Acórdão nº 06A4210 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Dezembro de 2006

Magistrado ResponsávelSEBASTIÃO PÓVOAS
Data da Resolução19 de Dezembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "AA" e BB intentaram acção com processo ordinário contra CC.

Pediram a condenação da Ré a facultar-lhes o acesso à urna do seu filho DD, abrindo a porta do gavetão quando o pretendam ou cedendo-lhe a chave do mesmo; devolver-lhes os objectos de culto que retirou e aceitar a sua reposição no interior do gavetão; indemnizá-los com 1.750.000$00 os danos morais e de saúde sofridos; indemnizá-los com 150.000$00 mensais até cumprimento do Acórdão da Relação que decidiu a providência cautelar.

A Ré contestou o pedido.

Na 4ª Vara Cível da Comarca de Lisboa a acção foi julgada improcedente.

Apelaram os Autores tendo a Relação de Lisboa dado provimento ao recurso e condenado a Ré no pedido, sendo que a indemnização arbitrada foi de 2.000,00 euros, pelos danos morais.

A Ré pede revista.

E assim conclui a sua alegação: - A titularidade da propriedade do gavetão acha-se estabelecida definitivamente e com trânsito em julgado e, por isso, não pode ser agora posta em causa.

- Não pode falar-se, no caso em apreço, em abuso de direito por parte da ré porquanto se não provaram factos absolutamente essenciais à caracterização da atitude da ré, como abusiva, pois que, por um lado, não se provou que a sua motivação fosse a de retaliar sobre os AA e, por outro, também não ficou provado que, com a sua decisão e conduta, ela visasse compelir ou forçar os AA à outorga da escritura.

- A liberdade de culto ou o direito a exerce-lo em nada é cerceado pelo facto de os recorrentes não possuírem a chave do gavetão, onde se encontra a urna com os restos mortais do falecido DD e que é propriedade exclusiva da ré.

- Esse facto não constitui, nos termos do artigo 71º do CC, uma ofensa a pessoa já falecida, pois que nenhum direito de personalidade do morto se viola ou transgride; - E, mesmo admitindo que algum direito saísse ofendido, ainda assim, dificilmente isso seria compaginável com as regras de legitimidade presentes no nº2 do mesmo artigo 71º; - Nenhuns danos derivados da conduta da autora se provaram com suficiente segurança; - E, em todo o caso, era obrigação do TRL, mesmo decidindo em sede de equidade, fazer a destrinça e imputação do que eram danos derivados ou causados pela conduta da ré dos que derivaram da idade dos AA e do próprio facto da morte de seu filho; - A decisão recorrida violou ou interpretou incorrectamente as normas dos artigos 71º, 334º, 563º e 1305º do CC e deve ser revogada e substituída por outra que julgue a acção improcedente com o que se fará.

Contra alegaram os recorridos defendendo o Acórdão recorrido e concluindo, em síntese: - A pessoa falecida goza de protecção jurídica após a morte, conforme o artigo 71º do CC.

- A memória da pessoa falecida é o local onde se encontra o cadáver.

- Este local é o centro de culto da nossa memória e da personalidade moral do falecido.

- E onde se procede às manifestações de culto pela memória do falecido.

- São estes valores imateriais que são protegidos nos termos do artigo 71º nº 2 do CC.

- O exercício do culto junto e em contemplação da urna do filho, pelos recorridos é uma pretensão legítima.

- Para defesa da personalidade moral do falecido, o nº2 do artigo 71º do CC confere legitimidade aos recorridos, como pais do falecido.

- A recorrente mudou a fechadura da porta do gavetão onde os restos mortais do falecido marido se encontravam.

- Tendo, ao mesmo tempo, retirado os objectos de culto que os recorridos aí haviam colocado.

- Não existe motivação provada nos autos, para o efeito, mas referencias processuais da recorrente de "não se encontrar disposta a entregar a chave" de "não ter de entregar a chave de um gavetão, cuja propriedade é sua e que por isso usa e frui como entende" - no ponto 8 das alegações.

- Donde não há justificação para tal procedimento ou então, não há justificação séria, ponderosa, legitima.

- Com a mudança de fechadura e a retirada dos objectos de culto, os recorridos ficaram impossibilitados de prestar o culto à memorio do filho, à vista da urna pois a porta era de mármore e os objectos foram retirados.

- O exercício do direito de propriedade tem de ser harmonizado com os outros direitos conflituantes, conforme o princípio da concordância prática plasmado no artigo 1305º do CC.

- O exercício do direito de propriedade pela recorrente, com a mudança de fechadura e retirada dos objectos aniquilam o conteúdo essencial da pretensão dos recorridos.

- O que significa o culto à memória do filho, a própria memória deste e o local de eterno descanso.

- Antes, os recorridos não tinham tal limitação, dispondo da chave e dos objectos.

- Ocorre ainda e de acordo com o artigo 334º do CC o exercício abusivo do seu direito pela recorrente.

- A atitude da recorrente teve em vista prejudicar os recorridos no exercício do culto à memória do filho e na contemplação da urna.

- O direito de propriedade na forma como a recorrente o pretende exercer, excede claramente os limites impostos pela boa fé, bons costumes, fim económico e social do direito, pelo que tal exercício é ilegítimo.

- Sendo ilegítimo ou ilícito, de acordo com o artigo 334º do CC, já...

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