Acórdão nº 06P2825 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelSANTOS CABRAL
Data da Resolução18 de Outubro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: O Ministério Público interpôs recurso da decisão condenatória proferida nos presentes autos no segmento em que condenou a arguida AA, pela prática de um crime de burla qualificada previsto e punido no artigo 217 nº1 do Código Penal, na pena de dois anos de prisão cuja execução foi suspensa pelo período de três anos.

A mesma decisão igualmente condenou cada um dos arguidos BB, CC, DD, e EE, pelo crime de burla agravada p.e. p. pelo artigo 217 e 218°, nºl do Código Penal, na pena de 2 anos e seis meses de prisão. Decidiu, ainda, o tribunal condenar o arguido EE, pelo crime de falsificação de documento, p.e.p. pelo artigo 256° nºl, alínea a) e nº3 do Código Penal na pena de seis meses de prisão.

Fazendo o cúmulo jurídico daquelas duas penas, por aplicação do regime prescrito nos arts. 77° e 78° do mesmo diploma o arguido EE foi condenado na pena única de 2 anos e oito meses de prisão.

As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da motivação de recurso onde se refere que: 1. Face aos factos assentes como provados a culpa da arguida AA é muito grave sendo o dolo muito intenso. Pelo que atendendo ao modo de execução do crime, reiterado no tempo, e às respectivas consequências, à ausência de confissão e de arrependimento sério, bem como à primo delinquência, a pena de 2 anos de prisão efectiva afigura-se justa, equilibrada e adequada; 2.Só um forte conjunto de circunstâncias diminuidoras da culpa, que não emergem do elenco dos factos assentes como provados, poderiam fazer esvair a forte censurabilidade e o elevado grau de ilicitude, sendo certo que não se vislumbra como possa realizar-se qualquer juízo de prognose favorável relativamente ao futuro da arguida.

  1. Dos factos assentes como provados não resulta que a conduta dos arguidos de nacionalidade romena constitua uma ameaça suficientemente grave para a ordem pública ou segurança nacional, pelo que o Tribunal " a quo" não deveria ter aplicado a sanção acessória da expulsão do território nacional; 4-A sê-lo, deveria o tribunal " a quo" fixar o prazo que vedasse aos expulsos a entrada em território nacional; 5. Resultando dos autos que os objectos apreendidos serviram para a prática de facto criminoso e que existe risco sério de voltarem a ser utilizados no cometimento de novos factos ilícitos típicos, devem os mesmos ser declarados perdidos a favor do Estado; 6. E deve o acórdão em crise determinar a restituição dos depósitos a quem efectuou as transferências bancárias e não concretizou o negócio; 7.0 acórdão recorrido violou o disposto nos artigos. 50°, 710 e 109 nº 1 do C.Penal, e o disposto nos artigos 101 nº3 e 105 do DL 244/98 de 8/8; Não foi produzida resposta pela recorrida AA.

O ExºMº Sr Procurador Geral Adjunto promoveu a designação dia para julgamento.

Os autos tiveram os vistos legais.

Cumpre decidir.

Em sede de decisão recorrida encontra-se provada a seguinte factualidade: 1- Os arguidos BB, CC, DD, e EE, cidadãos romenos, dispunham de conhecimentos e adequado equipamento informático que utilizaram até à sua detenção e apreensão pela Polícia Judiciária em diversos locais arrendados da cidade do Porto.

2- Publicitavam em diversos sites (www.Ebay.com, www.thequadworks.com e www.alibaba.com).

sob a capa de publicidade de uma empresa a que davam geralmente o nome de "Empresa-A", material informático, fotográfico, motos de água, motociclos e outros que suscitavam interesse pelos preços extremamente baixos e apelativas fotografias associadas, muitas vezes a um terço do valor praticado no mercado.

3- Outras vezes nos leilões "on-line" da ..., localizavam e entravam em contacto com licitantes oferecendo-lhes bens idênticos a que haviam mostrado interesse nos leilões, a preços irrecusáveis, ou faziam (na veste de compradores) aliciantes propostas de aquisição.

4- Captado o interesse do comprador ou do vendedor, passavam a trocar e-mails com informações detalhadas quanto aos bens a transaccionar e instruções sobre a forma como se deveria processar o envio de bens e o seu pagamento, encaminhando a vítima conforme o enquadramento da conversação mantida.

5- De todo o modo anunciavam que a entrega d os bens seria feita após boa cobrança, ou por transferência bancária para a conta que lhes era indicada ou pela via CTT - Westem Union.

6- Quando o pagamento era feito por transferência bancária, era canalizada para contas de Empresa-BlPorto ou de Empresa-C/Caminha, 7- Previamente aliciadas pela arguida AA, no sentido de disponibilizarem as suas contas bancárias a troco de "comissões", 8- Ou então para contas abertas sob falsa identidade pelos arguidos.

9- Aliás, o nome de FF enquanto beneficiária das transferências, era indicado como sendo a pessoa responsável p ela empresa vendedora (cfr. fls. 93), associada à Avenida 24 de Julho, nº 62, em Lisboa.

10- Quando, pela via da Westem Union, procedimento privilegiado pelos arguidos, os ofendidos enviavam o dinheiro para Portugal nos moldes que Ihes eram indicados, geralmente dirigidos a nomes estrangeiros, era a arguida AA quem (só ou acompanhada dos demais arguidos) tratava de levantar essas verbas nos CTT (geralmente de .../Matosinhos), onde lhe eram facilitados os procedimentos burocráticos, atendendo aos apertados condicionalismos que deviam ser impostos na identificação dos destinatários dessas transferências (cfr. procedimentos de fls. 2412 e ss).

11- Quando necessário, os arguidos credibilizavam a sua actuação ao solicitarem que o pagamento ou envio de bens fosse efectuado através dos sites www.secure-comerceService.com,www.escrowinc.net, entre outros, os quais anunciavam como idóneos, um meio de evitar as fraudes, protegendo não só os compradores como também os vendedores.

12- Tratava-se de sites de empresas que segundo os arguidos recepcionavam os bens e dinheiro enviado pelos contratantes, assegurando o seu cruzamento e que ambos chegariam ao seu destino.

13- Mas na realidade estes sites eram "dominados" pelos arguidos que a dada altura enviavam um e-mail confirmando a recepção do dinheiro ou dos bens na dita empresa, o que não correspondia à verdade, ordenando então aos lesados que enviassem dinheiro ou objectos via CTT para os nomes que lhes eram indicados nesta cidade do Porto, onde os Westem Union eram recebidos nos CTT e as encomendas contendo objectos na Residencial .. (onde habitava a arguida AA).

14- Analisado o site www.secure-comerceService.com pela Associação Portuguesa de Software, conclui-se que não dispõe das habituais credenciais tipo "Verisign" que atestam a legalidade do mesmo aos seus clientes e ao mesmo tempo o tomam um site seguro para receber transacções financeiras. O seu ISP (entidade que lhe aloja a página e/ou fornece os necessários serviços de Internet) é o Yahoo nos EUA - cfr. fls.672.

15- A arguida AA, recepcionista na Residencial "....", nº, 179, Porto, conheceu em meados de 2003 o arguido DD que ali esteve hospedado, conhecido por "...", estabelecendo relações de proximidade que permitiram ao arguido DD dar-lhe conta da descrita actividade no nosso país e solicitar-lhe a sua participação.

16- Por indicação do DD, a AA ficaria encarregue de angariar pessoas que disponibilizassem as suas contas bancárias para recepcionar transferências de dinheiro provindas de países estrangeiros e receber pessoalmente quantias em dinheiro provenientes do estrangeiro via Western Union nos CTT em Portugal.

17- A pós a recepção das transferências bancárias a arguida AA deveria providenciar, após cobrança de 10% para o titular da conta e de 10% para si própria, pela entrega de 80% ao DD, ou então proceder à sua entrega a quem o DD lhe indicasse.

18- O mesmo procedimento deveria adoptar relativamente às quantias que recebia via Western Union nos CTT - Correios, em nome de cidadãos estrangeiros.

19- Recebia também 10% sobre cada uma das ditas operações.

20- A partir de Maio/03, a AA foi sendo contactada pelos restantes arguidos que lhe solicitaram a sua colaboração dentro da mesma actividade a que todos estavam ligados.

21- Por outro lado a AA recebia envelopes contendo objectos na "Residencial ....", das quais dois envelopes - tipo saco - foram apreendidos no decurso da busca efectuada naquele local, endereçadas a indivíduos estrangeiros, por indicação do arguido BB, de quem recebeu € 100 (cem euros).

22- Os arguidos usavam os serviços dos CTT, na Rua ... - Matosinhos, dado que principalmente a testemunha GG, por conhecimento pessoal, permitia à arguida AA a recepção dessas quantias em dinheiro destinadas a cidadãos estrangeiros, mesmo sabendo que não estava para tal legitimada, dado não possuir documento de identificação ou procuração do destinatário.

23- Em finais de Setembro/03 e meados de Outubro/03 a Empresa-C foi contactada pela arguida AA no sentido de disponibilizar a sua conta bancária para recepcionar transferências de dinheiro oriundas de países estrangeiros a troco de uma "comissão".

24- A Empresa-C , desconhecendo a proveniência dessas verbas, apenas informada de que era dinheiro pertencente a um indivíduo de nacionalidade romena, acedeu a que a sua conta n°. 4180113526, na Empresa-C, agência de Caminha, fosse creditada de verbas que não lhe pertenciam, mas que se comprometia a entregar à AA nos moldes por esta determinados (cfI. fls. 749 e ss).

25- Nessa conta foram creditados os seguintes valores: - No dia 29.10.03 - € 3.989,01 (contravalor de USD 4.719,00), por ordem do Empresa-D, N.A., 555 Califómia Street, sacado sobre a conta do lesado HH (fls. 7, 755 verso e 764); - No dia 30.10.03 - € 1.867,66, por ordem do Empresa-E, 111 Wall Street, sacado sobre a conta da lesada II (fls. 8 e 755 verso e 767); - No dia 30.10.03 - € 4.266,55 (contrava1or de USD 5.055,24), por ordem do Empresa-F, 452 Fifth Avenue, sacado sobre a conta do lesado JJ (fls. 9 e 755 verso e 770); - No dia 05.11.03 - € 2.780,10, por ordem do .... Bank, 250 East 8th StreetlUSA (fls. 10 e 756 e 773); - No dia 12.11.03 - € 4.814,43, por ordem do Bank...

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