Acórdão nº 06S692 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Novembro de 2006

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução08 de Novembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. O Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Colectivos do Distrito de Lisboa instaurou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, a presente acção sob a forma de processo especial para interpretação de cláusula de Acordo de Empresa (AE), contra os outorgantes "Metropolitano de Lisboa E.P." (adiante, abreviadamente, designado por "Metropolitano"), FESTRU - Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos, FETESE - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Escritório e Serviços, SITRA - Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Afins, FEPCES - Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços, SQTD - Sindicato dos Quadros e Técnicos de Desenho, SINDEM - Sindicato dos Electricistas do Metropolitano, STTM - Sindicato dos Trabalhadores de Tracção do Metropolitano, e SEP - Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, pedindo: A interpretação das disposições conjugadas das Cláusulas 5.ª, n.º 2, 6.ª, n.º 1, 11.º n.os 1 e 2, e da definição das funções correspondentes à categoria profissional de Agente de Tráfego, constante do Anexo III (Capítulo III) do AE aplicável às relações de trabalho entre o "Metropolitano de Lisboa E.P." e os trabalhadores ao seu serviço representados pelas associações sindicais outorgantes, publicado no B.T.E. n.º 13, I Série, de 8 de Abril de 2002, quanto à questão de saber se é lícito ao "Metropolitano" exigir aos trabalhadores ao seu serviço com a categoria profissional de agentes de tráfego que prestem serviço durante o seu período diário de trabalho, em várias estações, transportando consigo, nessas deslocações entre as várias estações, as várias espécies de títulos de transportes para venda, a importância em dinheiro que lhes tivesse sido distribuída para trocos e o montante correspondente às vendas de títulos efectuadas desde a última prestação de contas, utilizando, para esse efeito, uma mala personalizada constituída por um trolley (mala de viagem, com rodas, de arrastar pelo solo) dentro do qual é transportado um cofre com os títulos de transporte e o dinheiro.

Alegou, em síntese, que: - O "Metropolitano" propôs às associações sindicais a alteração do conteúdo funcional da categoria profissional de agente de tráfego no sentido de passar a poder incumbir os trabalhadores com essa categoria de prestarem serviço, durante o seu período diário de trabalho, em várias estações, transportando consigo, nessas deslocações entre as várias estações, as várias espécies de títulos de transporte para venda, a importância em dinheiro que lhes tivesse sido distribuída para trocos e o montante correspondente às vendas de títulos efectuadas desde a última prestação de contas; - Para esse efeito, o "Metropolitano" distribuiria a cada agente de tráfego uma mala personalizada constituída por um trolley (mala de viagem, com rodas, de arrastar pelo solo) dentro do qual seria transportado um cofre com os títulos de transporte e o dinheiro; - Este novo modo de prestação de trabalho implicaria um acréscimo de funções e responsabilidades e também um agravamento do risco de assaltos nas deslocações entre estações, com o consequente risco de lesão da integridade física dos trabalhadores, em função das elevadas quantias de dinheiro e do elevado valor dos títulos transportados; - Daí que o "Metropolitano" tenha proposto a atribuição de uma compensação pecuniária aos trabalhadores denominada subsídio de acréscimo de função, com o valor mensal de 152,50 euros como contrapartida do novo descritivo de funções do agente de tráfego, em substituição do subsídio de função; - Não houve acordo entre as partes quanto a esta matéria; - Porém, o "Metropolitano"decidiu, unilateralmente, impor aos trabalhadores essas novas funções, sem a atribuição de qualquer compensação pecuniária; - Essas novas funções não correspondem à definição de funções constantes do Anexo III da referida convenção colectiva, constituindo um claro desvio à concepção histórica da categoria de agente de tráfego e à prática seguida desde sempre nessa empresa, uma vez que os agentes de tráfego - anteriormente bilheteiros - sempre efectuaram a venda de títulos de transporte em postos fixos de determinada estação, recebendo os títulos para venda e as importâncias necessárias para trocos nessa estação e prestando contas na mesma estação, jamais foram incumbidos de transportar entre estações os títulos de transporte que lhes são confiados para venda, bem como as importâncias destinadas a trocos e as provenientes da venda desses títulos.

  1. Citados os outorgantes, apenas o "Metropolitano" e o SINDEM - Sindicato dos Electricistas/Manutenção do Metropolitano de Lisboa apresentaram alegações.

    O "Metropolitano", disse, em resumo, que: - A implementação da mala personalizada não decorreu de qualquer proposta sua para alterar o conteúdo funcional da categoria de agente de tráfego no sentido de os trabalhadores prestarem serviço em várias estações transportando consigo títulos de transporte e dinheiro; - A mala personalizada é uma nova ferramenta de trabalho, pelo que, no âmbito daquelas negociações, apenas se abordou o assunto dessa mala; - A implementação da mala personalizada não configura qualquer acréscimo de funções e responsabilidades, nem agravamento do risco de assaltos ou risco de lesão da integridade física dos trabalhadores; - Sempre os agentes de tráfego efectuaram a venda de títulos de transporte nas diferentes estações do "Metropolitano" e não numa só; - Nunca os agentes de tráfego - antes ou após a implementação da mala personalizada - transportaram entre estações as importâncias provenientes da venda de títulos de transporte; - Desde, pelo menos, 1998 que há agentes de tráfego a utilizar mala personalizada contendo os títulos de transporte e um fundo fixo em dinheiro; - A implementação do sistema da mala personalizada é permitida pelo descritivo funcional da categoria de agente de tráfego; a categoria profissional corresponde ao essencial das funções a que o trabalhador se obrigou pelo contrato de trabalho ou pelas alterações decorrentes da sua dinâmica e decorrentes do poder organizativo patronal, correspondendo a uma determinação qualitativa da prestação de trabalho prevista; - Não há qualquer texto legal que imponha à entidade patronal a adopção de modelos organizativos coincidentes com os prefigurados no AE aplicável.

    Por seu lado, o SINDEM - Sindicato dos Electricistas/Manutenção do Metropolitano de Lisboa, alegou, em síntese, que: - Nunca foi convocado para qualquer reunião relacionada com a matéria em causa nestes autos; - Não concorda nem aceitará qualquer violação ou alteração na prática das normas contidas no AE por si subscrito, bem como dos protocolos que a seu respeito hajam sido firmados com a intervenção deste Sindicato.

  2. Na 1.ª instância, foi decidido interpretar as disposições conjugadas das referidas cláusulas no sentido de que: a) é lícito ao Metropolitano de Lisboa EP exigir aos trabalhadores ao seu serviço com a categoria profissional de agentes de tráfego que prestem serviço durante o seu período diário de trabalho, em várias estações, transportando consigo, nessas deslocações entre as várias estações, as várias espécies de títulos de transportes para venda, a importância em dinheiro que lhes é distribuída para trocos, utilizando, para esse efeito, uma mala personalizada constituída por um trolley (mala de viagem, com rodas, de arrastar pelo solo) dentro do qual é transportado um cofre com os títulos de transporte para venda e o dinheiro para trocos; b) não é lícito ao Metropolitano de Lisboa EP exigir aos trabalhadores ao seu serviço com a categoria profissional de agentes de tráfego que transportem consigo nas deslocações entre as várias estações a importância em dinheiro proveniente das vendas de títulos utilizando para esse efeito a referida mala personalizada Em recurso de apelação, interposto pelo Autor, o Tribunal da Relação de Lisboa, revogando a sentença, extraiu do referido bloco normativo a interpretação segundo a qual "não é lícito ao Metropolitano de Lisboa, E. P., exigir aos trabalhadores ao seu serviço com a categoria profissional de Agente de Tráfego, que prestam serviço, durante o seu período diário de trabalho, em várias estações, que transportem consigo, nessas deslocações entre as várias estações, as várias espécies de títulos de transporte para venda, nem a importância em dinheiro que lhe tenha sido distribuída para trocos, utilizando, para esse efeito, uma "MALA PERSONALIZADA", constituída por um trolley (mala de viagem, com rodas, de arrastar pelo solo) dentro do qual é transportado um cofre com os títulos de transporte e o dinheiro".

    Discordando desta decisão, o "Metropolitano" veio, a pugnar pela solução da sentença da 1.ª instância, pedir revista, terminando a alegação com as conclusões assim redigidas: 1.ª- O douto acórdão recorrido, na parte em fundamentou a sua decisão que o transporte entre estações de títulos de transporte e um montante para trocos não se enquadram no descritivo funcional por não ter apoio na letra desse descritivo, interpretou incorrectamente o art.º 9.º do Código Civil, pois: a) Nos termos do art.º 9.º do CC, a reconstituição do pensamento legislativo deve fazer-se a partir do texto, mas com recurso a outros elementos como o espírito da lei/vontade real do legislador, ou não sendo possível, presumir-se-á que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e equilibradas; b) O descritivo de funções da categoria Agente de Tráfego é anterior à introdução da mala personalizada, não se colocando na data daquele descritivo a necessidade de expressamente prever "o transporte de título de transportes", porque estes encontravam-se num estojo em cada uma estações, apesar de os agentes de tráfego prestavam serviço na generalidade das estações; c) Se, na altura, se colocasse tal necessidade - transporte de títulos - o referido "transporte" seria expresso no descritivo...

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