Acórdão nº 2901/05.0TBOVR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Julho de 2011

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução12 de Julho de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

1. “AA”, Restauração e Hotelaria, Lda, instaurou uma acção contra o Município de Ovar, pedindo a sua condenação no pagamento de € 30.059,25, com juros de mora, à taxa legal, desde a interpelação feita em 25 de Agosto de 2005 até efectivo pagamento.

Para o efeito, e em síntese, alegou que, ao abrigo de um contrato de concessão celebrado com o réu em 20 de Março de 1991, explorou o Restaurante “AA”; que tal contrato caducou em 1 de Outubro de 1999, como foi judicialmente decidido; que, no entanto, se manteve a explorar o estabelecimento até 3 de Março de 2005, por lhe ter sido reconhecido direito de retenção para garantia da indemnização por benfeitorias, “em última instância, pelo STJ em ac. de 30/09/2004, transitado em julgado em 14/10/2004”; que efectuou obras entre a data da caducidade e a da entrega do estabelecimento, cujo custo importou em € 30.059,25; que o réu lhe não pagou tal quantia, não obstante o ter interpelado mais de que uma vez; que tem direito ao pagamento, pois se tratou de benfeitorias necessárias ou úteis; que, a não ser assim, ocorrerá enriquecimento sem causa do réu.

O réu contestou, sustentando a improcedência da acção. Impugnou diversos factos e, nomeadamente, negou que “grande parte” das benfeitorias realizadas pela autora se pudessem considerar necessárias ou úteis; alegou que os proventos da exploração posterior à caducidade do contrato são suficientes para compensar as despesas feitas para conservação do estabelecimento; e recordou que o direito de retenção foi judicialmente reconhecido à autora para garantia das benfeitorias realizadas na vigência do contrato, sendo abusivo que pretenda ser ressarcida de novas despesas.

A fls. 166, a autora requereu a apensação de uma outra acção por si instaurada contra o mesmo réu (processo 2902/05.9TBOVR), pedindo a sua condenação no pagamento de € 32.322,24, com juros de mora desde a interpelação de 25 de Agosto de 2005, correspondentes às rendas que pagou entre Outubro de 1999 e Março de 2004. Conforme alegou, no âmbito de um acordo relativo ao pagamento da indemnização que lhe foi arbitrada, foram consideradas as rendas pagas entre Abril e Setembro de 2004; mas não as demais, que lhe devem ser restituídas, sob pena de enriquecimento sem causa do réu.

O Município de Ovar contestou também esta acção. Por entre o mais, invocou a prescrição do direito alegado; sustentou que os lucros obtidos durante a exploração do estabelecimento ao abrigo do direito de retenção deveriam ter sido destinados ao pagamento da indemnização por benfeitorias e dos juros de mora correspondentes, e restituído o excesso, o que a autora não fez; que em 17 de Janeiro de 2005 tinham chegado a acordo sobre o pagamento dessa indemnização (€ 121.328,17) e desses juros (então € 2.2962,36), considerando equivalentes o valor das rendas pagas e os lucros do estabelecimento; que não se verificam os requisitos do enriquecimento sem causa; que a procedência da acção implicaria a repetição do pagamento da indemnização, violando o seu “direito à propriedade privada (…), a capacidade jurídico-patrimonial das autarquias locais e o interesse público”, valores constitucionalmente protegidos; que a autora agia em abuso de direito.

Em reconvenção, e para o caso de procedência do pedido da autora, o réu pediu a sua condenação no pagamento dos lucros do estabelecimento, correspondentes ao período de 1 de Outubro de 1999 a 3 de Março de 2005, por enriquecimento indevido.

Pediu ainda a condenação da autora como litigante de má fé.

Houve réplica.

No despacho saneador, por entre o mais, foi admitida a reconvenção e indeferida a excepção de prescrição (fls. 267 do apenso).

A apensação foi autorizada pelo despacho de fls. 274.

Pelo despacho de fls. 422, foi determinado que “BB”, “CC”, “DD”, “EE” e “FF”, sócios da autora, interviessem em sua substituição, uma vez que entretanto havia sido dissolvida e liquidada.

2. Pela sentença de fls. 483, ambas as acções foram julgadas improcedentes. Os autores foram condenados como litigantes de má fé, em multa e indemnização ao réu.

Quanto à primeira acção, o tribunal entendeu que a autora deveria ter pago o custo das benfeitorias com as receitas obtidas com a exploração do estabelecimento, nos termos do artigo 672º do Código Civil, aplicável ao direito de retenção.

Relativamente à segunda, decidiu que o direito reclamado pela autora, a existir, se teria extinguido com a transacção efectuada com o réu em 17 de Janeiro de 2005 (“Na verdade, a autora tinha a faculdade de se pagar da indemnização por benfeitorias e dos juros com os lucros do estabelecimento, como impõe o art. 672º do Código Civil, ou, não se efectuando tal compensação, restituí-los ao réu. Não o fez, contudo, a autora, ficando para si com os ‘frutos da coisa’ (ou seja, os lucros), abdicando, em contrapartida e de comum acordo com o réu, do recebimento de parte das rendas já pagas”.

Em consequência, não apreciou o pedido reconvencional.

3. Pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 559 foi julgada parcialmente procedente a apelação dos autores, sendo a ré condenada a pagar, “a título de benfeitorias, a quantia que exceder o valor correspondente às receitas obtidas na exploração do estabelecimento, acrescidas dos juros de mora vencidos desde 25/8/2005, e os vincendos até integral pagamento”.

Foi relegado o “apuramento da quantia em questão (…) para liquidação em execução de sentença”.

Todavia, esta alteração do julgado não derivou de um diferente entendimento dos factos ou do regime aplicável, maxime do disposto no artigo 672º do Código Civil.

Para a sentença, a improcedência da primeira acção resultou de ter ficado provado que, no período relevante (entre 1 de Outubro de 1999 e 3 de Março de 2005), “a autora teve um resultado positivo na exploração do estabelecimento”, pois que as receitas então arrecadadas foram superiores às despesas de conservação e funcionamento, havendo mesmo um excesso.

A Relação, concordando com o enquadramento jurídico feito pela 1ª Instância, considerou que a falta de prova sobre o montante das receitas obrigava a remeter para liquidação a compensação entre este e o valor da indemnização por benfeitorias a que a autora tem direito (€25.997,31).

4. Inconformados, “BB” e outros, por um lado, e o Município de Ovar, por outro, recorreram para o Supremo Tribunal da Justiça. Os recursos, aos quais não são aplicáveis as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, foram recebidos como revista, com efeito meramente devolutivo.

Nas alegações que apresentaram, os autores formularam as seguintes conclusões: “1. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de Novembro de 2010, que apenas concedeu parcial provimento ao recurso de apelação que havia sido interposto pela A., “AA” – Hotelaria e Restauração, Lda., a qual, viria a ser substituída na lide pelos respectivos sócios, mantendo, quanto ao mais, o que fora decidido em 1ª Instância.

(…) 4. Apesar de o Acórdão recorrido ter alterado parcialmente a primitiva decisão, a A. continua a entender que a qualificação e o tratamento jurídicos dados a cada uma das questões suscitadas não foi correctamente efectuado, o que justifica a presente Revista. (…) 11. Assim, recorrendo ao disposto no artigo 672° do CC, na parte em que ali se refere que os frutos da coisa empenhada serão encontrados nas despesas feitas com ela, aliado às regras processuais que mandam atender à repartição do ónus da prova, foi reconhecido o direito da A. ser indemnizada pelas benfeitorias realizadas no estabelecimento do R., no valor excedente ao do correspondente às receitas obtidas na exploração do estabelecimento.

12. Apesar deste entendimento ser parcialmente favorável à A., julgando-se, inclusivamente, tratar-se da correcta interpretação do disposto no nº 1 do artigo 672° do CC, afigura-se à A. que no caso sub judice não se poderia ter deixado de condenar o R. no pagamento da quantia de € 25.997,31, dispendida pela A. na realização das benfeitorias em questão.

13. Em primeiro lugar, o R. não logrou provar, conforme lhe competia de acordo com a regras da repartição do ónus da prova, qual foi o pretenso lucro obtido pela A. durante o período em que exerceu o direito de retenção do estabelecimento.

14. Não tendo o R. logrado provar que a A. obteve lucros pelo menos de valor igual ao suportado com as benfeitorias realizadas não havia que estabelecer qualquer limite ao seu direito indemnizatório – Artigo 342°, nº 2 do CC e 516° do CPC.

15. Por outro lado, a A. não aceita que as receitas geradas ou os lucros pretensamente obtidos com a exploração do estabelecimento comercial "Restaurante “AA”" possam ser considerados "frutos da coisa empenhada" para efeitos do disposto no artigo 672° do CC.

16. Os proventos daquele estabelecimento (no sentido de lucros resultantes da actividade desenvolvida) não podem ser considerados frutos, nos termos e na acepção constante do artigo 212° do CC.

17. De acordo com a generalidade dos autores uma das características fundamentais dos frutos são o seu carácter de periodicidade(…).

(…) 19. Assim, por falta de um dos elementos essenciais que caracterizam "os frutos de uma coisa", não podem os pretensos lucros obtidos em resultado da exploração do estabelecimento comercial "Restaurante “AA”" ser considerados frutos, nos termos do disposto no artigo 212° em conjugação com o preceituado no n° 1 do artigo 672°, ambos do CC.

20. De qualquer modo, e ainda que assim não fosse entendido, a existirem lucros os mesmos não seriam produzidos pela coisa retida, resultando, ao invés, do exercício da actividade comercial de quem explora o estabelecimento, ou seja, seria o resultado da competência e empenho dos respectivos sócios, das técnicas de organização, do voluntarismo e eficácia dos seus funcionários, do bom nome e prestígio adquiridos, do know-how adquirido, do recurso ao marketing e publicidade, etc, isto é, de um conjunto de factores exógenos à coisa...

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