Acórdão nº 07A3580 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2007

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução13 de Novembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA e mulher BB, intentaram, em 24.7.2003, pelas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa - 15ª Vara - acção declarativa de condenação com forma de processo ordinário, contra: CC e mulher DD, Pedindo que: a) Seja reconhecido o direito de propriedade dos autores sobre a fracção autónoma identificada pela letra "T", correspondente ao 5° andar, lado esquerdo, letra B do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Av. ..., n.°s 00 a 00-D, tornejando para a Av. dos ...., para onde tem os números 1 a 1D, na freguesia dos Olivais, concelho de Lisboa, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 3967, descrito na 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº2124/Santa Maria dos Olivais; b) Seja declarado resolvido o contrato de comodato celebrado entre os autores e os réus, tendo por objecto a fracção supra referida em a); c) Os réus sejam condenados a restituir imediatamente aos autores a mesma fracção.

Para o efeito, alegam que os réus não lhes restituíram a fracção autónoma supra referida na alinha a) do pedido que é dos autores e que estes lhe emprestaram (por comodato verbal, sem ter sido convencionado prazo certo - art. 1129° do Código Civil).

O réu marido é filho dos autores e os réus casaram em 15.08.1980, e porque não tinham casa, os autores emprestaram-lhes esta fracção para aí viverem gratuitamente, com a obrigação de a restituir quando já não precisassem dela ou quando os autores lha pedissem e da qual já não precisam, por terem adquirido outra na cidade de Lisboa, na Av. ..., nº00, 2° andar.

Os autores precisam de vender a fracção emprestada para, com o produto dessa venda, custear as obras que urgentemente têm de fazer na casa onde moram, para a adaptar aos seus actuais estados de saúde, dadas as suas avançadas idades e doenças.

Na contestação, os réus dizem que, quando se casaram, já o réu marido vivia na fracção, cuja restituição os autores pretendem; que nunca lhes foi sugerido que esta fracção lhes era emprestada e que eles a tivessem de restituir à primeira solicitação.

Antes, pelo contrário, sempre foi dado a entender que a fracção em questão seria para eles e a casa de Cascais seria, futuramente, para a irmã do réu marido.

Mais dizem que, apesar da ré ter adquirido uma outra casa, na sequência de um processo de partilha por óbito de seu pai, é na casa em demanda que os réus vivem.

E, em reconvenção, alegam ter adquirido por usucapião a fracção em causa, por terem a sua posse há mais de 20 anos, sempre terem agido como verdadeiros proprietários da mesma, de forma pública, e com o consentimento dos autores, e que estes só ao fim de 23 anos, é que vieram adoptar um comportamento digno de proprietários.

E concluem pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido. Em sede reconvencional, pedem que lhes seja reconhecida a qualidade de proprietários da fracção objecto dos autos.

Na réplica, os autores alegaram a ineptidão da reconvenção por falta de causa de pedir, e para o caso de esta não ser procedente, impugnaram a reconvenção, concluindo pela procedência da excepção ou, se assim não for, pela improcedência da reconvenção.

A acção prosseguiu os seus posteriores termos, tendo sido proferida sentença que julgou a acção procedente e improcedente a reconvenção e, em consequência, decidiu: a) Reconhecer os autores AA e BB como titulares do direito de propriedade sobre a fracção autónoma identificada pela letra "T", correspondente ao 5º andar, lado esquerdo, letra B do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Av. ..., n°s 00 a 00-D, tornejando para a Av. d..., para onde tem os números 1 a 1 D, na freguesia dos Olivais, concelho de Lisboa, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 3967, descrito na 8a Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.° 2124/Santa Maria dos Olivais; anteriormente, nº11.550, a fls. 15v do Livro B-40; b) Condenar os réus a entregarem aos autores a fracção autónoma designada na alínea anterior; c) Absolver os autores do pedido reconvencional.

Inconformados apelaram os réus, para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 12.9.2006, negou provimento ao recurso e confirmou a sentença apelada.

De novo inconformados recorreram para este Supremo Tribunal e, nas alegações apresentadas, formularam as seguintes conclusões: 1) - Por douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, foi julgada improcedente a apelação interposta pelos RR/Recorrentes, tendo sido confirmada a sentença recorrida, com base numa má aplicação e interpretação do direito.

2) - O Tribunal baseou a sua decisão na existência de uma posse precária considerando que os RR/Recorrentes possuíram o imóvel em nome de outrem, por tolerância de outrem, e/ou sem intenção de agirem como beneficiários do respectivo direito de propriedade, aplicando para o efeito o disposto no artigo 1253° do Código Civil.

3) - Andou mal o Tribunal "a quo" porque efectivamente ficou provado que os RR./Recorrentes detêm uma posse em nome próprio - interversio possessionis - uma vez que sempre possuíram a fracção com o animus de exercer o direito real correspondente (com animus possidendi), ao exercício do direito de propriedade.

4) - Logo a disposição legal que deveria ter sido levada em consideração para a decisão da causa, é o disposto no artigo 1251º do Código Civil e não o artigo 1253° do mesmo código.

5) - Ainda que seja difícil fazer a prova da posse em nome próprio (animus), estabelece o n°2 do artigo 1252° do Código Civil, uma presunção de posse em nome próprio por parte daquele que exerce o poder de facto, ou seja: daquele que tem a detenção da coisa, que no caso sub judice são os RR/Recorrentes.

6 - Existindo a posse em nome próprio por parte dos RR/Recorrentes, era aos AA/Recorridos que competia ilidir a presunção legal de posse, nos temos no disposto no Artigo 350º do Código Civil, e não nos termos do 1265° do mesmo código.

7) - Adquirida a capacidade para usucapir em virtude da existência da posse em nome próprio, é por demais evidente a inferência do animus possidendi, pelo que os RR./Recorrentes adquiriram o imóvel por usucapião.

8) - Assim sendo o acórdão recorrido fez uma incorrecta aplicação e interpretação do direito aplicável aos factos, pelo que se impõe que seja revogado e proferida decisão que reconheça aos RR/Apelantes a propriedade da fracção autónoma sita na Av. ..., n°00, 5° Esquerdo A, em Lisboa, por usucapião.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo em consequência: a) ser revogado o douto acórdão proferido pelo Tribunal "a quo"; b) e ser reconhecido aos RR./Apelantes a propriedade da fracção autónoma sita na Av. .., n° 00, 5° Esquerdo A, em Lisboa, por usucapião, pelo Tribunal "a quem".

Os AA. contra-alegaram, pugnando pela confirmação do Acórdão.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos: 1) - Por escritura pública de 25.07.1979, exarada a fls. 61v a fls. 63 do Livro nº C - 109 do 4° Cartório Notarial de Lisboa, AA, casado segundo o regime de comunhão geral com BB, adquiriu a fracção autónoma identificada pela letra "T", correspondente ao 5° andar, lado esquerdo, letra B do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Av. .., n.°s 00 a 00-D, tornejando para a Av. ...., para onde tem os números 1 a l-D, na freguesia dos Olivais, concelho de Lisboa, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 3.967, descrito na 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº2124/Santa Maria dos Olivais...

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