Acórdão nº 89/11.7 YRCBR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelSOUTO DE MOURA
Data da Resolução22 de Junho de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

A – O MANDADO A Autoridade Judiciária da República Francesa – Procurador-Geral Adjunto (“Substitut General”) junto do Tribunal da Relação de Douai (“Cour d’Appel de Douai”) - emitiu um Mandado de Detenção Europeu (M D E) em 15/04/2009, com a referência 09/00250, inserida no Sistema de Informação Schengen ( SIS - inserção n ° F 013107260929900001), com a indicação, nos termos do disposto no art.° 95° da Convenção do Acordo Schengen de 14.06.1985, da necessidade de detenção e entrega às Autoridades Francesas de: AA, de nacionalidade portuguesa, nascido a 27/9/1966, em ... - Portugal, com última residência conhecida na Rua ...– Portugal.

Foi detido a 26/04/2011, pelas 13h e 45m, em ...-..., pela Polícia Judiciária, a qual fez a respectiva comunicação ao Tribunal da Relação de Coimbra, para efeitos de consideração e validação da detenção, no âmbito do M D E referido.

A cópia certificada do M D E, com a pertinente tradução, encontra-se a fls. 49 e segs. dos autos, e dela resulta a respectiva emissão “para efeito de exercício de procedimentos criminais ou de execução de uma pena ou de uma medida de segurança privativa de liberdade”. O Mº Pº junto do Tribunal da Relação de Coimbra requereu a execução do M D E em questão, aduzindo, entre o mais, o fundamento de: “(…) o requerido AA ter sido julgado e condenado, por sentença proferida em 15/04/2009, no Tribunal de Apelação (Recurso) de Douai (Cour d'Appel) - França, na pena de 1 (um) ano de prisão, faltando cumprir 11 (onze) meses e 29 (vinte e nove) dias de prisão, pela prática de crimes de falsificação de documento e de subtracção de crianças das mãos de pessoas responsáveis pelo seu cuidado, cometidos em 15/05/2007, em França e Inglaterra, crimes esses previstos e punidos pelos arts. 441/2,441-9,441-10, 441-11, 113-2, 227 - 8, 227 - 11 e 227 - 29, todos do Código Penal Francês, cujo máximo da moldura penal pode ascender a 5 anos de prisão; 3º Crimes esses consubstanciados no facto de, no ano de 2007, nomeadamente em 15/05/2007, o requerido AA ter falsificado o Bilhete de Identidade da menor BB, de 14 anos de idade, alterando a data de nascimento da mesma, de forma a parecer ter idade superior a 18 anos, menor essa que o arguido retirou à guarda dos pais, de forma a ir viver com o mesmo para Inglaterra, contra a vontade dos progenitores.

  1. Os factos que justificam a emissão do Mandado de Detenção Europeu, independentemente dos seus elementos constitutivos ou da sua aplicação, constituem também infracções puníveis em Portugal, nomeadamente nos arts. 256°, n°s 1, als. a), b) e d), e 3 (falsificação de documento) e 249°, n° 1, als. a) e c) (subtracção de menor) ambos do Cód. Penal, com penas que podem ascender a 5 anos de prisão.

  2. O Requerido, apesar de notificado para o julgamento, não compareceu, tendo sido julgado e condenado em França, tendo abandonado aquele País, refugiando-se em Portugal, (…)” AA foi ouvido no Tribunal da Relação de Coimbra, ao abrigo do art. 18º nº 3 da Lei 65/2003, de 23 de Agosto, declarou que não consente na sua entrega às Autoridades Judiciárias Francesas, e ficou sujeito à medida de coacção de Termo de Identidade e Residência (fls. 28) com apresentações periódicas à autoridade policial.

Não renunciou ao princípio da especialidade, requereu prazo para apresentar sua defesa, e apresentou a sua oposição, aduzindo a certo passo as seguintes considerações: “(…)9. Sobre o aparente obstáculo de a sentença condenatória estrangeira não ter sido previamente sujeita ao processo de revisão em Portugal, o STJ tem entendido que: "O MDE ... é um instrumento específico que substitui integralmente o processo de extradição dentro da União Europeia. A Lei n.º 65/2003, que o introduziu no nosso ordenamento jurídico, não prevê nenhum processo de revisão de sentença estrangeira, pois tal seria absolutamente contraditório com a razão de ser e função do MDE.

  1. O Título IV da Lei n.º 144/99, de 31-08, não tem aplicação ao MDE, pois constitui a "lei geral" de cooperação judiciária penal, ao passo que a Lei n.º 65/2003 constitui "lei especial". Mas a que "lei portuguesa" se refere a parte final da ai. g) do n.º 1 da Lei n.º 65/2003? Obviamente à lei de execução das penas ou medidas de segurança! 11. Ou seja, o Estado da execução deve aceitar a condenação nos seus precisos termos, mas tem o direito de executar a pena ou a medida de segurança de acordo com a lei nacional. É uma reserva de soberania quanto à execução" - cf. Ac. de 26-11-2009, Proc. n.º 325/09.0JDLSB.L1.S1 - 5.ª, remetendo, por sua vez, para o Ac. de 23-11-2006, Proc. n.º 4352/06 - 5.ª." (cf. Ac. do STJ de 27-05-2010, processo n.º 53/10.3YREVR.S1, 5ª Secção).

  2. «Entende a jurisprudência superior que "A competência para decidir se está verificada uma causa de recusa de excepção pertence ao tribunal, uma vez que o regime do mandado de detenção europeu está inteiramente jurisdicionalizado, não estando prevista qualquer intervenção ou competência prévia, condicionante ou acessória de qualquer outra entidade. Por isso, no caso da alínea g) do n.º l do artigo 12.º da Lei n.°65/2003, de 23-08, o tribunal é o órgão competente para determinar a execução da pena em Portugal como condição de recusa facultativa de execução." Ibidem: (cf. Ac. do STJ de 27-05-2010, processo n.º 53/10.3YREVR.S1, 5ªSecção).

  3. Em conformidade e sendo matéria de jurisprudência dominante no Supremo Tribunal de Justiça o arguido vem apresentar recusa facultativa do mandado de detenção europeu, nos termos e com os efeitos previstos na alínea g) do n.º l do art.º 12º da Lei 605/2003, de 23 de Agosto, porquanto: 14. O arguido tem nacionalidade portuguesa e reside em Portugal, o arguido solicita que o cumprimento da pena que lhe foi imposta pelo Estado Francês, seja cumprida em Portugal, de acordo com a Lei Portuguesa.

  4. O Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto no requerimento inicial ao pronunciar-se sobre o mandado, no artigo 11º do seu articulado, refere que caso seja vontade do arguido a pena possa ser cumprida em Portugal.

  5. Vive com sua família em...- Portugal, Rua....

    17.0 arguido vive em união de facto, como se casado fosse, com BB. (Para prova dos factos alegados junta atestado de residência da Junta de Freguesia de ....) 18. BB, BI n.º 142 021 304, emitido pelo A.I. de Leiria, válido até 01-05-2013, é a cidadã portuguesa que esteve na origem do processo francês, em 2007. (Junta cópia do BI.) 19. Têm uma filha menor de três anos de idade, nascida desta união, CC, nascida em 29 de Março de 2008. (junta certidão de nascimento) 20. O arguido detém com a sua companheira uma sociedade irregular constituída por uma modesta oficina de reparação e manutenção de veículos automóveis denominada "A...S..., Reparação e Manutenção de Automóveis".

  6. A oficina iniciou actividade em 1 de Janeiro de 2010, e é a única fonte (magra) de rendimento deste agregado familiar.

  7. O arguido é a mão-de-obra especializada em todos os trabalhos de manutenção e reparação executados. Assegurando deste modo o rendimento familiar.

  8. O arguido tem em Portugal toda a sua relação familiar.

  9. A detenção do arguido irá originar o desmoronamento da vida familiar e do seu parco sustento, e ainda mais gravosamente se acaso a pena for cumprida em França.

  10. O cumprimento da pena em Portugal teria vantagens, em termos de socialização, que para ele adviriam do cumprimento da pena na proximidade da comunidade de origem e da família, ainda mais tendo uma filha de tão tenra idade.

  11. É consabido o malefício da execução das penas de curta duração.

  12. Nos termos do art. 40.º, n.º l, do C Penal e sendo a reintegração do agente na sociedade como uma das finalidades das penas. Concerteza haverá maior eficácia da finalidade da pena se for executada no país da nacionalidade ou da residência; a ligação do nacional ao seu país, a residência e as condições da sua vida inteiramente adstritas à sociedade nacional serão índices de que é esta a sociedade em que deve (e pode) ser reintegrado, aconselhando o cumprimento da pena em instituições nacionais.

  13. Considerando, todos estes aspectos sai reforçada a opção pela recusa do Mandado de Detenção Europeu e consequente cumprimento da pena em Portugal.

  14. E ainda, deverá ser recusada a execução do mandado de detenção europeu, nos termos da alínea c), do nºl, do art.º 12º da Lei 65/2003, de 23-08, porquanto, 30. os factos que motivaram a emissão do mandado de detenção europeu eram do conhecimento do Ministério Público, foi comunicado o desaparecimento da menor às autoridades portuguesas em 11 de Maio de 2007, pelo seu progenitor, DD.

  15. Após a comunicação do desaparecimento da menor, BB, a Polícia Judiciária contactou a mãe da menor,EE, detentora do poder paternal, e à data a única pessoa com legitimidade para apresentar a queixa, a quem indagou se queria apresentar queixa, tendo esta informado que não desejava apresentar queixa.

  16. Não há notícia de qualquer processo.

  17. Segundo o art.º 12.º, n.º 1, alínea c), da Lei do MDE: A execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando sendo os factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu do conhecimento do Ministério Público, não tiver sido instaurado ou tiver sido arquivado o respectivo processo”.

    Formulou a final o pedido que se transcreve: “34. Solicita a V. Exa. se digne oficiar junto das autoridades competentes a junção aos autos do processo de desaparecimento da menor para prova dos factos alegados. (Protesta juntar certidão de nascimento de narrativa completa de BB, para prova da detenção e exercício do poder paternal).

    Nestes termos e nos mais de direito, solicita a V.Exa se digne mandar verificar se, perante a situação, as condições de vida da pessoa procurada e as finalidades de execução da pena, se se justificaria a recusa de execução do mandado, por haver vantagens da execução da pena em Portugal, segundo a legislação interna.

    Decidindo, se assim se verificasse, fazer cumprir a pena em Portugal de acordo com a lei portuguesa.

    Solicita, ainda, a V. Exa. se...

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