Acórdão nº 06P3145 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Novembro de 2006

Magistrado ResponsávelCARMONA DA MOTA
Data da Resolução02 de Novembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. OS FACTOS No dia 16/10/02, cerca das 03:00, o arguido AA, juntamente com três outros indivíduos não identificados, encontrava-se junto aos semáforos da Rua Castilho, ao cimo do Parque Eduardo VII, em Lisboa, aguardando que alguma viatura parasse nos semáforos com o intuito de assaltar o respectivo condutor. Nessa data e hora parou nesse cruzamento a viatura Citroen Xantia, matrícula NB, conduzida por BB.

AA dirigiu-se à referida viatura, abriu a porta da frente do lado direito e entrou, sentando-se no banco da frente do lado direito, ao mesmo tempo que retirava da ignição a chave da viatura. De imediato, BB saiu da viatura, tendo sido agarrado por um dos indivíduos que acompanhavam AA, que lhe apontou um objecto com a aparência de arma de fogo à cabeça e o obrigou a deitar-se no banco traseiro do Citroen Xantia. Este segundo indivíduo manteve-se junto de si no banco traseiro, enquanto AA conduziu o Xantia em direcção à Costa da Caparica. Atrás do Citroen Xantia seguiam os demais indivíduos que naquela ocasião acompanhavam AA, noutra viatura não identificada. Durante o percurso, o indivíduo não identificado e AA estabeleceram conversação nos seguintes termos. «Então paneleiro, o que fazes aqui? Queres-me ir ao cu ou queres que eu te vá a ti. Achas o AA giro?» Este indivíduo retirou a BB dois cartões com os números 6632360 e 6193043 de débito do BCP e exigiu-lhe que lhe indicasse os respectivos códigos secretos. No Monte de Caparica dirigiram-se a uma caixa Multibanco, na Rua António Andrade, digitaram o código secreto, após terem introduzido o cartão 6193043 e levantaram 165 €. Nesse local, AA e os outros indivíduos vasculharam o interior da viatura, apoderando-se de oito CD, no valor de 150 €, de uma pasta em cabedal no valor de 500 €, do telemóvel de marca Sony Z5, com o IMEI 35009440399418, associado ao cartão 965543786, no valor de 300 € e a sua carteira com os seus documentos pessoais, no valor de 250 €. Depois, o arguido AA conduziu o Citroen Xantia, levando BB no banco traseiro, seguido pela outra viatura, até ao parque de estacionamento da Praia do Castelo. Aí, deu-lhe uma pancada no pescoço de modo a atordoá-lo e deitou-o no banco traseiro do Citroen Xantia. De seguida, o arguido e os demais indivíduos que o acompanhavam abandonaram o local na outra viatura, levando os bens de BB. O telemóvel de marca Sony Z5, com o IMEI 35009440399418 foi utilizado em 18 e 24 de Novembro de 2002, associado ao cartão de acesso com o n.º 967222715, correspondente ao cartão SIM n.º 60000066923077-72 apreendido em casa de BB. O arguido AA e demais indivíduos que o acompanhavam agiram em execução de um plano previamente delineado e assente na existência de uma consciência recíproca de actuação, para cuja execução conjugaram esforços e intentos. Embora soubessem que aqueles valores era pertença de outrem e que agiam contra a vontade do seu proprietário, quiseram assenhorear-se deles e integrá-los na sua esfera patrimonial ainda que, para tanto tivessem de utilizar, como utilizaram, a violência física. Quiseram, ainda, privar o ofendido da sua liberdade de movimentos, o que conseguiram, embora soubessem que agiam contra a vontade do mesmo. Ao utilizarem o cartão Multibanco pertencente ao ofendido, para a realização das operações supra descritas, agiram com intenção de obter para si benefícios patrimoniais a que sabiam não ter direito e que, desse modo, causavam um prejuízo patrimonial ao ofendido, correspondente ao valor levantado com o referido cartão, e que o faziam mediante a introdução, no sistema informático, do código pessoal e secreto do ofendido, sem a autorização do respectivo titular, o que todavia, não os impediu de actuar da forma descrita.

O arguido não estava habilitado com a respectiva carta de condução.

Embora soubesse que para a condução de veículos automóveis era necessário estar habilitado com a respectiva carta de condução, quis, mesmo assim, conduzir na via pública a referida viatura. Determinaram-se livre e conscientemente, embora soubessem que tais condutas eram proibidas (acusação - grupo 3).

No dia 23/10/02, cerca das 05:00, o arguido encontrava-se no cruzamento da Av. Miguel Torga com a Avenida Marquês de Fronteira, em Lisboa, aguardando que alguma viatura parasse nos semáforos com o intuito de assaltar o respectivo condutor.

Nessa data e hora parou nesse cruzamento a viatura Renault Twingo, de matrícula HV, conduzida por CC. De imediato, o arguido dirigiu-se à viatura, abriu a porta da frente, entrou, sentando-se no banco da frente do lado direito e apontou um objecto com a aparência de arma de fogo a CC, dizendo-lhe para seguir em frente. Após ter andado alguns metros, CC parou a viatura e tentou abrir a porta do seu lado para fugir. Nessa altura, o arguido debruçou-se sobre ele, agarrou-o pelo pescoço, puxou-o para o seu lado, fazendo-o sair pela porta do lado direito e projectou-o contra o solo.

Sempre a apontar-lhe a arma, o arguido exigiu-lhe que lhe entregasse dinheiro e telemóvel. CC entregou-lhe o relógio, no valor de 100 € e um telemóvel Motorola V3688, IMEI 448835099466624, no valor de 75 €. Na posse destes artigos, o arguido meteu-se no Renault Twingo e abandonou o local conduzindo a viatura. Na viatura, CC deixara um mala, no valor de 25 € contendo todos os seus documentos pessoais e um telemóvel de marca Nokia 5110, com o IMEI 490541101676302, no valor de 75 €. O arguido conduziu o Renault Twingo até á rua Castilho, em Lisboa onde o deixou, levando consigo a referida mala e todos os bens e documentos. O telemóvel Motorola, modelo V3688, IMEI 448835099466624 chegou às mãos de DD por forma não concretamente apurada, tendo este procedido em finais do mês de Outubro de 2002, à respectiva venda a EE, por valor não apurado. O telemóvel de marca Nokia 5110, com o IMEI 490541101676302 foi apreendido a FF. Embora soubesse que aqueles bens eram pertença de outrem e que agia contra a vontade do seu proprietário, quis o arguido AA assenhorear-se deles e integrá-los na sua esfera patrimonial ainda que, para tanto tivesse de utilizar, como utilizou, a violência física e a ameaça de objecto com aparência de arma de fogo.

O arguido não estava habilitado com a respectiva carta de condução. Embora soubesse que para a condução de veículos automóveis era necessário estar habilitado com a respectiva carta de condução, quis, mesmo assim, conduzir na via pública a referida viatura. Agiu livre e conscientemente, embora soubesse que tais condutas eram proibidas (acusação - grupo 4).

No dia 24/10/02, cerca das 04:00, o arguido encontrava-se na zona do Parque Eduardo VII, em Lisboa, aguardando que fosse contactado por indivíduos do sexo masculino que procurassem parceiros sexuais. A certa altura, GG abeirou-se dele, estabelecendo conversação durante alguns minutos. De seguida, ambos entraram para a viatura Renault Mégane, pertença do GG e conduzida por este, ficando o arguido no lugar da frente ao lado do condutor e dirigiram-se para a zona das praias da Costa da Caparica, mais precisamente, para o parque de estacionamento da Praia do Castelo. Logo que o GG parou a viatura, o arguido apontou-lhe uma arma de fogo (provavelmente um revólver de calibre 32 mm), tirou a chaves da ignição e disse-lhe com veemência "Agora vais fazer tudo o que eu disser e tens de me dar os números". GG repentinamente pegou na mala onde trazia os seus documentos, abriu a porta da viatura e saiu. O arguido saiu também e dirigiu-se-lhe de frente para ele, com a arma empunhada, exigindo-lhe que lhe entregasse a mala.

Como este se recusasse, o arguido apontou-lhe a arma e disparou-a, atingindo-o com um projéctil no tornozelo esquerdo («no terço inferior da face posterior, situado a 13 cm acima da articulação do tornozelo»). Como GG , ainda assim, tentasse fugir, o arguido foi no seu encalço e, colocando-se à sua frente, mais uma vez lhe exigiu que lhe entregasse a mala. Novamente GG recusou, pelo que o arguido premiu o gatilho da arma que empunhava, disparando um projéctil que o atingiu a perna esquerda (no «terço superior da face anterior, situado na linha média e 12 cm abaixo do polo inferior da rótula»). Como GG não largasse a mala, brandindo-a contra o arguido, este, apontando a arma contra o tronco daquele e a cerca de meio metro, premiu mais duas vezes o gatilho disparando projécteis que o atingiram no antebraço esquerdo (no «terço inferior da face anterior situada, na linha média e 6,5 cm da prega articular do pulso») e abdómen («na crista ilíaca ântero-superior esquerda»). O arguido abandonou de imediato o local, levando consigo as chaves do Renault, deixando GG estatelado no solo a sangrar, sem cuidar de promover o seu socorro, apesar de se encontrar num lugar ermo e afastado. Este ainda teve forças para caminhar algumas centenas de metros até uma residência próximo da Costa da Caparica, onde obteve auxílio. Em consequência dos disparos, GG sofreu as lesões descritas na ficha clínica de fls. 135 e exame médico de fls. 140, 2084, 2895, e 3619, determinantes de um período de doença de 120 dias. Sabia o arguido que a arma de fogo utilizada era adequada a provocar lesões susceptíveis de tirar a vida à vitima e visou atingir zonas que sabia serem vitais para a pessoa humana, o que não conseguiu devido à reacção do ofendido que, utilizando a mala, dificultou e desviou o alvo pretendido pelo arguido.

Quis tirar a vida a GG , só não o conseguindo por razões alheias à sua vontade. Quis o arguido assenhorear-se dos bens de GG e integrá-los nas sua esfera patrimonial ainda que, para tanto, tivesse de utilizar, como utilizou, uma arma de fogo, embora soubesse que aqueles bens eram pertença de outrem e que agia contra a vontade do seu proprietário.

Não conseguiu concretizar o seu objectivo apenas por razões alheias à sua vontade. Embora soubesse que a vida de GG estava em perigo, devido às lesões por si provocadas, e que tinha a obrigação de cuidar do seu socorro, não quis, mesmo...

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