Acórdão nº 05P064 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelSORETO DE BARROS
Data da Resolução21 de Junho de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

RELATÓRIO.

  1. Da acusação e ulteriores termos da parte crime.

    Nestes autos de processo comum, que correram termos em 1.ª instância no Tribunal da Relação de Coimbra, dada a qualidade de juiz de direito do arguido AA ao tempo dos invocados factos, o assistente BB deduziu acusação contra aquele, imputando-lhe, em autoria material, a prática de um crime de difamação, previsto e punido pelos artigos 180.º, n.º 1, e 183.º, n.º 1, als. a) e b), do Código Penal, alegadamente cometido em 1998 . (fls. 76/80) O Ministério Público acompanhou tal acusação, imputando, contudo, ao arguido a autoria material de um crime previsto e punido pelo artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal . (fls. 91/94) O arguido requereu a abertura de instrução . (fls. 105/107) Entretanto, ao abrigo dos artigos 7.º, al. d), da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio, e 127.º e 128.º, n.º 2, do Código Penal, por despacho judicial de 12 de Julho de 1999, entretanto transitado em julgado, foi declarado amnistiado o procedimento criminal contra o arguido (fls.

    135v.

    ), extinguindo-se então a instância crime nos presentes autos.

  2. Do pedido de indemnização cível e ulteriores termos da parte civil.

    O assistente/demandante deduziu pedido de indemnização cível contra o arguido/demandado no qual concluiu pedindo a condenação deste no pagamento àquele da quantia de 5 000 000$00 (cinco milhões de escudos), acrescida de juros à taxa legal, desde a notificação do pedido indemnizatório até integral e efectivo pagamento.

    Como fundamento do seu pedido, sustentou em síntese, que o demandado produziu afirmações ofensivas da honra e consideração do assistente/demandante na petição inicial constante dos autos de acção ordinária n.º 63/98, distribuídos ao 3.º juízo do Tribunal Judicial do Círculo de Coimbra.

    Em concreto, alega que em tal peça processual o demandado imputa ao ora assistente/demandante a publicação, em jornal de que este era então proprietário e director, de um artigo "encomendado" por alguém que "vendeu" uma história, revelando tal artigo um total desprezo pela honra e consideração do demandado, um comportamento grave, ignóbil, chocante e revoltante.

    Sustenta ainda que as indicadas afirmações do demandado atingiram amplas camadas de pessoas, sendo que o assistente/demandante tem uma vida social intensa e com tais afirmações teve um considerável sofrimento psicológico, nomeadamente vergonha e humilhação, sentindo um "apoucamento" do seu nome e do seu sentimento de dignidade pessoal . (fls. 84/90) Notificado da extinção do procedimento criminal em virtude da respectiva amnistia, o assistente requereu o prosseguimento do processo para apreciação do referido pedido indemnizatório, nos termos do artigo 11.º, n.º 4, da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio . (fls. 136) Notificado do indicado pedido de indemnização cível contra si deduzido nestes autos, o demandado indicou prova e deduziu contestação, na qual, em síntese, alegou que na peça processual em causa não imputou ao ora assistente/demandante factos ofensivos da honra e da consideração deste, apenas tendo pretendido sustentar a falta de cumprimento do dever deontológico de informar, na medida em que o artigo publicado contém factos que não correspondem à verdade e foram impingidos por alguém.

    Referiu ainda que na petição inicial em causa teceu juízos conclusivos, os quais traduzem o normal e legítimo exercício do direito de crítica objectiva . (fls. 161/165) Entretanto, o Tribunal recorrido deprecou a inquirição de testemunhas residentes fora do círculo judicial de Coimbra .

    (fls. 180) Inconformado com o despacho que ordenou tal inquirição, o demandado dele recorreu, apresentando as seguintes conclusões: "1.ª O despacho recorrido, ao deprecar aos referidos tribunais de 1.ª instância a inquirição das mencionadas testemunhas, remeteu para estes tribunais a parte mais significativa da fase de instrução da audiência de julgamento do presente processo (cfr. art. 318.º, n .º 4, do CPPenal).

    1. Contudo, resulta das acima transcritas, na parte -I- , normas ter a lei, em atenção às funções que os juízes de direito exercem, atribuído a competência para a prática dos actos processuais a que as referidas disposições aludem, nomeadamente o julgamento dos processos penais, a tribunais superiores, como sejam os tribunais das relações.

    2. Daí que, nos processos aludidos nas transcritas disposições, a fase processual do julgamento in toto tenha de ficar, naturalmente, a cargo dos tribunais das relações, sendo os tribunais de 1.ª instância absolutamente incompetentes para realizarem uma parte da audiência de julgamento.

    3. Assim, pode-se concluir com segurança que o despacho recorrido, ao ter deprecado aos tribunais de comarca a referida produção de prova respeitante à audiência de julgamento, deu origem à nulidade prevista na alínea e) do artigo 119.º do CPPenal - a qual se argúi expressamente - que torna inválidas as inquirições de testemunhas efectuadas pelos referidos tribunais.

    4. O Exm.º relator, subscritor do despacho recorrido, Dr. CC, não se submeteu ao "concurso curricular" de "recrutamento" ou habilitação exigido pela Lei Fundamental.

    5. Ora, a alínea f) do n.º 1 do artigo 88.º do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, dispõe que: "são nulas [...] as deliberações que nomearem funcionários sem concurso, a que faltem os requisitos exigidos pela lei, com preterição de formalidade essenciais ou de preferências legalmente estabelecidas".

    6. Sendo que a transcrita norma é, em sede de direito administrativo, aplicável "aos actos de todos os órgãos da Administração pública portuguesa" (Freitas do Amaral, Direito Administrativo, vol III, Lisboa, 1989, pág. 333), como seja o CSM.

    7. As referidas deliberações também são nulas ex vi do n.º 1 do artigo 133.º do Código de Procedimento Administrativo (doravante CPA).

    8. "O acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade" (artigo 134.º, n.º 1, do CPA).

    9. Assim, a nomeação do Exm.º relator, como juiz do Tribunal da Relação de Coimbra, é nula.

    10. Perante a nulidade da dita nomeação, o mesmo relator subscritor do despacho recorrido, não chegou a adquirir a qualidade de juiz "[...] dos tribunais judiciais de segunda instância" (artigo 215.º, n.º 3, da Constituição).

    11. Consequentemente, apenas profere decisões, a non judice e, como tal, inexistentes.

    12. Daí que o despacho recorrido, proferido pelo Exm.º relator e subscritor do despacho recorrido, individualmente, ou pela Secção de que faz parte, seja inexistente.

    13. As normas legais supra-indicadas, na parte -II-, são inconstitucionais.

    Pedido Pelo exposto, deverá ser declarada a aludida inexistência, ou, quando assim se não entenda, deverão ser declaradas as apontadas nulidades, nomeadamente as previstas nas alíneas a) e e), do artigo 119.º do CPPenal, e, em consequência, declarados inválidos, quer o despacho recorrido, quer as inquirições efectuadas pelos tribunais de comarca". (fls. 212/226) Tal recurso foi admitido, a subir com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa . (fls. 329v.) Finalmente, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, sem a presença do demandado.

    Por acórdão de 27 de Outubro de 2004, "a Relação de Coimbra julgou o pedido cível improcedente, por não provado, dele absolvendo o demandado . (fls. 675/684) Inconformado com o referido acórdão, dele interpôs recurso para este Supremo Tribunal o demandante, concluindo a respectiva motivação nos seguintes termos: "I - O demandado proferiu, na petição inicial constante dos autos da acção ordinária n.º 63/98, que corre termos no 3.º juízo do Tribunal Judicial do Círculo de Coimbra, 'de forma livre, voluntária e consciente' afirmações que ofenderam a honra e consideração do Demandante e que lhe causaram 'sofrimento psicológico' .

    II - O Tribunal a quo absolveu o Demandado com o argumento de que as expressões 'não tiveram qualquer escrúpulo', 'ignóbil' e a imputação e que a notícia foi 'encomendada', 'vendida', eram indispensáveis para a defesa da acção n.º 63/98.

    III - A referida venda/encomenda da notícia não consta no elenco da matéria dada como provada.

    IV - Também não foi dado como provado que existiam fundamentos sérios para, em boa fé, o Demandado reputar como verdadeiro tal negócio.

    V - Dado o contexto existente, e o restante teor da peça processual em causa, a invocada ambiguidade dos vocábulos difamatórios, pelo facto de terem sido empregues aspas, carece de fundamento.

    VI - É patente que o demandado imputa ao Demandante a publicação de uma notícia que este, alegadamente, saberia não corresponder à verdade.

    VII - Comentários e juízos subjectivos como 'ignóbil' ou 'não ter escrúpulos' não fazem parte de qualquer causa de pedir, sendo antes, pura e simplesmente, insultos gratuitos que em nada contribuem para o sucesso da acção.

    VIII - No caso em apreço as expressões utilizadas tinham natureza claramente difamatória que o Demandado, dada a sua condição de juiz, não podia de modo algum ignorar.

    IX - O Tribunal recorrido interpretou e aplicou incorrectamente as seguintes disposições legais: art. 180.º do Código Penal e art. 154.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

    Termos em que deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que, dando provimento ao presente recurso, condene o Demandado a pagar ao Demandante a quantia de € 24 939,89 (vinte e quatro mil novecentos e trinta e nove euros e oitenta e nove cêntimos), de acordo com as razões de facto e de direito alegadas no presente recurso" .

    (fls. 689/694) Devidamente notificado para o efeito, o demandado não apresentou resposta ao indicado recurso.

    No despacho preliminar, o relator foi de entendimento que o recurso intercalar não devia ser conhecido e o recurso da decisão final devia ser rejeitado, por manifesta improcedência, e, em consequência, colhidos os vistos, os autos foram à conferência (art.s 417.º, n.º 3, als. a) e c), 419.º, n.º 4, als. a) e c), e 420.º, n.º 1, do Código de Processo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
2 temas prácticos
2 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT