Acórdão nº 1773/08-8TBCBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Julho de 2011

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução12 de Julho de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

1. No âmbito da execução para entrega de coisa certa instaurada em 11 de Dezembro de 1989 (execução nº 91-E/1987) por “AA” contra “BB” e mulher, “CC”, e “DD” e mulher, “EE”, “FF”deduziu em 15 de Abril de 2002 embargos de terceiro, julgados improcedentes em primeira e em segunda instância.

Em síntese, a embargante alegou ser proprietária da fracções autónoma “H” do prédio urbano identificado nos autos, por a ter comprado, com recurso a crédito concedido pela Caixa Geral de Depósitos e garantido por hipoteca, a “GG”, que por sua vez o comprara a “HH”, e este a “BB” e mulher; que as referidas aquisições, bem como a hipoteca, haviam sido inscritas no registo predial; que “BB” comprara a fracção a “II”, Lda., a vendedora inicial, que adquirira o terreno à exequente e ao (então) seu marido, “JJ”, e construíra o prédio, posteriormente constituído em regime de propriedade horizontal.

Sustentou ainda, por entre o mais, que a embargada nunca foi proprietária, nem do prédio, nem da fracção “H”; que, para além de outras vicissitudes, veio a ser determinado que fosse investida na posse da fracção, na presente execução, subsequente ao processo declarativo nº 91/87 do 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Coimbra, iniciado em 23 de Março de 1987); que o direito invocado pela embargada caducara; que ela, embargante, adquiriu o direito de propriedade sobre a fracção por usucapião; que se mantém a inscrição do registo da aquisição da fracção, a seu favor; que é terceira em relação à sentença em execução, “uma vez que não é parte na acção e a transmissão da fracção ‘H’ não ocorreu na pendência daquela”.

Terminou a petição pedindo a suspensão da execução, a imediata restituição da posse da fracção “H” e a declaração de que a embargada não é nem nunca foi sua proprietária, de que o direito à entrega do prédio e da fracção caducou e, consequentemente, de que a “II”, Lda foi “legal adquirente do prédio (…), assim como das 42 fracções (…) até à sua alienação”, de que foi “válida a venda feita pela “II”, Lda, da fracção ´H` a “BB” e mulher”, de que foram “válidas também as posteriores aquisições da mesma fracção por “HH” e mulher e “GG””, de que foi “válida a aquisição da fracção ‘H’ pela embargante, assim como válido os respectivos registos a seu favor”, de que foi “ilegal o esbulho e perda da posse pela embargante (…) e devolver-se (…) esta fracção” e, ainda que se ordenasse “o cancelamento de todo e qualquer registo predial que possa obstar ao registo das decisões pedidos e \ordenados nestes autos”.

Os embargos foram liminarmente rejeitados, com fundamento no nº 3 do artigo 271º do Código de Processo Civil, pela decisão de fls. 127, confirmada pela Relação a fls. 228; mas vieram a ser recebidos na sequência do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 278, que entendeu que o nº 3 do artigo 271º se não aplicava “à hipótese de aquisição da coisa apenas na pendência da execução e já depois de finda a acção declarativa”. Decidiu-se então que, dado que a embargante não teve “qualquer possibilidade de defender o direitos de que porventura seja titular na acção declarativa”, não pode “ser atingida pelo efeitos de caso julgado da sentença exequenda, em relação à qual tem de ser considerada terceira, sendo em consequência admissível a dedução, por ela, de embargos de terceiros (…)”.

A fls.336, os embargos foram recebidos e a execução foi suspensa; esta decisão foi impugnada, em recurso de agravo, cujo conhecimento a Relação julgou desnecessário.

A embargada contestou, sustentando, por entre o mais, que os embargos não deveriam ter sido recebidos, quer porque o caso julgado formado na acção nº 91/87 é oponível à embargante, por ter sucedido “na posição do transmitente titular da relação tal como ficou definida” pela correspondente sentença, quer porque “inexiste o direito e a posse invocados pela embargante”, já que o registo da propositura da acção é anterior ao registo da aquisição que a embargante invoca, prevalecendo sobre ele (artigo 6º do CRP). Acresce que são nulos os registos de aquisição a favor de “HH” e de todos os subsequentes transmissários, nomeadamente da embargante (deveria ter sido feito como provisório e caducado com a conversão em definitivo do registo da acção 91/87).

Para além disso, alegou que os sucessivos transmissários da fracção, anteriores à embargante, tinham conhecimento da pendência da acção nº 91/87; que tinha sido judicialmente reconhecida a ineficácia em relação a ela da venda do terreno, com a construção do prédio já iniciada, à “II”, Lda., no processo nº 1910/83, do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra; que a própria embargante tinha também conhecimento da pendência da acção nº 91/87, quando comprou a fracção e que a ineficácia a atinge, sendo portanto igualmente adquirente de má fé e não tendo adquirido validamente a fracção “H”, já que “a ineficácia da venda inicial tornou ineficazes todas as vendas subsequentes, em relação à ora embargada”.

Requereu a intervenção de “GG” e da Caixa Geral de Depósitos, SA. (que não foi admitida, cfr. despacho de fls. 562).

Concluiu que os embargos devem improceder, que deve ser declarada a nulidade dos registos de aquisição ainda não cancelados ou, se assim se não entender, que o registo da acção nº 91/87 prevalece e que as correspondentes aquisições são ineficazes em relação a ela. ou, finalmente, que se declare que o prédio urbano e em particular a sua fracção “H” são propriedade sua e de seu então marido.

A embargante respondeu à contestação.

Pela sentença de fls. 729, os embargos foram julgados improcedentes, por se ter entendido que “o direito de propriedade da embargante tem de ceder perante o direito da exequente ora embargada”.

Para assim concluir, a 1ª instância considerou que subsistiam registos incompatíveis, “o registo da aquisição do terreno onde veio a ser construído o prédio a favor da embargante e o registo da fracção ‘H´ do prédio ali construído a favor da embargante (bem como da hipoteca por esta constituída sobre tal fracção a favor da C.G.D., S.A.)”, pois “a construção do edifício e a constituição da propriedade horizontal não subtraíram o prédio inicial à exequente ora embargada, uma vez que a propriedade das fracções é incindível da compropriedade sobre o solo, ‘ex vi’ dos arts. 1420º, nº 2 e 1421º, nº 1, al. A) do C. Civil”; logo, “a presunção de propriedade” de que beneficia a embargada incide também sobre a fracção “H”, e prevalece por ser anterior, nos termos do nº 2 do artigo 1268º do Código Civil e do artigo 6º do C. R. Predial.

Ainda que assim se não entendesse, acrescentou a sentença, verificam-se os pressupostos da aquisição do direito de propriedade sobre o prédio por usucapião pela embargada e seu então marido, mas não pela embargante, relativamente à qual só se pode ter por assente uma situação de mera detenção. Logo, a execução “não ofendeu qualquer ‘direito’ da embargante, tal como este conceito é delineado no art. 1251º do C. Civil”.

Consequentemente, a sentença determinou o prosseguimento da execução sobre a fracção “H”.

Embora com fundamentação diversa, a sentença foi confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de fls. 814. Para além de negar a impugnação de parte da decisão de facto, em resumo, a Relação entendeu que: – tendo sido julgado (proc. nº 91/87) ineficaz em relação à embargada a venda da fracção “H” feita pela “II”, Lda. a “BB” e mulher, condenando-se os adquirentes entregá-la à embargada e determinando-se o cancelamento do registo de aquisição a favor dos mesmos, não operou para os que destes adquiriram a transmissão do direito de propriedade correspondente; a embargante não é, portanto, proprietária da fracção, até porque não beneficia de nenhuma das excepções que protegem o adquirente a non domino (o nº 2 do artigo 291º do Código Civil, que visa “proteger os interesses de terceiros de boa fé, relativamente aos efeitos da declaração da nulidade do negócio ou da sua anulação” não se aplica às situações de “ineficácia relativa, onde o negócio permanece eficaz entre as partes, só perdendo eficácia em relação a determinadas pessoas”; o nº 2 do artigo 17º do CRP, “pressupondo uma desconformidade criada pelo próprio registo (…) não abarca as situações de desconformidade substantiva (…), também não se ajusta à situação concreta”); – as sucessivas aquisições, desde a que respeita à embargada e seu marido, foram inscritas no registo predial; a acção 91/87 também foi, beneficiando a embargante da data do registo provisório, 30 de Março de 1987; a decisão da acção foi registada em 19 de Novembro de 2001 e foram então cancelados os registos relativos à aquisição da fracção “H”; ficou provado que os sucessivos adquirentes da fracção”H”, entre os quais se encontra a embargante, tinham conhecimento da pendência da acção 91/87, e do seu registo; e esses adquirentes não podem ser considerados terceiros para os efeitos do artigo 5º do CRP, pois não adquiriram do mesmo transmitente; – este entendimento não contraria o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a fls. 287, que determinou o prosseguimento destes embargos, pois “a (…) decisão apenas apreciou a posição (processual) da embargante para o prosseguimento dos embargos de terceiro por ela deduzidos, concluindo dever ser considerada terceiro em relação à sentença exequenda, nela não cuidando de apurar se tem qualidade (substancial) de terceira para efeitos registrais. De resto, acrescente-se, a boa fé que está inerente à tutela prosseguida pelo artigo 5º do CRP não se descortina no caso da (…) embargante, que sabia, antes de concretizar o negócio relativo à fracção “H” qual a situação registral da mesma, tendo, designadamente, tido conhecimento da pendência da acção nº 91/87 e dos pedidos nela formulados.” – não ocorre outro acto aquisitivo do direito de propriedade sobre a fracção “H” a favor da embargante; nomeadamente, nem sequer decorreu tempo suficiente para uma eventual aquisição por usucapião.

Concluiu portanto a Relação que a...

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