Acórdão nº 07S742 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Junho de 2007
Magistrado Responsável | SOUSA PEIXOTO |
Data da Resolução | 06 de Junho de 2007 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. "AA" propôs no Tribunal do Trabalho de Lisboa a presente acção emergente de contrato de trabalho contra Empresa-A, pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia global de 264.690,67 euros, acrescida de juros de mora desde a citação, sendo 37.376,16 euros a título de indemnização de antiguidade por rescisão do contrato com justa causa, 50.000,00 euros a título de danos não patrimoniais, 959,88 euros a título de despesas efectuadas ao serviço da ré, 175.248,00 euros a título de trabalho suplementar e 1.106,63 euros indevidamente retirados da sua conta bancária.
A ré contestou, pugnando pela total improcedência do pedido.
Realizado o julgamento e dadas as respostas aos quesitos, foi posteriormente proferida sentença, condenando a ré a pagar ao autor apenas a importância de 1.106,63 euros, por ela indevidamente debitada na conta do autor, acrescida de juros de mora, desde 24.11.2004.
O autor recorreu da sentença e no requerimento de interposição do recurso arguiu a nulidade da mesma, por alegada omissão de pronúncia, mas o Tribunal da Relação de Lisboa indeferiu a nulidade e negou provimento do recurso, o que levou o autor a interpor o presente recurso de revista, cujas alegações concluiu da seguinte forma: 1.ª - A sentença da 1.ª instância padecia mesmo, nos termos do ano 668.º, n.º 1, al. d) do CPC, da nulidade de omissão de pronúncia, em virtude de não ter conhecido e decidido, como devia, do pedido de condenação da Ré no pagamento das despesas que estão documentadas de fls.. 47 a 75.
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- Independentemente da existência ou não dessa nulidade, uma vez que a Ré invocou não ter procedido ao pagamento de tais despesas (apenas) por as mesmas não lhe terem sido apresentadas pelo A., pelo menos desde a citação da Ré para a presente acção, que a existência da obrigação e o respectivo vencimento estavam provados, competindo à Ré a prova do acto extintivo que seria o respectivo pagamento e, não a tendo feito, deveria ter sido condenada.
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- Toda a prova testemunhal produzida nos autos, examinada à luz das regras de experiência comum, teria de ter conduzido à conclusão de que o A., e com grande frequência, trabalhou mais de 50 horas semanais, trabalhou em dias de descanso e feriados e sem um mínimo de 12 horas entre cada jornada de trabalho.
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- Assim o confirmaram plenamente os depoimentos das testemunhas BB e CC, como também os do Sr. DD e EE, e ainda do Sr. FF e Dr. GG, como também os das testemunhas HH e II - que aliás o Sr. Juiz da 1.ª instância, e sem justificar minimamente porquê, não considerou de todo na sua decisão sobre a matéria de facto.
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- Foi produzida prova mais do que bastante de que o A., com enorme frequência, efectuava jornadas de trabalho ao serviço, por conta e no interesse da R., de duração muito superior às 10 horas diárias e às 50 horas semanais, isto em dias úteis de trabalho, e também em dias de descanso e, mesmo em dias feriados, 6.ª - Como aliás as regras de experiência comum de vida e face ao que, apesar de tudo, consta das respostas aos quesitos e das declarações confessórias do representante da Ré, claramente demonstram por ser impossível desenvolver com 50 horas/semana toda a frenética actividade que o A. levava a cabo.
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- É em absoluto inaceitável - desde logo porque contrário aos princípios do predomínio da substância sobre a forma e da desvalorização da busca da verdade material em detrimento da realização da verdade formal - a tese de que não se poderia conhecer dessa parte do recurso por alegadamente não constarem expressamente indicadas nas conclusões de recurso os concretos pontos da matéria de facto que o recorrente pretende ver alterados, quando é óbvio que era aos pontos 23.º a 43.º da matéria de facto que o A. se reportava, e sobretudo sem ter dado a oportunidade de corrigir/relevar tal alegada incompleição.
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- Mesmo que não tivessem sido pelo A. apresentadas à R. - e foram-no! - as despesas documentadas de fls. 47 a 75, o seu pagamento sempre seria devido, pelo que a Ré deveria ter sido nela condenada.
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- Por outro lado, se é certo que (erradamente) a resposta ao quesito n° 38.º é negativa, a verdade é que, provada a existência da obrigação e invocando o devedor que pagou, é sobre ele por incumbe a prova, que não o fez, de tal pagamento, não podendo a redacção dos quesitos conduzir a distorções das regras do ónus da prova.
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- Óbvia se torna assim a existência de um dos factos integradores da justa causa invocada pelo A.. Por outro lado, 11.ª - A atribuição, e manutenção dessa atribuição, do automóvel e telemóvel atribuídos pela Ré para uso total (ou seja, também pessoal) do A., isto é, para a esfera das suas relações pessoais, não pressupõem de todo a efectiva prestação de trabalho.
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- Tal como sucede com outras regalias remuneratórias como um seguro de saúde, um cartão de crédito com um determinado plafond ou uma "stock option".
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- Sendo certo que, por força do art.º 1.º, n.º 1, do aqui aplicável Dec.-Lei 398/83, de 2/11, em situação de suspensão do contrato de trabalho apenas se paralisam os direitos e deveres que pressuponham efectiva prestação de trabalho.
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- Acresce que a Ré retirou o uso do automóvel ao A., não invocando que esse direito (de uso total) existia e cessava por o contrato estar suspenso por impedimento prolongado, mas sim por alegadamente tal direito (para uso total e logo também para uso pessoal) não existir, não integrar a retribuição do A. e poder ser retirado a todo o momento.
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- Admitir e caucionar agora tal postura da Ré, consubstanciaria premiar um verdadeiro "venire contra factum proprium" e uma conduta de completa má fé por parte da mesma Ré, e que de todo em todo os Tribunais [não] podem caucionar.
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- Resulta assim evidente que a actuação da Ré, consubstanciada quer na recusa de pagamento das despesas oportunamente apresentadas pelo A., quer na exigência da imediata entrega da viatura e telemóvel, representa uma conduta de evidente má fé e de incontornável e inaceitável assédio, uma actuação ilícita e uma quebra contratual, gravemente violadoras dos legítimos direitos e garantias do A. e logo mais do que fundamentadoras da rescisão com justa causa por aquele operada.
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- O Acórdão ora recorrido padece, pois, de óbvio erro na apreciação e decisão da matéria de facto e viola multiplamente a lei, designadamente os aqui aplicáveis anos 690°, n° 4, do CPC, 2° e 7° do Dec. Lei 421/83, de 2/12, 1°, n° 1, do Dec. Lei 398/83, de 2/11, e art.º 35°, n° 1, al. b), do RJCCIT aprovado pelo Dec. Lei 64-A/89, de 27/2.
O autor pede que o acórdão da Relação seja revogado e que a ré seja condenada a pagar-lhe o montante que, a título de trabalho suplementar, se vier a liquidar em execução de sentença, bem como o montante das despesas não pagas e o montante correspondente à indemnização de antiguidade por rescisão do contrato com justa causa, nos termos oportunamente peticionados, pois só assim, diz ele, se fará inteira JUSTIÇA.
A ré contra-alegou defendendo o acerto da decisão recorrida e, neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no mesmo sentido, em "parecer" a que o autor respondeu.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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Os factos Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos que o Tribunal da Relação manteve inalterados: 1 - Em Julho de 1992, o A. foi admitido ao serviço da empresa Empresa-B , para prestar a sua actividade sob as suas ordens, direcção e fiscalização.
2 - Mais tarde, essa empresa mudou a sua denominação para BFB ...
3 - Em virtude da fusão do Banco Fonsecas & Burnay com o Banco Borges & Irmão, surgiu o Banco Português de Investimento (BPI), na sequência do que a BFB a designar-se BPI ....
4 - O A. tinha como local de trabalho as instalações da R. sitas no Porto e tinha a recuperação de crédito na zona Norte.
5 - Durante dois anos, o A. foi a única pessoa encarregada da recuperação de crédito na zona Norte.
6 - Em Julho de 1995, foi contratado um outro funcionário, o Sr. DD, que foi ajudar o A. na sua actividade.
7 - Em 1997, foi colocado mais um trabalhador para a recuperação do crédito na zona Norte, o Sr. EE.
8 - Pelo menos desde o início de 2003, cada funcionário da zona Norte tinha a seguinte carteira de recuperação de crédito para gerir, em função da área geográfica: - o Sr. DD tinha 120 mil entre Porto/Braga; - o Sr. EE tinha 90 000 entre Estarreja/Porto; - o A. tinha os restantes 85 mil entre Coimbra/Aveiro/Guarda/Vila Real e Ponte de Lima.
9 - O A. coordenava a actividade dos dois outros funcionários supra referidos e tinha como superior hierárquico o responsável pelo sector, o Dr. GG.
10 - O A. era considerado pela R. um trabalhador competente e eficaz, que cumpria as suas responsabilidades e obtinha bons resultados, tendo sido alvo de boas avaliações ao seu desempenho.
11 - O A. trabalhava em regime de isenção de horário de trabalho.
12 - A R. atribuiu ao A. um telemóvel e ainda uma viatura automóvel, que o A. utilizava tanto em serviço como para fins pessoais, incluindo aos fins-de-semana e férias.
13 - Em 14.07.2003, o A. entrou na situação de baixa por doença.
14 - Em 11.11.2003, a R. enviou ao A. a carta registada com aviso de recepção constante a fls. 27 dos autos (doc. n° 2 junto com a p.i.), com o seguinte teor: "Tendo em consideração que presentemente não tem necessidade de utilizar nem o veículo automóvel, nem o telemóvel que lhe foram distribuídos pela BPI Rente para o exercício da sua actividade profissional, deverá fazer a sua entrega, no dia 20 do mês de Novembro, na Rua do Campo Alegre, n° .., no Porto, devendo para o efeito contactar com a Sra. D. JJ.
Caso, por motivo de doença, esteja impedido de entregar o veículo e o telemóvel na morada acima indicada, agradecemos que nos indique, com a maior brevidade possível, o dia e a hora em que os mesmos poderão ser recolhidos na sua residência".
15 - Em 21.11.2003, o A. enviou à R. a carta registada com aviso de recepção...
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