Acórdão nº 07B1857 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Setembro de 2007
Magistrado Responsável | CUSTÓDIO MONTES |
Data da Resolução | 13 de Setembro de 2007 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acórdão no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório Empresa-A, AA e BB, Intentaram contra Empresa-B (actualmente ...., SA) e Empresa-C (actualmente .., SA), Acção declarativa de condenação sob a forma ordinária, Pedindo .
a sua condenação, a) a verem declarados nulos os contratos outorgados entre as RR. e a A., a que se reportam os docs. ora juntos sob os nºs. 2 a 42; b) a restituírem à Empresa-A, a quantia de 164.701.898$00, acrescida de juros vencidos no montante de 25.931.244$00 e ainda vincendos, à taxa comercial, até integral pagamento; c) a pagarem aos AA. a quantia de 70.657.951$00 acrescida de juros vencidos no montante de 10.152.043$00 e ainda vincendos até integral pagamento; d) a pagarem aos AA. BB e AA, a cada um, o montante de 10.000.000$00, a título de indemnização por danos morais e patrimoniais, acrescido de juros até integral liquidação, contados desde a citação.
Alegaram que os contratos firmados com as RR. são contratos de arrendamento nulos e que as indemnizações peticionadas derivam de responsabilidade pré-contratual e contratual das RR.
Estas contestaram por impugnação, sustentado que os contratos firmados se devem qualificar como atípicos e inominados de utilização de lojas em centros comerciais, sendo válidos; e que não há da sua parte qualquer responsabilidade civil contratual ou pré-contratual.
Replicaram os AA.
Efectuado o julgamento, foi proferida sentença nos seguintes termos: "Nestes termos e nos mais de direito julgo parcialmente procedente por provada a presente acção e consequentemente decido: a) julgar improcedentes os pedidos de declaração de nulidade dos contratos e deles absolver as rés do pedido.
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condenar as rés a pagar à "Empresa-A" a quantia de 821.529,60 euros (164.701.898$00) acrescida de juros de mora à taxa legal até integral liquidação, a título de danos patrimoniais; c) condenar as rés a pagar à "Empresa-A" a quantia de 352.440,37 euros (70.657.951$00) acrescida de juros, à taxa legal, até integral liquidação, igualmente a título de danos patrimoniais.
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condenar as rés a pagar aos autores a quantia de 25.000 euros a cada um num total de 50.000 euros acrescida de juros, à taxa legal, até integral liquidação, a título de danos morais; e) custas pelos AA. e RR. na proporção do vencimento.".
Inconformadas as RR. interpuseram recurso de apelação e os AA. recurso subordinado, subindo também o recurso de agravo interposto pelas RR. do despacho que admitiu o depoimento de parte dos administradores das RR.
A decisão da Relação foi nos seguintes termos: Acordam em: "a) negar provimento ao recurso de agravo; b) julgar improcedente o recurso de apelação subordinado; c) julgar procedente o recurso de apelação independente, revogando-se a decisão recorrida, improcedendo a acção, com a consequente absolvição das Rés dos pedidos; Custas do Agravo pelas agravantes, do recurso subordinado pelos Apelantes, do recurso independente pelos Apelados e da acção pelos autores, sem prejuízo do apoio judiciário concedido".
Inconformadas, interpõem recurso de revista os AA., terminando as suas alegações com as seguintes Conclusões 1. O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto tem de ser revogado.
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O processo em questão tem, indesmentivelmente, uma fortíssima componente ético-jurídica, que obrigou e obriga à convocação, interpretação e aplicação de diversos institutos jurídicos, em particular, o instituto (geral) da boa-fé.
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Trata-se, em bom rigor, de uma temática a olhar pelo prisma da materialidade subjacente, sem subterfúgios estritamente formais.
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Está em causa, sobretudo, a valoração da (in)adequação ética e normativa da postura jurídico-negocial empreendida pelas RR., tanto na fase de preparação e negociação do(s) contrato(s), quanto na execução destes, 5. Comportamento que lesou gravemente as expectativas jurídicas e os direitos consolidados das AA., o que justifica, à luz do Direito, e do sentimento ético jurídico dominante entre nós, que as RR. sejam responsabilizadas pelos efeitos lesivos da(s) sua(s) conduta(s).
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Nomeadamente, pela "assunção" do dever de ressarcir.
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A decisão de 1ª Instância, genérica e globalmente revogada pela Relação, no seu contexto factual, sobretudo, foi, e é, uma decisão admirável! 8. Repousada nos indesmentíveis méritos da imediação, oralidade e concentração da prova, a sentença da Sr.ª Juiz "a quo" trouxe Justiça ao caso concreto! 9. A Sr.ª Juiz, num esforço admirável (porque feito singularmente, e sem adjuntos), avaliou, ponderou e pesou todas as "nuances" do caso - em particular, a posição sobranceira e altiva assumida pelas RR., de total e continuado desprezo pelos direitos dos AA.
- e, formada a sua convicção, decidiu! 10. O Tribunal da Relação "apagou" quase toda a factualidade que a 1ª Instância, com todo o labor, cuidado e ponderação casuística, deu por provada, sem indicar qualquer razão objectiva e palpável, valendo-se de conjecturas, hipóteses, raciocínios e presunções abstractas, que redundam de uma "lógica" de "bota-de-elástico" que raia, aqui e ali, a arbitrariedade, 11. Fazendo um uso sinistro e inaceitável das prerrogativas concedidas pelo artº 712º do CPC, cujo uso se recomenda seja parcimonioso! 12. Trata-se, (até) por isso, de uma decisão invulgar (quiçá inédita!), porque é sabido o modo como os Tribunais da Relação, entre nós, se vêm posicionando quanto à "reapreciação" da matéria de facto, e ao modo como vêm interpretando e aplicando (de forma restritiva, via de regra!) o artº 712º, nº 1, do CPC.
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É concepção arreigada dos nossos Tribunais da Relação que o princípio da (tendencial) imodificabilidade da decisão de facto se prende com a especial relação de proximidade que o julgador de 1ª Instância estabelece com a prova.
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Relação essa que a "distância", física e cronológica que se estabelece, por seu turno, entre o Tribunal de 2ª Instância e os factos não pode apoucar (nem mesmo com recurso a gravações).
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O que significa que, apenas em casos contados, de erro manifesto na apreciação da prova - que nos fazem recordar a redacção das alíneas a) a c) do nº 2 do artº 410º do Código de Processo Penal (cujo paralelismo é assinalável!) - deverá o Tribunal da Relação alterar a decisão proferida pela 1ª Instância sobre a matéria de facto.
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Sob pena de, alterando a decisão, sem fundamento bastante, ou com fundamento em impressões e pré-conceitos mais ou menos insondáveis, fazer abanar as fundações do nosso edifício processual, no qual as funções do Tribunal da Relação foram pensadas numa lógica de controlo e sindicância da actividade desenvolvida pelos Tribunais inferiores, e não numa lógica de substituição, pura e dura, às competências e funções da 1ª Instância.
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O Tribunal da Relação do Porto revogou grande parte das respostas afirmativas dadas aos factos constantes da BI - i.e., àqueles cuja prova interessa para procedência da acção! -, convertendo-as em respostas restritivas ou negativas, lançando sobre a Sr.ª Juiz "a quo" o lastro inegável da incompetência, leviandade e irresponsabilidade! 18. A Sr.ª Juiz "a quo", é juíza de uma Vara Cível, e, por isso, com (pelo menos) mais de 10 anos de exercício de funções na magistratura, e com classificação não inferior a Bom com Distinção (cfr. artºs 45º e 45º-A do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei nº 21/85, de 30.07, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 10/94, de 5.05, 81/98, de 3.12, 143/99, de 31.08 e 3-B/2000, de 4.04).
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Ora, do que nos é dado ver, a Relação do Porto revogou a decisão sobre a matéria de facto sob dois fundamentos: primeiro, o disposto no artº 394º do Código Civil, quanto aos factos vertidos nos quesitos 4º, 10º, 11º, 12º, 13º, 44º, 45º, 48º, 49º, 52º, 55º, 56º, 57º, 58º, 109º e 129º, da BI; e segundo, a "não correspondência" (cfr. fls. 62 do douto Acórdão), alegadamente, entre os factos provados (pela 1ª Instância) e a "prova documental e testemunhal produzida, na justa medida em que contraria as regras da experiência e da lógica, bem como o teor dos documentos juntos (…)".
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Trata-se, em qualquer caso, do recrudescimento do "pacta sunt servanda", na sua versão mais arcaica e formalista, despida de quaisquer considerações axiológicas e éticas.
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Todavia, o Tribunal da Relação andou mal, devendo V. Exªs, no uso dos poderes previstos nos artºs 721º, nº2, 722º, ambos do CPC, revogar a decisão quanto à "matéria de facto", 22. Declarando ainda a nulidade das cláusulas dos contratos de fls.
(quando não os contratos eles mesmos!) que infra se irão escalpelizar, com todas as consequências legais, nomeadamente, indemnizatórias, repristinando a douta decisão de 1ª Instância, na parte em que esta melhor andou, i.e., ao condenar as RR. a ressarcir os AA. por todos os prejuízos sofridos! 23. Nas suas conclusões de recurso de apelação (recurso independente), as RR. invocaram que as respostas do Tribunal de 1ª Instância à matéria de facto não se encontravam fundamentadas, nos termos e para os efeitos do nº 2 do artº 653º do CPC - cfr. conclusão 7ª (fls. 5 do Acórdão recorrido).
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Nesse conspecto, as RR. requereram (cfr. nº 5 do artº 712º do CPC) que o Tribunal da Relação do Porto ordenasse à 1ª Instância que fundamentasse "a integralidade das respostas dadas aos factos constantes da BASE INSTRUTÓRIA, mormente aqueles em que assenta a sua decisão".
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No entender do Tribunal da Relação do Porto, "na aludida decisão de facto, a julgadora da 1ª instância não se limita a indicar os meios de prova (documental e testemunhal) em que baseou a sua convicção. Nessa decisão a julgadora especificou, minimamente, a razão de ciência das testemunhas, demonstrativa do seu conhecimento directo dos factos." 26. Ainda de acordo com a Relação do Porto, "Pese embora não seja, como parece óbvio, uma motivação exaustiva, entendemos que observa aquele mínimo exigível na lei processual civil, sem prejuízo do que se observará a propósito da modificabilidade da decisão de facto, no caso. Cumpriu-se, pois, o estatuído no artº 653º, nº 2, do CPC." 27. O Tribunal da Relação...
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...de Processo Civil”, 2.ª ed., pág. 629. [3] É esta a posição que tem sido propugnada pelo STJ. Entre outros, v., Ac. de 13.9.07, Proc. 07B1857, in [4] V., a este propósito e por mais recente, o Ac. desta Relação de 13.11.12, Proc. 1868/09.0TJCBR.C2, in www.dgsi.pt . [5] “Das Obrigações em Ge......
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