Acórdão nº 06P1933 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Julho de 2006
Magistrado Responsável | JOÃO BERNARDO |
Data da Resolução | 12 de Julho de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I - No Processo Comum nº .../03.9 PQLSB da ...ª Secção da ...ª Vara Criminal de Lisboa, sob acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento com intervenção do Tribunal Colectivo, entre outros, os arguidos: AA; BB e e CC.
E foram condenados nos seguintes termos: 1) A arguida AA, como reincidente, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelo art. 21º, nº 1 e 24, al.c) do Dec.-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-A e I-B em anexo, na pena de 9 anos e 8 meses de prisão e por um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 275/1/3 do C.Penal, em conjugação com o art. 4 do DL nº 48/95, de 15/3 numa pena de 5 meses de prisão; Em cúmulo, foi condenada na pena única de 9 anos e 10 meses de prisão; 2) O arguido BB pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº 1, e 25 do Dec.-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-A e I- B em anexo, na pena de 2 anos e 8 meses de prisão e por um crime de detenção ilegal de arma, na pena de 5 meses de prisão; Em cúmulo, foi condenado na pena única de 2 anos e 10 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 4 anos.
3) O arguido CC pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelo art. 21º, nº 1 e 24, al.c) do Dec.-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-A e I-B em anexo, na pena de 7 anos de prisão; II - Para o Tribunal da Relação de Lisboa, recorreram, com outro, os primeiro e terceiro arguidos e o M.ºP.º.
A Relação decidiu - quanto ao que agora importa - nos seguintes termos: "1 - Negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos/recorrentes, AA e CC.
2 - Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Mº.P.º e, em consequência: 2. 1 - Condenar a arguida, AA como autora, com a agravante da reincidência, da prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p.p. pelo artºs. 21 nº 1 e 24 - alínea c) do D.L. 15/93 de 22/01, na pena parcelar de 11 anos e 6 meses de prisão e, em cúmulo, com a pena de 5 meses de prisão, pela prática de detenção de arma proibida, p.p. pelo art. 275 nºs 1 e 3 do C.Penal, na pena unitária de 11 anos e 8 meses de prisão. ( onze anos e oito meses ) de prisão.
2.1 - Condenar o arguido, BB, como autor material da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo art. 21 nº 1 do D.L. 15/93 de 22/01, na pena de 4 anos de prisão. (quatro anos de prisão)." III - Recorrem agora os três ( BB, AA e CC) para este Supremo Tribunal de Justiça.
Vamos conhecer dos recursos pela sua ordem de interposição.
IV - Temos, portanto, em primeiro lugar, o recurso do arguido BB.
Conclui ele a motivação do seguinte modo: 1- Procedeu a ....ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa à requalificação jurídica dos factos praticados pelo ora recorrente BB, tendo entendido, contrariamente à 1 a Instância, serem estes susceptíveis de integrar a prática do crime de tráfico de estupefacientes do art. 21, n.º do DL 15/93 de 22/01 e não a do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, do art. 25 do DL 15/93 de 22/01.
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Defende o Recorrente que a incriminação definida pelo TRL padece de erro de enquadramento jurídico.
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Pois, na consideração dos factos em que o mesmo interveio e apurados em 1 a Instância, e na consideração dos critérios indicados pela da lei e da praxis judicial, afigura-se-lhe que a qualificação jurídico-penal operada pela 1 a Instância, em relação a si, não merece qualquer censura.
Na verdade; 4. O art. 25 do DL 15/93 de 22.01, pressupõe em referência ao tipo fundamental (art. 21) que a ilicitude do facto se mostre " consideravelmente diminuída" em razão das circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas no caso concreto, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou quantidade dos produtos.
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Deste modo, a essência da distinção entre os tipos, fundamental e privilegiado, encontra-se ao nível da ilicitude do facto.
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A diversificação dos tipos apenas conforme o grau da ilicitude com imediato e necessário reflexo na moldura penal, não traduz afinal, senão a resposta às realidades diferenciadas, de grande tráfico, médio tráfico e pequeno tráfico.
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Ora, a imagem global dos factos imputados ao recorrente, aponta para uma situação de pequena escala, pouco duradoura, circunscrita ao bairro onde o recorrente reside.
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Por outro lado, a quantidade de produto estupefaciente detido pelo recorrente - "duas embalagens de plástico transparente com heroína no peso líquido total de 9,389 gramas" - é de alguma relevância, mas por si só não pode afastar uma situação de tráfico de menor gravidade, uma vez que no art. 96 da sentença de 1 a Instância, relativamente ao ora recorrente, vem como assente o seguinte:" Iniciou-se no consumo de substâncias psicoactivas numa fase adulta, ao longo do tempo tem passado por períodos de contenção alternados por período de consumo activo". Donde, da conjugação destes dois factos, não é possível retirar uma conclusão quanto à destinação da totalidade ou de parte deste produto, se para consumo, se para cedência a terceiros.
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Por outro lado, o Tribunal da Relação de Lisboa, para a requalificação jurídico-penal da conduta do arguido BB, estribou-se no seguinte: " In casu, em relação os supra referidos arguidos conclui-se que os "mesmos não eram vendedores de rua e desenvolveram uma actividade pouco duradoura e desenvolveram uma actividade pouco duradoura, quase pontual nalguns casos, como a DD e o EE,( ... )"- 10. Ora esta conclusão que o TRL extraiu da sentença de 1 a Instância e que serviu para fundamentar a requalificação não é exacta, uma vez que o Tribunal de I a Instância não conclui que o arguido BB não é vendedor de rua, dizendo algo distinto, como se passa a transcrever: " Claro está que é distinta a situação dos arguidos FF, GG, HH e II, todos eles consumidores e típicos vendedores de rua, da situação do BB que está no meio termo e dos arguidos LL, DD, JJ e EE que não sendo vendedores de rua, desenvolveram uma actividade pouco duradoura, quase pontual nalguns casos, como a DD, o EE e o JJ. " 11. Denota-se ainda que quanto à avaliação da conduta do recorrente levada a efeito pelo TRL, no seu acórdão, a fls 103: " ( ... )0 modo de execução daqueles revelou-se sofisticado" trata-se de um excesso conclusivo, que não tem fundamento nos factos assentes por provados, no que respeita ao ora recorrente, sendo certo que só estes são os únicos que permitem caracterizar a sua conduta e consequentemente enquadrá-la juridicamente.
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A factualidade imputada ao recorrente, conjuga-se para que se considere como consideravelmente diminuída a ilicitude do facto e deste modo, os factos apurados integram todos os elementos objectivos e subjectivos da autoria pelo arguido de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. no art. 25 a) do DL 15/93 de 22.1, 13. Face á alteração do correspondente enquadramento jurídico-penal dos factos, que o recorrente reclama com o presente recurso, na figura criminal do tráfico de menor gravidade, terá que ser à sua luz que a medida concreta da pena terá de ser resolvida. 14. Neste contexto, entendemos que a pena aplicada ao recorrente pelo Tribunal de Ex.ª 9 Instância, de 2 anos e 10 meses de prisão, foi a justa e adequada em consideração das concretas circunstâncias do caso, satisfazendo as exigências de prevenção geral impostas pela natureza dos valores afectados e pela intensidade da violação de tais valores.
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- Dispõe o art. 50, n. º 1 do CP, que a pena de prisão aplicada em medida não superior a três anos deve ser suspensa se, " atendendo á personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição" 16. Ora são juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, permitem fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas.
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Por outro lado, nos termos do n .° 1, do art. 50 do CPP, deve a suspensão da execução da pena ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos.
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No contexto das orientações acima apontadas, há que ponderar o facto de o recorrente não ter antecedentes criminais, ter 43 anos e sofrer hoje de graves problemas de saúde, o que obrigou ao seu internamento no hospital de Santa Maria entre o dia 18/02/2006 e 24/0212006, tendo-lhe sido diagnosticado claustrofobia, HVC com doença hepática crónica, VIH, imunodepressão grave. Cfr doc nº 1- vive com a família, composta pela mulher e dois filhos menores, sempre se ter dedicado á venda ambulante, á data dos factos consumir produtos estupefacientes, mas encontrar-se hoje abstinente.
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Pelo que somos do entender, que bem andou o Tribunal de 1.ª Instância ao suspender execução da pena ao recorrente, pois todos os elementos aduzidos são de natureza a formular um juízo de prognóstico favorável sobre a condução da vida do recorrente no futuro, sendo que a simples ameaça da pena será suficiente para prevenir a reincidência, realizando a finalidade da prevenção especial.
Nestes termos e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, requer-se que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido e consequentemente, seja o recorrente condenado pela prática de um crime p. e p. no art. 25, alínea a), do Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão, a qual de acordo com o disposto no art. 50. n.º1 do Código Penal, fique suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, como mui doutamente havia decidido o tribunal de 1 a Instância.
Respondeu o Digno...
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