Acórdão nº 85/08.1TJLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Julho de 2011

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução06 de Julho de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, Lda., intentou, em 8.2.2008, pelos Juízos Cíveis da Comarca de Lisboa – com distribuição ao 3º Juízo – acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, [depois mandada seguir na forma ordinária, em virtude de pedido reconvencional, tendo sido remetida às Varas Cíveis de Lisboa – 12ª Vara] – contra: BB e CC.

Pedindo a sua condenação a pagar a quantia de €18.000,00 a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, desde a citação até integral e efectivo pagamento.

Alegou para o efeito, e em síntese, que no dia 16 de Novembro de 2007, o 1° Réu, solicitador de execução, acompanhado de dois agentes da Polícia de Segurança Pública e do Dr. DD, Advogado, dirigiu-se ao estabelecimento correspondente à loja ... do Centro Comercial ... para proceder à apreensão dos bens móveis aí existentes até ao valor de € 30.864,47 no âmbito de um procedimento cautelar de arresto que, sob o n.° 4543/07.7TVLSB, corria termos na 1ª Secção da 10ª Vara Cível de Lisboa, nele figurando como requerente “EE, Lda.” e, como requeridos, FF e GG.

Nessa data, a Autora exercia a sua actividade naquele estabelecimento comercial, na sequência da respectiva transmissão operada através de contrato celebrado entre a mesma e FF.

Mais alega que, não obstante o legal representante da autora ter falado por telefone com o Réu, tendo-lhe dito que a Autora tinha adquirido o estabelecimento e toda a mercadoria exposta e armazenada, e os funcionários da Autora terem dito ao Réu que o estabelecimento e seu recheio pertenciam à Autora, exibindo o referido contrato e as facturas relativas à mercadoria que se encontrava na loja, este manteve o propósito de remover a mercadoria exposta e armazenada.

Entretanto o Dr. DD propôs à Autora desistir da diligência mediante o pagamento da quantia de € 15.000,00 tendo o Réu exigido que esse valor fosse elevado para € 18.000 para cobrir os seus honorários, despesas e custas.

Para evitar a remoção dos bens, a Autora depositou, em dinheiro, na conta bancária que o Réu lhe referenciou, a referida quantia de € 18.000,00, quantia que a Autora não devia à Requerente do arresto.

Sustenta que, perante as provas que lhe foram apresentadas, não podia o Réu marido proceder ao arresto de qualquer bem na Loja ... já que nela não existiam quaisquer bens que fossem propriedade dos Requeridos no processo judicial, sendo que lhe competia, enquanto Solicitador de Execução, lavrar um auto negativo de arresto, justificando-o com as provas que a Autora lhe apresentou.

Defendeu, em suma, ter sido vítima de um acto ilícito do Réu marido, tendo direito a ser indemnizada pelo valor que teve de desembolsar, no montante de € 18.000,00.

Concluiu, assim, poder reclamar dos Réus uma indemnização pelos danos patrimoniais sofridos.

Os Réus contestaram, pedindo que se julgasse procedente a excepção dilatória de ilegitimidade da 2ª Ré que deduziram, e que se julgasse a acção improcedente (com a inerente absolvição do pedido), tendo para o efeito impugnado parte da factualidade aduzida pela Autora.

Deduziram pedido reconvencional, pedindo a condenação da Autora a pagar a quantia de € 25.000,00 a título de indemnização por violação do direito ao bom nome e reputação do 1° Réu, alegando, para tanto, que a Autora na sua petição inicial formula acusações falsas que ofendem a sua honra e reputação.

Pedem também a condenação da Autora como litigante de má-fé, em multa e indemnização, consistindo esta no reembolso das despesas tidas com a lide, incluindo os honorários com o mandatário, invocando para tal que a mesma deturpa a verdade dos factos com vista a peticionar uma indemnização a que sabe não ter direito.

Deduziram ainda incidente de intervenção principal provocada da Companhia de Seguros HH, S.A., alegando que o 1° Réu é titular de um seguro de responsabilidade civil profissional, tendo transferido para aquela companhia de seguros o risco de eventuais danos provocados no exercício da sua actividade.

Foi admitida a intervenção principal da Companhia de Seguros HH, S.A., ao lado dos Réus, a qual veio apresentar contestação escrita, pedindo que se julgasse a acção improcedente, com a inerente absolvição do pedido.

Lavrou-se despacho onde não se admitiu o pedido reconvencional, e proferiu-se despacho saneador, onde se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade passiva da 2ª Ré.

A final, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente tendo os RR. sido absolvidos do pedido.

Inconformada, a Autora recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 9.11.2010 – fls. 470 a 478 –, negou provimento ao recurso, confirmando o Acórdão recorrido.

A Autora, de novo inconformada interpôs recurso de revista excepcional para este Supremo Tribunal de Justiça, sustentando que, no caso, ocorrem os requisitos do art. 721º-A, nº1, als. a) e b) do Código de Processo Civil, na redacção do DL. 303/2007, de 24.8.

Por douto Acórdão de 31.3.2011 – fls. 572 a 578 – do Colectivo a que alude o art.721º-Aº, nº3, do Código de Processo Civil, foi admitida a revista excepcional, considerando-se ser juridicamente relevante “caracterizar precisamente a figura [do solicitador de execução] “para depois ou apelar para a responsabilidade em sede de lei geral (cfr. artigos 500.° do Código Civil e 808.° do Código de Processo Civil, e ainda, artigo 69.°-C, i), 69.°F, nº2, a) do ECS) ou da Lei n.°67/2007, de 31 de Dezembro [….], importa precisar qual o estatuto – deveres, obrigações e direitos – do solicitador de execução no seu cotejo com idênticas funções desempenhadas por agente, ou funcionário público”.

Quanto ao requisito da relevância social ponderou-se, além do mais: “ […] Para a segurança dos cidadãos, para a protecção e garantia dos seus direitos individuais, é relevante saber se quem nos “entra em casa” e dispõe dos nossos bens está vinculado nos precisos termos do Estado quando administrando a justiça, exerce a sua função jurisdicional e tem de se pautar pelas mesmas estritas regras e em que termos pode ser responsabilizado.

A relevância social de uma questão prende-se com a possibilidade de colisão de uma decisão jurídica com valores sócio-culturais dominantes e cuja eventual ofensa possa suscitar alarme social e ponha em causa a eficácia do direito”. Nas alegações apresentadas a Autora formulou as seguintes conclusões: 1. O Réu, que tinha um mandato judicial para proceder à apreensão dos bens móveis dos Requeridos FF e GG, chegou ao estabelecimento da Autora e, apesar de ser recebido por uma trabalhadora da Autora, de ter examinado o contrato que titulava o estabelecimento em nome da Autora, de ter examinado as facturas que identificavam a titularidade da mercadoria exposta e armazenada com a Autora, e de nada encontrar que identificasse o estabelecimento comercial com esses Requeridos, prosseguiu com a diligência.

2. O “Contrato de Transmissão de Negócio” que o Réu examinou, não era a única evidência de que o estabelecimento não pertencia aos Requeridos nos autos de arresto: a trabalhadora que se encontrava no estabelecimento era da Autora e não dos Requeridos, a mercadoria que se encontrava no estabelecimento era da Autora e não dos Requeridos.

  1. O mandato judicial que foi conferido ao Réu não referia se a dívida que originou a decisão de arrestar o património dos Requeridos, tinha ou não sido contraída no estabelecimento comercial em causa, ou sequer se com ele tinha qualquer relação, pelo que também o conteúdo do “Contrato de Transmissão de Negócio”, não pode legitimar qualquer duvida no espírito do Réu, e muito menos fundada.

  2. O Réu marido, enquanto Solicitador de Execução, que tinha um mandato expresso no que respeita à ordem de arresto de bens dos Requeridos nesses autos, não podia ter realizado a diligência no património de um terceiro, sem uma outra ordem judicial que assim determinasse.

  3. Ao assim proceder, também, manifestamente, o Réu praticou actos culposos que excederam o âmbito da sua competência, bem como traduziram utilização de meios ou expedientes ilegais ou pelo menos desproporcionados no exercício das suas funções de Solicitador de Execução, pelo que incorreu em responsabilidade civil perante o Autor.

  4. Estamos perante um caso típico de erro grosseiro na actividade de um Solicitador de Execução, geradora de responsabilidade civil.

    7. A diligência de arresto ocorreu em 16 de Novembro, a pouco mais de um mês do Natal, notoriamente uma época em que, neste ramo de negócio, o volume de negócios equivale praticamente a metade da facturação anual.

  5. Dada a remoção da mercadoria arrestada, avaliada a peso (!!!), e a natural e amplamente publicitada demora processual – mesmo que tramitada com carácter de urgência – a Autora ficou com fundado e notório receio que, quando conseguisse a devolução das peças, já a época de Natal teria terminado, e os consequentes prejuízos avolumar-se-iam.

  6. A Autora, nas circunstâncias referidas supra, não podia ter-se socorrido do disposto no art. 848°, n°2, do Código de Processo Civil, evitando desembolsar os € 18.000,00 que lhe foram exigidos pelo Réu, ainda que conjuntamente com o Representante da Requerente do arresto, sob pena de agravar os seus prejuízos.

  7. Foram, pelo douto Acórdão em crise, violados os comandos dos arts. 123°, n°1, als. a), b) e c) e 131°-A, n°2, als. f) e g), ambos do DL. n°88/2003 de 26 de Abril, na sua actual redacção, bem como os do art. 483°, 622°, 817°, 819°, n°1, e 1268°, todos do Código Civil e outrossim os dos artigos 406° e 848°, n.ºs ,1 e 2, ambos do Código de Processo Civil.

    A interveniente contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso. Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguinte factos: 1. A Autora dedica-se à comercialização de artigos de ouro, prata, jóias e canetas; 2. Em escrito datado de 7 de Novembro de 2007 e encimado pela expressão “CONTRATO DE TRANSMISSÃO DE...

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