Acórdão nº 61/11.7YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução27 de Setembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO A Lic. AA, Juíza de Direito, vem interpor recurso contencioso do acórdão do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM) de 5.4.2011, que, em resultado da Inspecção Extraordinária nº 291/2010, lhe atribuiu a classificação de “Medíocre”. Fá-lo nos seguintes termos: I - OBJECTO DO RECURSO E PRESSUPOSTOS 1º O acto recorrido é, como se disse, o douto Acórdão do Plenário do CSM, de 5 de Abril de 2011, que, em resultado da Inspecção Extraordinária n.° 291/2010, atribuiu à Recorrente a classificação final de "Medíocre" - de que se junta fotocópia como doc. 1 e se dá por integralmente reproduzido, como por reproduzidos se dão todos os documentos de ora referidos neste recurso.

  1. A Recorrente é directamente visada e lesada pelo douto Acórdão recorrido, pelo que tem legitimidade.

  2. A Recorrente foi notificada pessoalmente do acto recorrido em 26 de Abril de 2011, pelo que está em tempo - artigo 169.° do EMJ.

  3. O Tribunal é competente, nos termos do artigo 168.°, n.° 1, do referido EMJ.

    II - DOS FACTOS 5º O serviço prestado pela Recorrente no 2.° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca do F..., no período compreendido entre 30 de Maio de 2007 a 15 de Setembro de 2010, foi objecto de inspecção extraordinária.

  4. No final da mesma, o Senhor Inspector elaborou Relatório propondo a classificação de "Suficiente", cfr. doc. 2 que se junta.

  5. Classificação com a qual a Recorrente não discordou, não tendo, por essa razão, apresentado resposta nos termos do art. 100.° do Código de Procedimento Administrativo (CPA).

  6. Porém, por ofício datado de 27 de Janeiro n.° 009773, que ora se junta como doc. 3, foi a Recorrente notificada para se pronunciar previamente tendo em conta "que na sessão do Conselho Permanente deste Órgão, realizada em 14-12-2010, foi deliberado determinar que os autos vão à DISTRIBUIÇÃO (...) uma vez que, face ao teor do relatório de inspecção, pode ser ponderada a hipótese de não homologação - e consequente atribuição de nota inferior - da nota proposta pelo Exmo. Inspector." 9º Em resposta ao referido ofício, apresentou a Recorrente o requerimento, que ora se junta como doc. 4, com o seguinte teor: 1. Quanto à deliberação que determinou a remessa dos autos à distribuição, e tendo em conta que a decisão já foi tomada, está a Inspeccionada impedida de se pronunciar previamente.

    1. De qualquer forma, porque apenas notificada da decisão e não da fundamentação de facto e de direito da mesma, como determina o art. 101°, n.° 2, do CPA, também não estaria em condições de o fazer.

    2. De referir, ainda, que a respeito da finalidade da distribuição, já decidida - ou seja, a ponderação da hipótese de não homologação da nota proposta pelo Senhor Inspector -, só depois de tal ponderação ter lugar é que se poderá pronunciar, nos termos dos arts. 100° e 101° do CPA, após notificação do sentido provável da decisão e da fundamentação de facto e de direito para tanto invocada.

    3. Ainda assim, sublinha-se desde já que - no entender da Inspeccionada - o próprio Relatório da Inspecção, quer em si quer para a nota que propõe, não tem em conta os graves problemas de saúde que a têm afectado nos últimos anos, com reflexos directos no exercício das suas funções - e que infelizmente ainda se mantêm, com se pode ver do atestado médico que se junta por fotocópia como doc. 1.

  7. A Recorrente não recebeu mais nenhuma notificação para além da que continha o douto Acórdão impugnado, já junta como doc. 1. 11° O referido douto Acórdão reproduz na íntegra o relatório elaborado pelo Sr. Inspector Judicial, págs. 3 a 50, acrescentando o seu entendimento quanto à não verificação do vício de falta de audiência prévia invocado pela Recorrente no requerimento já junto como doc. 4, bem como o ponto IV do mesmo, respeitante à apreciação do referido Relatório.

  8. Apreciação essa, como resulta da factualidade exposta, não notificada previamente à Recorrente. (cfr. doc. 1 já junto) 13° À Recorrente foi diagnosticado um quadro clínico de Depressão Grave, conforme atestado junto ao doc. 4 como doc. 1, depressão esta que teve reflexos directos no exercício das suas funções - e que infelizmente ainda se mantêm.

    III - DO DIREITO

    1. DO VÍCIO DE FORMA POR FALTA DE AUDIÊNCIA PRÉVIA 14° Como se referiu em sede factual, a ora Recorrente arguiu o vício de forma por falta de audiência prévia, conforme doc. 4 já junto.

  9. Refere o douto Acórdão recorrido, como fundamento para a improcedência do referido vício, que: «(...) Aquilo que a lei determina é que, concluída a instrução, os interessados sejam ouvidos antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta (cfr. art. 100°, n.° 1, do CPA). Foi precisamente isso que o Conselho Superior da Magistratura fez: determinação a audição da Sra. Juíza a respeito da classificação a atribuir-lhe, informando-a sobre a provável atribuição de uma notação inferior à proposta pelo Inspector Judicial, ou seja, sobre a provável atribuição de "Medíocre". Era sobre isto que a Sra. Juíza tinha o direito de se pronunciar previamente à decisão, tendo-lhe sido assegurado o exercício desse direito.» 16° Porém, salvo o devido respeito, que é muito, não se pode considerar que seja este o entendimento do direito de audiência prévia, pois o sentido provável da decisão não poderá deixar de conter a fundamentação da mesma.

  10. Veja-se, a este respeito, o entendimento de José Manuel dos Santos Botelho et alii, Código de Procedimento Administrativo Anotado - Comentado - Jurisprudência, 3.ª edição actualizada e aumentada, Almedina, 1996, Coimbra, p. 351, que refere "(...) se se optou pela audiência escrita o órgão instrutor terá de oferecer com a notificação, os elementos previstos no n.° 2 do artigo 101°, ou seja, os necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito." 18° No caso, tendo em conta que não houve alteração da factualidade subjacente, deveria ter a Recorrente sido notificada da diferente apreciação de tal factualidade que motivou a alteração da notação, só assim sendo possível que a mesma ficasse a conhecer previamente todos os aspectos relevantes para a decisão.

  11. Conclui-se, desta forma, que tendo em conta que o mesmo está ferido do vício de falta de audiência prévia, e por isso é anulável, nos termos do art. 135.° do CPA.

    1. DO VÍCIO DE ILEGALIDADE DO ACTO POR VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI 20° Para além do vício de falta de audiência prévia invocado, a Recorrente considera, ainda, salvo o devido respeito, que é muito, que o douto Acórdão recorrido incorre em vício de violação de lei quando refere: "Na resposta que apresentou, a Sra. Juíza alertou para os graves problemas de saúde que a têm afectado nos últimos anos, com reflexos directos no exercício das suas funções, e que infelizmente ainda se mantêm, como resulta do atestado médico que junta.

    Simplesmente, em matéria de classificação de serviço, o desempenho funcional é analisado na sua objectividade. Não está aí em causa, como sucede na apreciação disciplinar, a averiguação da culpa do magistrado no seu desempenho negativo.

    O desempenho será insuficiente, independentemente de ser ou não culposo. (...) Do que fica dito não resulta que o Conselho Superior da Magistratura não deva ser sensível às situações de carácter pontual ou excepcional que possam estar na origem da insuficiência da prestação funcional de um juiz num determinado período temporal. (...)." 21° Porém, tal entendimento, salvo melhor opinião, não é compatível com os arts. 13.° e 15.° do Regulamento de Inspecções Judiciais, aprovado pela Deliberação n.° 55/2003, do Conselho Superior da Magistratura, publicada no Diário da República, II Série, de 15 de Janeiro de 2003 (RIJ).

  12. Assim, se por um lado o art. 13.° manda atender a critérios como a dedicação do Magistrado (alínea b) do n.° 3), o art. 15.°, n.° 2, refere que "São ponderadas as circunstâncias em que decorreu o exercício de funções, designadamente as condições de trabalho, volume de serviço, particulares dificuldades do exercício de função, grau de experiência na judicatura compaginado com a classificação e complexidade do tribunal, acumulação de comarcas ou juízos, participação como vogal de tribunal colectivo e o exercício de outras funções legalmente previstas ou autorizados." (o sublinhado é nosso) 23° Ou seja, é o próprio RIJ que manda atender a critérios subjectivos, directamente relacionados com as circunstâncias nas quais o Magistrado exerceu as suas funções.

  13. Termos em que o vício de violação de lei, que no caso em apreço se verifica, inquina a douta deliberação recorrida de anulabilidade, nos termos e para os efeitos do art. 135.° do CPA, o que desde já se invoca.

    1. DO VÍCIO DE PROCEDIMENTO POR DEFICIENTE INSTRUÇÃO 25° Para além do vício de violação de lei, considera-se, ainda, que o douto Acórdão incorre no vício de procedimento por deficiente instrução do processo inspectivo.

  14. De facto, tendo a Recorrente apresentado documento no sentido de lhe ter sido diagnosticada doença com necessário impacto nos exercícios das funções, cabia ao Conselho a averiguação para perceber a dimensão deste mesmo impacto.

  15. Assim também já o decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, de que é exemplo o seu douto Acórdão de 1 de Fevereiro de 2011, referente ao processo n.° 0505/10, dizendo para o efeito que: "Com efeito, na apreciação realizada, a incapacidade invocada foi menosprezada meramente por uma alegada falta de conexão entre o ano do enfarte e o ano de 2006, mas não existiu qualquer análise crítica da eventual ligação entre a concreta incapacidade e as concretas funções.

    E não se trata, necessariamente, de um problema de apreciação de produtividade.

    Aparentemente, a deliberação impugnada desconsiderou aquela incapacidade apenas em atenção a essa vertente.

    Todavia, há que ter presentes os critérios de avaliação, conforme o artigo 13° do Regulamento de...

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