Acórdão nº 06P2812 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Outubro de 2006
Magistrado Responsável | SANTOS CABRAL |
Data da Resolução | 18 de Outubro de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam neste Supremo Tribunal de Justiça AA veio interpor recurso da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a decisão que, pela prática de um crime de homicídio p. e p. pelo art. 131 ° do C.P. e de dois crimes de coacção grave p. e p. pelos art°s. 154°, nº. 1 e 155°, nº. 1, al. a), ambos do C.P. e, ainda, como autor material, de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art°. 275°, nº. 1, do CP., na redacção da Lei n° 98/2001, de 25 de Agosto e de um crime de detenção ilegal de arma de defesa p. e p. pelo art°. 6° da Lei n°. 22/97, de 27.06, na redacção da Lei n°.98/2001, de 25.08, o condenou nas penas parcelares de 10 (dez) anos de prisão, pelo crime de homicídio; • 2(dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, por cada um dos dois crimes de coacção grave; • 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, pelo crime de detenção de armas de fogo proibidas; e 1 (um) ano de prisão, pelo crime de detenção ilegal de arma de defesa.
Em cúmulo jurídico das penas parcelares referida o arguido foi condenado na pena unitária de 14 (catorze) anos de prisão.
As razões da discordância da recorrente encontram-se expressas nas conclusões da sua motivação de recurso que, fundamentalmente se dirigem á qualificação jurídica dos factos e se centram nos seguintes eixos argumentativos : a)- Demonstrado que se encontra que o arguido não sabia, nem podia prever que o individuo X ia efectuar disparos contra alguém e muito menos que se conformou com essa possibilidade fica por preencher este requisito para a co-autoria do crime de homicídio b)- Requisito da é ainda que haja, entre os agentes, um exercício comum do domínio do facto típico.
c)- Resulta dos factos dados como provados que o indivíduo X tinha o domínio dos factos que vieram a causar a morte ao BB e que o recorrente nada podia ter feito para evitar a consumação do crime d)-A actuação do recorrente decorreu segundo o "plano" traçado: dar protecção ao indivíduo X para que este pudesse dar um "apertão" ao seu opositor, e não para que este lhe pudesse tirar a vida como aliás resulta da matéria dada como provada ( "não ficou provado que o indivíduo X tenha comunicado aos arguidos que planeava tirar a vida ao seu opositor) e)-Não se encontrando preenchidos os requisitos previstos no artigo 26 não pode o recorrente, através desta norma , ser incriminado pelo crime constante do artigo 131 do Código Penal.
f)- O recorrente nunca previu sequer que a indivíduo X ia disparar contra a seu opositor, e muita menos se conformou com esse resultado.
g)- Assim, a conduta do recorrido não se subsume à norma do artigo 14.°, nº 3 do C.P., pela que a mesma não deveria ter sido aplicada h)- Os actos praticados pelo recorrente subsumem-se quanto muito a cúmplice (artigo 27 do Código Penal ) num crime de ofensa á integridade física qualificada (artigos 145 nº1 alínea a) e 143 do código Penal) na modalidade de dolo eventual (artigo 14 nº3 do Código Penal) cujo autor material foi o individuo X.
Pelo MºPº foi produzida resposta em que se defende a manutenção da decisão recorrida vincando, ainda, a circunstância de o presente recurso constituir uma repetição do peticionado perante o Tribunal da Relação de Lisboa.
Neste Supremo Tribunal de Justiça o ExºMº Sr.Procurador Geral Adjunto promoveu a designação de data para julgamento.
Os autos tiveram os vistos legais.
Cumpre decidir Em sede de decisão recorrida, e não objecto de impugnação, encontra-se provada a seguinte factualidade: 1-O indivíduo que doravante apelidamos de X - uma vez que não é julgado nos presentes autos -, por razões não totalmente apuradas mas que se prendem com o facto de ter tido conhecimento que na noite de 7 de Março de 2004, o seu irmão CC, havia sido fisicamente agredido por BB e outros dois indivíduos, tendo-lhe, então, sido retirado o automóvel, como garantia do pagamento de uma alegada dívida, decidiu procurar o BB na sua residência, em Monte da Caparica, Almada, a fim de "ajustar contas" com o mesmo, pedindo-lhe explicações sobre o sucedido e exigindo-lhe a restituição do automóvel, com recurso, à violência física e mediante a utilização de armas de fogo; 2-O indivíduo X, desde logo, decidiu que iria munido de uma arma de fogo e admitiu poder vir a efectuar disparos com a mesma e a atingir o BB, tirando-lhe a vida.
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Na concretização de tal desígnio e tendo a indicação de que BB normalmente andava acompanhado, podendo integrar um grupo de 5 elementos, o indivíduo X resolveu arranjar quatro indivíduos que lhe dessem protecção e consigo colaborassem na actuação que decidira encetar, estando, para tanto, alguns munidos de armas de fogo e outros disponibilizando e conduzindo os veículos automóveis em que todos se fariam transportar.
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Assim, na manhã de 08/03/04, o indivíduo X iniciou contactos e diligências para reunir os meios humanos e materiais referidos: 5. Pelas 08:00/08:30 horas, o X telefonou ao arguido DD, seu sobrinho e filho do identificado CC, sabendo que ele era possuidor de uma espingarda caçadeira de canos serrados, informando-o dos factos ocorridos com o pai na noite anterior e comunicando-lhe a sua intenção de "dar um apertão" no indivíduo que os praticara, propôs-lhe que lhe prestasse colaboração, usando a dita caçadeira, com o que o mesmo concordou. Nessa sequência, e conforme combinado, o arguido DD viajou, de comboio, de Lisboa até à Estação do Fogueteiro, Seixal, transportando consigo a dita caçadeira e um número não apurado de munições; 6. Igualmente pelas 08:25 horas, o X contactou, telefonicamente, o arguido AA, seu amigo, dizendo-lhe que o seu irmão tinha levado pancada e que precisava da sua ajuda, combinando encontrarem-se de seguida com o mesmo, a fim de melhor o inteirar do assunto.
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Cerca das 8:30 horas, o X deslocou-se à residência do arguido EE, seu amigo, sabendo que este possuía um automóvel, pediu-lhe que o transportasse até ao Monte da Caparica, a fim de ir aí "falar" com um indivíduo, ao que este acedeu.
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Poucos minutos depois do contacto referido em 7, o indivíduo X, acompanhado do arguido EE, foram ao encontro do arguido AA, conforme previamente combinado, o qual teve lugar junto do salão de cabeleireiro do arguido EE. Aí, o X informou os arguidos EE e AA que pretendia "dar um apertão" a um indivíduo que residia no Monte da Caparica e recuperar o veículo automóvel que o mesmo tinha retirado ao seu irmão, ficando esta actuação a dever-se a vingança motivada por um negócio que tinham feito (o dito indivíduo e o irmão do X) anteriormente e que correra mal.
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Informou, ainda, o X, que o indivíduo em causa fazia-se normalmente acompanhar doutros, integrando um grupo de cinco e que os mesmos eram perigosos, pelo que, para prevenir qualquer eventualidade, levariam armas de fogo, que, caso fosse necessário, usariam, para lhe dar protecção (ao X) e intimidar o(s) opositor(es), compelindo-os a que não actuassem contra si (X) e ajudassem o indivíduo visado; .
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O arguidos EE informado pelo X nos termos descritos, ficou ciente de que o X iria agredir fisicamente o indivíduo ao encontro de quem ia e que, caso fosse necessário, seriam usadas armas de fogo, com a finalidade referida em 9 e aderindo a esse «plano», acedeu, ao pedido do X, para que o transportasse, no seu veículo automóvel até ao Monte da Caparica.
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O X sabendo que o arguido AA possuía um revólver e uma espingarda automática, vulgo metralhadora, após tê-lo posto ao corrente da situação, nos termos referidos em 8 e 9, ficando o arguido AA ciente de que o X pretendia tirar desforço do indivíduo que ia procurar, agredindo-o, pediu ao arguido AA que colaborasse nos seus objectivos, usando a sua espingarda metralhadora, para lhe dar «protecção» e emprestando-lhe a ele o revólver, obtendo do arguido AA total concordância.
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O X, frisando que a pessoa que iria procurar normalmente andava acompanhada por 4 indivíduos, pediu, ainda, ao arguido AA que arranjasse alguém de confiança que pudesse colaborar e fornecer outro veículo automóvel, para assegurar o transporte até ao Monte da Caparica.
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Acedendo ao pedido do X, pelas 09:13 horas, o arguido AA contactou telefonicamente, o arguido FF - seu amigo e a quem tinha prestado serviços de segurança, num estabelecimento de diversão nocturna que explorou sabendo que o mesmo tinha um automóvel, pediu-lhe que o transportasse até ao Monte da Caparica, ao que este acedeu, combinando encontrarem-se de seguida.
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Nessa sequência, cerca das 09:30 horas, no estabelecimento comercial de café e pastelaria do arguido FF, na Amora, Seixal, este, o indivíduo X e os arguidos AA e EE encontraram-se, tomando aí o pequeno-almoço.
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O arguido AA informou, então, o arguido FF de que o X - que disse ser seu primo - pretendia ir ao Monte da Caparica, a fim de "dar um apertão" num indivíduo e de resolver um assunto e que ele (AA) o iria acompanhar, a fim de lhe dar protecção, em caso de necessidade, designadamente, se a situação se complicasse, pedindo-lhe que o transportasse no seu veículo automóvel; 16. Ao ser-lhe referido pelo arguido AA a eventualidade da situação poder complicar-se, o arguido FF previu que ia ocorrer confronto físico entre o X e o indivíduo que ia procurar e, não obstante, aceitou transportar o arguido AA.
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Após saírem do estabelecimento comercial do arguido FF deslocaram-se para uma oficina, sita em Foros da Amora, Seixal - local onde o arguido AA guardava a espingarda metralhadora -, sendo que: a) O arguido FF conduzia o seu veículo automóvel BMW, matrícula 00-00-00, transportando como passageiro o arguido AA; e b) O arguido EE conduzia o seu veículo automóvel Suzuki, matrícula 00-00-00, transportando como passageiro o indivíduo X; 18. Já na oficina, o arguido AA foi buscar a sua espingarda automática de calibre 7,62mm M.43, modelo AK-47, de origem na antiga União Soviética, com o número de Série A K5464, que se encontrava acondicionada numa caixa de cartão e a pedido do indivíduo X - após ter colocado a dita caixa com a espingarda automática, no veículo automóvel do...
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