Acórdão nº 06P1562 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelSORETO DE BARROS
Data da Resolução17 de Janeiro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

O Ministério Público junto do Tribunal da Comarca de Tavira recorreu do acórdão de 13.02.06, proferido no proc. n.º 797/03, que (para o que, agora, importa), decidiu: 'Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria material, sob a forma consumada, com dolo directo, de um crime de tráfico de haxixe (resina de cannabis), p. e p. pelo disposto nos arts. 72°, 1 e 2, c), primeira parte e 73°, 1, a) e b), ambos do Código Penal e 21°, 1, do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela l-C, anexa àquele diploma, na pena especialmente atenuada de 5 (cinco) anos de prisão.

Condenar o arguido BB pela prática, em co-autoria material, sob a forma consumada, com dolo directo, de um crime de tráfico de haxixe (resina de cannabis), p. e p. pelo disposto no art. 21°, 1, do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela l-C, anexa àquele diploma, na pena de 5 (cinco) anos de prisão.

Condenar o arguido CC pela prática, em co-autoria material, sob a forma consumada, com dolo eventual, de um crime de tráfico de haxixe (resina de cannabis), p. e p. pelo disposto nos arts. 72°, 1 e 2, c), primeira parte e 73°, 1, a) e b), ambos do Código Penal e 21°, 1, do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela l-C, anexa àquele diploma, na pena especialmente atenuada de 3 (três) anos de prisão, cuja execução se suspende pelo período de 4 (quatro) anos.' (…) 1.

1 O recorrente termina a motivação com as seguintes conclusões: 1.ª - Os arguidos AA e BB foram nos presentes autos julgados e condenados pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo disposto no art. 21°, 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, cada um na pena de 5 anos de prisão, tendo o arguido AA beneficiado da atenuação especial da pena, no termos do art. 72°, 1 e 2, c), primeira parte, do Código Penal; 2.ª - No doutro acórdão recorrido, a decisão de atenuar especialmente a pena ao arguido AA é fundamentada, em síntese, na contribuição muito relevante para a descoberta da verdade material, formulando publicamente um juízo de auto-censura, manifestando o seu arrependimento pela sua participação na actividade criminosa evidenciada nos presentes autos, bem como na integração sócio-familiar do arguido; 3.ª - Discordamos que tais circunstâncias, no contexto do caso concreto, tenham a virtualidade de preencher os pressupostos legais de que depende a atenuação especial da pena, ou seja, que delas resulte a exigida diminuição por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena; 4.ª - É entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que o artigo 72.º do Código Penal tem um carácter excepcional que resulta, desde logo, da expressão «por forma acentuada» usada no n.º 1 e da própria excepcionalidade das situações previstas no n.º 2; 5.ª - No caso dos autos, a contribuição do arguido AA para a descoberta da verdade material só teve lugar na quinta sessão da audiência de julgamento, depois de produzida toda da prova da acusação e depois de o arguido ter tido conhecimento do teor das declarações prestadas por outro co-arguido, perante as quais o arguido AA já não podia ter a mais ténue margem de dúvidas de que iria ser condenado; 6.ª - E mesmo sendo certo, como se diz no douto acórdão recorrido, que o arguido acabou por prestar esclarecimentos que foram para além dos factos descritos na acusação acerca da sua actuação, também sucede que esses esclarecimentos, sem que se lhes tire o valor, nem sequer foram determinantes da sua condenação; 7.ª - O arguido AA, confessando tardiamente e em boa parte aquilo que já de nada lhe valia deixar de confessar, deixa-nos todas as dúvidas sobre se estaria sinceramente arrependido, como se exige na alínea c) do artigo 72.º do Código Penal; 8.ª - Por outro lado, quanto à outra circunstância indicada pelo Tribunal Colectivo, da integração sócio-familiar do arguido, também nos parece que é a situação normal das pessoas, e que nada tem de excepcional, ou de extraordinário, para servir de fundamento à atenuação especial da pena; 9.ª - Assim, o Tribunal Colectivo desta vez manifestamente pecou por excesso de generosidade e acabou por não tomar a decisão mais correcta, ao decidir, como decidiu, pela atenuação especial da pena relativamente ao arguido AA, sem que existissem os necessários pressupostos que a lei, devidamente interpretada e aplicada, exige para tal efeito; 10.ª - Também discordamos da medida da pena concreta que o Tribunal Colectivo aplicou ao arguido BB, pois consideramos que a pena de 5 anos de prisão, muito próxima do limite mínimo da moldura penal abstracta - prisão de 4 a 12 anos, nos termos do artigo 21.º n.º 1 do Decreto-Lei N.º 15/93, de 22 de Janeiro -, é excessivamente reduzida, em face das circunstâncias do caso e atendendo ao critério legal enunciado no artigo 71.º do Código Penal; 11.ª - No douto acórdão recorrido o Tribunal enunciou como circunstâncias agravantes: o acentuado grau de culpa manifestado na prática da actividade criminosa em questão, resultante da intensidade dolosa provada na conduta dos arguidos AA e BB; o elevado grau de ilicitude dos factos cometidos pelo arguido AA, na medida em que este tinha um papel de maior responsabilidade na actividade de tráfico em apreço); a quantidade de estupefaciente apreendido (mais de mil setecentos e noventa e dois quilos); o antecedente criminal do arguido AA e o facto de ter sido libertado do estabelecimento prisional espanhol pouco tempo antes de cometer o crime in iudicium; 12.ª - E enunciou como circunstâncias atenuantes: a substância estupefaciente traficada ser haxixe (considerada droga leve); a ausência de antecedentes criminais do arguido BB; o tipo de participação do arguido BB na operação de tráfico; a devida inserção sócio-familiar dos arguidos; 13.ª - As indicadas circunstâncias atenuantes não podem ser (como foram no douto acórdão recorrido) consideradas dotadas, mesmo no seu conjunto, de elevada importância; 14.ª - Desde logo no que respeita ao facto de a substância traficada ser Haxixe, considerada droga leve, também importa considerar que a elevada quantidade em causa na operação objecto deste processo (quase duas toneladas) milita contra a atenuação decorrente da qualidade desse estupefaciente, pois não deixa de ser uma operação de tráfico criminoso em «larga escala», que assume particular relevo e supera significativamente a relativa benignidade do produto; 15.ª - E no que se reporta à ausência de antecedentes criminais do arguido BB, não sendo mais do que aquilo que a todos se exige, é uma circunstância terá que ser valorada com a devida moderação; 16.ª - Quanto ao tipo de participação do arguido BB na operação de tráfico, não nos parece que o beneficie, pois da matéria de facto provada resulta que ele teve uma participação relevante na preparação e execução da operação de tráfico; 17.ª - Com efeito, este arguido esteve em Espanha nos dias que antecederam a operação de tráfico, e depois foi ele que aliciou o co-arguido CC a alugar a "Fiat Ducato" em Lisboa, com dinheiro que lhe entregou para o efeito, e a conduzi-Ia para o Algarve, para daqui transportar o haxixe para Espanha; 18.ª - E já no Algarve o próprio arguido BB passou a conduzir a "Fiat Ducato", e encarregou-se posteriormente de transportar o co-arguido CC para a área de descanso situada na Via do Infante, onde se encontrava a "Fiat Ducato" já carregada com haxixe, para que aquele co-arguido a conduzisse para Espanha; 19.ª - Toda essa actividade do arguido BB, que se encontra melhor descrita na matéria de facto provada, mostra que o seu papel não era secundário, mas sim um papel relevante na preparação e execução da operação de tráfico.

20.ª - As exigências das exigências de prevenção geral são elevadas, tendo em conta os malefícios da droga e o sentimento comunitário de preocupação pelos efeitos do tráfico em larga escala, sendo que cada vez mais se intensifica a escolha do território português, e designadamente o Algarve, para servir de porta à introdução de grandes quantidades de produtos estupefacientes na Europa; 21.ª - As exigências de prevenção especial também são elevadas relativamente a ambos os arguidos, considerando que o arguido AA já tem antecedentes criminais por tráfico de droga, enquanto que o arguido BB adoptou uma atitude de nem sequer assumir a responsabilidade pela sua conduta; 22.ª - Ponderadas as circunstâncias agravantes e atenuantes enumeradas no douto acórdão recorrido, sempre tendo em conta as considerações que tecemos relativamente às atenuantes, e feita a ponderação da culpa dos arguidos e das circunstâncias atendíveis, bem como das exigências de prevenção geral e especial, em conformidade com o critério legal estabelecido no artigo 71.º do Código Penal, conclui-se a pena a aplicar aos arguidos AA e BB não deverá ser inferior a 7 anos de prisão; 23.a - No douto acórdão recorrido foram violadas as normas dos artigos 72.º e 73.º do Código Penal, na medida em que se interpretaram no sentido de que as circunstâncias relativamente ao arguido AA permitem a atenuação especial da pena, enquanto que devem ser interpretadas no sentido tais circunstâncias não satisfazem as exigências contidas nesses preceitos; 24.ª - Foram também violadas as normas do artigo 71.º do Código Penal, na medida em que se interpretaram no sentido de que, em face dos factos atinentes à culpa do arguido BB e das exigências de prevenção, era adequada a pena de 5 anos de prisão, enquanto devem ser interpretadas no sentido de que só uma pena não inferior a 7 anos de prisão se mostra ajustada.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e ser-lhe concedido provimento, revogando-se o douto acórdão recorrido na parte da determinação da medida das penas aplicadas aos arguidos AA e BB, e aplicando-lhes uma pena não inferior a 7 anos de prisão, não beneficiando o primeiro da atenuação especial da pena.

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