Acórdão nº 07B1552 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Junho de 2007
Magistrado Responsável | MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA |
Data da Resolução | 21 de Junho de 2007 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça 1. Em 18 de Outubro de 2002, AA e mulher, BB, propuseram, no Tribunal Judicial da Comarca de Fafe, uma acção ordinária contra Herdeiros de M...F..., Herdeiros de E...F... e Herdeiros de V...R...V..., na qual pediram que fosse declarado serem eles proprietários de um prédio urbano situado no lugar do Assento, freguesia de Revelhe, e de três prédios rústicos situados nos lugares de Sobradelo, Guival e Sabugal, sempre naquela freguesia de Revelhe, devidamente identificados nos autos.
Para o efeito, os autores alegaram: que os prédios, "não obstante estarem omissos na Conservatória do Registo Predial desta comarca, encontram-se inscritos na respectiva matriz", em relação a três deles, em nome de M...F... e, quanto a outro, em nome de E...F...; que foram doados verbalmente aos autores "cerca do ano de 1960" por V...R...V..., falecida em 1966, filha de M...F... e neta de E...F...
; que, de qualquer modo, estiveram na posse dos referidos prédios, "por mais de 10, 20, 30, 40, 50 e 100 anos, contínua e ininterruptamente…", "com ânimo de verdadeiros proprietários, à vista de toda a gente e com conhecimento de todas as pessoas do lugar e freguesia da sua situação", o que sempre levaria à aquisição do "direito de propriedade (…), por usucapião, título que expressamente se invoca"; que, por sentença transitada em julgado proferida numa "Acção Especial de Justificação de Direitos", processada no 3º Juízo da mesma comarca, "os autores foram remetidos para os meios comuns", o que fizeram através da propositura desta acção; e que pretendem registar em seu nome os mesmos prédios.
Concluem pedindo que se declare serem os proprietários dos referidos prédios e que se ordene à Conservatória do registo predial de Fafe que "sejam registados a favor dos Autores".
Nem os réus, que foram citados editalmente, nem o Ministério Público, contestaram; mas CC interveio nos autos deduzindo o incidente de oposição espontânea. Alegou, em síntese, ter comprado os prédios a que a acção se refere por escritura pública em 18 de Setembro de 2003 a DD e EE, herdeiras de FF, por sua vez herdeira de V...R...V..., esta última, tal como GG, filha e herdeira de M...F..., impugnando parte do alegado pelos autores e sustentando inexistir em direito português "a figura da doação verbal".
Os autores contestaram, alegando a inadmissibilidade da intervenção e a improcedência da oposição. Invocaram a invalidade da habilitação notarial de herdeiros de EE e de DD e a invalidade da compra e venda alegada pela opoente; e contrapuseram, por entre o mais, que o nº 2 do artigo 947º do Código Civil prevê a doação verbal, que os prédios lhes foram doados nos termos já indicados, que de qualquer modo teriam adquirido a propriedade por usucapião e que, também por este motivo, a compra e venda alegada seria nula, segundo o artigo 892º do Código Civil. Terminam afirmando que a opoente sabia, quando celebrou o contrato de compra e venda que invoca, que o prédio não pertencia às vendedoras, já que consta da escritura correspondente que "sobre os prédios impende inscrição provisória por natureza (…) de acção para ser reconhecido e declarado o direito de propriedade a favor de AA e BB (…)", o que demonstraria a sua má fé.
A intervenção foi admitida, por despacho de fls. 80. Os autores recorreram (a fls. 107), sendo o recurso admitido como agravo a subir "com os Agravos interpostos de despachos proferidos na causa principal e efeito devolutivo" (fls. 120, vº); foram apresentadas alegações.
Em 19 de Junho de 2006, a fls. 226, foi proferida sentença julgando a acção improcedente. Em síntese, o tribunal entendeu só ter ficado demonstrado o "exercício dos poderes de facto" (o corpus), e não provado o "elemento psicológico-jurídico" (o animus) necessários para se poder considerar existir posse, e só quanto ao prédio urbano e ao rústico situado no lugar de Sobradelo.
Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, foi negado provimento ao agravo dos autores mas concedido provimento quanto à sua apelação, "reconhecendo-se e declarando-se os AA como proprietários dos prédios em causa na acção, e declarando-se nulo o contrato de compra e venda incidente sobre os mesmos a que se refere a escritura correspondente ao escrito junto aos autos, mais se ordenando o cancelamento dos registos de aquisição a que a mesma deu lugar relativamente àqueles quatro prédios".
CC recorreu de revista para o Supremo Tribunal de Justiça. O recurso foi admitido com efeito meramente devolutivo.
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Nas alegações então apresentadas, a recorrente formulou as seguintes conclusões: "Deve ser concedida a revista e revogar-se o Acórdão recorrido, mantendo-se a sentença da primeira instância pelos seguintes fundamentos: 1 - A recorrente deduziu na acção principal o incidente de oposição espontânea alegando que, por escritura de compra e venda outorgada em 03/09/18, adquiriu os prédios devidamente identificados na petição inicial, a DD e EE, herdeiras da falecida FF, que, por sua vez, sucedeu às falecidas V...R...V... e GG.
2 - Oposição espontânea admitida, determinando-se a intervenção da opoente, ora recorrente.
3 - Da admissão deste incidente interpuseram os recorridos o competente recurso de agravo que não mereceu, aliás, provimento no Acórdão recorrido.
4 - No Acórdão recorrido foram, ainda, apreciadas duas questões:
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Reapreciação da prova, entendendo os apelantes que a sua devida apreciação implicaria que se tivesse dado como provada a matéria a que se referem os arts. 1º, 2º, 4º e 5º da base instrutória; b) Nulidade da sentença, nos termos das als. c) e d) do artigo 668º do Cód. Proc. Civil, por contradição dos fundamentos com a decisão, por pretenderem que a matéria de facto provada não permite fundamentar a decisão proferida, sendo até contrária à mesma (conclusão 24) e porque a sentença não se pronunciou sobre a questão que deveria ter apreciado, e que era a de declaração da nulidade da escritura de compra e venda, com as legais consequências (conclusão 27°) 5 - Diga-se, desde já, que da fixação da base instrutória não houve qualquer reclamação.
6 - E que, realizada a audiência de julgamento em lª instância, foi proferida a decisão da matéria de facto de fls. que também não mereceu por parte dos recorridos qualquer reclamação.
7 - Entendeu-se no Acórdão recorrido proceder-se à reapreciação da prova, alterando-se as respostas dadas aos formulados quesitos.
8 - Com todo o devido respeito, os fundamentos adiantados não suportam tal alteração.
9 - Em primeiro lugar porque a recorrente adquiriu por compra os questionados prédios aos seus legítimos proprietários.
10 - Uma das fontes de aquisição derivada da propriedade é a própria lei - sucessão legítima.
11 - Falecido o de cujus, sem testamento, todo o seu património - herança - é atribuído, por força da lei, aos herdeiros legítimos.
12 - A ora recorrente adquiriu a DD e EE, às quais foi atribuída, como sucessoras legítimas o direito de propriedade sobre os mesmos prédios e doutros que DD deixou em Arcachon, França e já partilhados e vendidos por estas herdeiras.
13 - Como tudo vem provado por documentos autênticos cuja autenticidade não foi questionada pelo que fazem prova plena dos factos, nos termos do artigo 371º do Código Civil.
14 - Ora o direito de propriedade adquire-se, como já se referiu supra, por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei, artigo 1316º do Cód. Civil.
15 - O mesmo é dizer que o direito de propriedade sobre os identificados prédios estava já definido antes da audiência de julgamento.
16 - Aliás, foi esse o fundamento que levou à admissão daquele incidente de oposição espontânea.
17 - E os recorridos bem sabiam que aqueles prédios eram da propriedade dos herdeiros, omitindo intencionalmente os últimos elos da cadeia sucessória.
18 - Para fundamentar as alterações das respostas à matéria de facto, transcrevem-se no Acórdão recorrido, vários depoimentos e de várias testemunhas.
19 - Com todo o respeito, são apenas transcrições truncadas.
Assim é que a testemunha Á... T... refere, entre outras coisas, que " E depois no fim de comprar as oliveiras, arranquei os raizeiros, depois fiz lá limpeza, a Junta para fazer limpeza foi falar com eles, eu fiz a limpeza , a Junta pagou-me e eu paguei a ele e a Junta pagou a mim, pag. 14 das alegações de recurso.
Do depoimento da testemunha M... da C... pode retirar-se o seguinte: "conheço sim ... estavam lá duas velhotas e depois a senhora BB tomou conta daquilo, fis. 22 das alegações de recurso Do depoimento da testemunha F... R... F..., fis. 25 das alegações de recurso, consta entre outras afirmações.
Advogado: Lá no lugar quem é que consta como sendo o dono dessa casa e desses terrenos.
Testemunha: Aquilo lá eles é que olhavam por aquilo Advogado: depois dela falecer quem ficou a cuidar daquilo era a D.BB, era ela que colhia a azeitona e podava as vides? Testemunha: era sim senhor.
Ora, afirmações como "a Junta pagou-me para fazer a limpeza do prédio", " a senhora BB tomou conta daquilo" "aquilo lá eles é que olhavam por aquilo", quem ficou a cuidar daquilo", significa precisamente o contrário do decidido no Acórdão recorrido.
20 - Do que resulta, quando muito, que os recorridos detinham uma posse meramente precária, ou mera detenção dos identificados prédios.
21 - Sendo certo que, na aquisição bilateral da posse o "animus" resulta da natureza do acto jurídico porque transmitem o...
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