Acórdão nº 06P2930 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelPEREIRA MADEIRA
Data da Resolução12 de Outubro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA, BB e "... - Design Computorizado, Lda." - pessoa colectiva nº ..., todos devidamente identificados, foram acusados pelo Ministério Público e subsequentemente pronunciados:

  1. Os arguidos BB e AA, como co-autores, em concurso real, de 34 crimes de abuso de abuso de confiança fiscal, sendo 11 crimes previstos e puníveis, pelos artigos 24º nº1 do RJIFNA (Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras) - aprovado pelo Dec.Lei nº 20-A/90, de 15.1, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 394/93, de 24.11 e Decreto-Lei nº 140/95, de 14.6, e actualmente pelos artigos 105º, nº1 e 6º, do RGIT; 8 crimes previstos e punidos pelo art.º 24º nº1 e 4 do mesmo RJIFNA, ora p. e p. pelo art.º 105º nºs 1 e 6 do RGIT; e 15 crimes, p. e p. pelo art.º 105º, nº1 e 6 do RGIT.

  2. A Sociedade "... - Design Computorizado, Lda." nos termos do art.º 7º de cada um dos referidos diplomas (D.L. nº 20-A/90 e RGIT). Efectuado o julgamento, veio a ser proferida sentença em que, além do mais, foi decidido: A) - Como «questão prévia»· «Em relação á arguida "..., Lda.", resulta dos autos que a mesma foi já declarada falida, por sentença proferida nos autos nº .../2002, do 2º Juízo do Tribunal de Comércio de V.N. Gaia, datada de 23.9.03, e transitada em julgado em 24.11.03.

Tal decisão acarreta a dissolução da sociedade, nos termos do art. 141º, nº 1, al. e) do C. Soc. Com., ficando a mesma constituída em património autónomo tendente à satisfação das suas responsabilidades financeiras.

Não obstante o respectivo património ainda não estar totalmente liquidado (encontrando-se nos dizeres do Sr. Liquidatário judicial em fase de liquidação final), razão pela qual a empresa mantém a sua personalidade jurídica, tem esta efeitos limitados, tal como limitada é a sua capacidade jurídica, sendo agora representada pelo liquidatário judicial que lhe foi nomeado.

Ora tal como acontece com a morte de um indivíduo, que acarreta a extinção da respectiva responsabilidade criminal nos termos do art. 127º do C.P., entendemos que, por analogia, a declaração de falência acarreta a extinção da responsabilidade criminal da pessoa colectiva arguida da prática de um crime.

A adequação desta conclusão resulta ainda mais evidente ao verificar-se que a eventual condenação da arguida pelo crime imputado não teria qualquer consequência ao nível da sua actividade - cessada por efeito da declaração de falência - e que ao nível patrimonial os resultados da sua condenação em multa, originando uma responsabilidade económica ulterior à declaração de falência, seriam inconsequentes.

Assim, em razão da declaração da respectiva falência, julga-se extinta a responsabilidade criminal da arguida "..., Lda.", determinando-se o arquivamento dos autos em relação à mesma.» B) Quanto ao mais: Foi decidido julgar a acusação deduzida totalmente procedente, em razão do que foram condenados os demais arguidos, como autores materiais de um crime de abuso de confiança na forma continuada contra a Segurança Social, p. e p. pelos art.s. 7º e 107º, nº 1 do R.G.I.T, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5/6/2001, com referência ao art. 105º, nº 1 do mesmo diploma: 1- O arguido AA, na pena de 100 dias de multa, à razão diária de € 20, o que perfaz a pena de multa única de € 2.000; 2- O arguido BB, na pena de 100 dias de multa, à razão diária de € 20, o que perfaz a pena de multa única de € 2.000.

Discordando da decisão da falada questão prévia, dela interpôs recurso o Ministério Público, assim delimitando conclusivamente o objecto do seu recurso: «1° A sociedade ..., Lda. foi acusada pelo prática de 34 crimes de abuso de confiança fiscal, sendo 11 deles p. e p. pelos art.ºs 24°, n.º 1, do DGIFNA, aprovado pelo DL nº 20 - A/90, de 15.01, na redacção que lhe foi dada pelo DL n°394/93, de 24.11 e DL n°140/95, de 14.06, actualmente previsto pelos art. 105° nº 1 e 6 do RGIT, 8 deles p. e p. pelo art.º 24° nº 1 e 4 do RJIFNA, actualmente pelo art.º 105° nº 1 e 6 do RGIT e os outros 15 p. e p. pelo art.º 105° nº 1 e 6 do RGIT.

  1. Os factos em apreço remontam ao período compreendido entre Setembro de 1999 a Dezembro de 2002 e reportam-se, em síntese, à não entrega aos Cofres do Estado de impostos sobre o rendimento de pessoas singulares (IRS) relativos a rendimentos da categoria A, tendo procedido às respectivas retenções, conforme consta dos recibos de salários dos trabalhadores e à não entrega dos montantes de IVA que liquidou e declarou no referido período de tempo, num total de €84.651,76.

  2. Por sentença proferida no processo nº .../2002, do 2° Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, transitada em julgado em 24.11.2003, a sociedade arguida foi declarada falida.

  3. Nestes autos foi declarada extinta a responsabilidade criminal da sociedade ..., Lda. com o fundamento de que a mesma sociedade fora declarada falida, interpretando-se, deste modo, que a falência acarreta a extinção da responsabilidade criminal da sociedade tal como acontece com a morte de um indivíduo, por aplicação analógica do disposto no art. 127° do Cód. Penal.

  4. Salvo melhor entendimento, a interpretação conjugada das normas previstas no Cód. das Sociedades Comerciais, no CPEREF e actual CIRE, conduz a uma conclusão diversa.

  5. Com efeito, por força do disposto no art. 141°, nº 1, e), art. 146°, nº 2 e art. 160°, nº 2, todos do CSC, temos que as sociedades comerciais se dissolvem pela declaração de falência, mantendo a personalidade jurídica na fase da sua liquidação, considerando-se apenas extintas pelo encerramento dessa liquidação.

  6. Porém, de acordo com o disposto no art. 231°, 237°, nº 2 e art. 238°, nº 1, a) do CPEREF, o acordo extraordinário entre o devedor (sociedade falida) e a maioria dos credores, homologado pelo juiz no processo de falência, faz com que a sociedade previamente declarada falida por sentença transitada em julgado, recupere a disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios.

  7. A homologação deste acordo, depende da apreciação que o juiz deve fazer quanto à lisura e diligência da actuação do falido, e tratando-se de pessoa colectiva ou de sociedade, esta apreciação respeita à sua administração.

  8. Assim, não se compreenderia que a sociedade declarada falida viesse a conseguir a homologação do referido acordo, ou a reabilitação, passados 5 anos, quando na sua actividade anterior violou interesses penalmente protegidos, desviando quantias descontadas nos salários dos trabalhadores, que devia entrar nos cofres do Estado.

  9. Na mesma linha o GIRE aprovado pelo DL no 53/2004, em vigor desde 18/09/2004, continua a prever a possibilidade de a sociedade mesmo após ter sido declarada falida possa retomar a sua actividade comercial: "Baseando-se o encerramento do processo na homologação de um plano de insolvência que preveja a continuidade da sociedade comercial, esta retoma a sua actividade independentemente de deliberação de sócios"; Os sócios podem deliberar a retoma da actividade se o encerramento se fundar na alínea c) do nº 1 do art. 230°", conforme dispõe, respectivamente o nº 1 e nº 2 do art. 234° do citado Código. Ou seja, de acordo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
7 temas prácticos
7 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT