, ter adquirido essa consciência).
Ao contrário, a 1ª instância seguiu o entendimento minoritário de que o requisito má fé abrange igualmente os casos de negligência inconsciente. E, partindo desta posição e dos factos provados, concluiu que o comportamento omissivo da ré «BB» é passível de ser censurado porque – argumentou-se – “nas circunstâncias descritas, se o não fez, era-lhe exigido que, conforme estava ao seu alcance, desde logo na qualidade de sociedade financeira, procurasse obter informações sobre a situação económico-financeira da vendedora e, assim, dos motivos/objectivos subjacentes à operação de locação financeira que lhe foi proposta”. Com o devido respeito, não se subscreve tal posição.
A lei fala apenas em consciência do prejuízo. Como assim, se na má-fé bilateral não se exige o conluio ou a concertação do devedor e do terceiro de prejudicar o credor, também não vem exigido um comportamento censurável, embora falte o conhecimento, como sucede naquelas situações em que devedor e terceiro não chegaram a representar a possibilidade de...
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