Acórdão nº 06P120 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Abril de 2006
Magistrado Responsável | JOÃO BERNARDO |
Data da Resolução | 27 de Abril de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I - Na 8.ª Vara Criminal de Lisboa foram julgados, com outros, os arguidos: AA, BB, CC Tendo sido condenados: O AA, pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº 1, do DL nº 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-C, anexa ao citado diploma legal, e ao art. 26º do CP, na pena de 6 (seis) anos e 10 (dez) meses de prisão.
Os outros dois, pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº 1, do DL nº 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-A, I-B e I-C, anexas ao citado diploma legal, e ao art. 26º do CP, nas penas, respectivamente, de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão e 7 (sete) anos de prisão.
O arguido BB ainda pela prática de um crime p. e p. pelo art. 275º, nº 4, do CP, na pena de 8 (oito) meses de prisão e, em cúmulo jurídico com a do crime de tráfico, na pena única de (7) sete anos e 10 (dez) meses de prisão.
Mais se decidiu, sempre na parte que agora importa: - Condenar a arguida CC a pagar ao Estado o montante de 8895,91 euros correspondente aos valores depositados na conta bancária referida em 11 dos factos provados, dado que tal montante não foi apreendido e a conta encontra-se cancelada (art. 36º/4/5, do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro); II - Inconformados, recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, entre outros, os referidos três arguidos.
A Relação, porém, julgou todos os recursos improcedentes, confirmando a decisão de primeira instância.
III - Recorrem agora para este STJ os mesmos três referidos arguidos.
Vamos começar pelo recurso do AA IV - Conclui ele a respectiva motivação do seguinte modo ( folhas 8174 ): 1. O acórdão do Venerando Tribunal da relação está ferido de nulidade, nos termos do art. 379°, al. b) do CPP 2. Com efeito, vem confirmar a condenação do ora recorrente, fundamentando a sua decisão em factos pelos quais não foi pronunciado nem condenado em 1ª instância, fora dos casos dos art. 358° e 359° do CPP 3. Do acórdão não se afere quais os critérios que determinaram a autonomização dos diferentes graus de culpa em função das diferentes substâncias estupefacientes.
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Trata-se de um vício que resulta do próprio texto da decisão recorrida, nos termos do art. 410º do CPP.
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Como tal deverá este acórdão ser rectificado, alterado, de modo a suprir a referida nulidade.
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Em conformidade terá de ser também alterado o acórdão da 1ª instância no sentido de adequar convenientemente a moldura penal a aplicar ao arguido AA, diferenciando o grau da sua culpa em relação aos demais arguidos, sobretudo a CC e BB.
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Entende o arguido e, a nosso ver, bem, que 2 meses não podem diferenciar o grau de culpabilidade e dolo em relação a arguidos que vêm acusados de traficar haxixe e outros que são acusados de traficar, também, heroína e cocaína.
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O Tribunal de 1ª instância condenou o arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21° nº 1 do D.L. 15/93, na pena de seis anos e dez meses de prisão.
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Esta condenação tem como base factos provados com recurso ao princípio da livre convicção do julgador e ao conhecimento da vida e das regras de experiência comum.
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Considera o arguido ter ficado prejudicado face à deficiente investigação (não foram colhidas as impressões digitais como competia, ao inverso do que aconteceu com os demais arguidos).
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Ainda assim, o presente recurso circunscreve-se à fixação da medida da pena, comparativamente com a sua co-arguida CC, o que resultou numa gravíssima injustiça relativa.
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A arguida CC foi condenada, também pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21 ° do D. L. 15/93, na pena de sete anos de prisão.
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Os factos dados por provados pelo Tribunal de 1ª instância relativamente a cada um destes arguidos são consideravelmente diferentes no que toca, quer à participação, envolvimento, manuseamento, consequências e substâncias em causa.
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As consequências dos factos praticados pelo arguido AA foram consideradas "não graves" e as da arguida CC foram consideradas de "assinalável gravidade".
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A arguida CC, segundo o acórdão ora recorrido, tinha uma participação activa e um conhecimento profundo no negócio da droga da família Cardoso, sendo até considerada como uma verdadeira "patriarca".
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O arguido AA foi considerado um correio de droga (haxixe), sem qualquer intervenção no manuseamento, guarda, preparação, venda ou distribuição ao consumidor, ao contrário do sucedeu com a arguida CC 17. A arguida CC é acusada de se dedicar ao tráfico, também de heroína e cocaína, ao contrário do AA que só vem condenado pela substância denominada haxixe.
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Resulta, à saciedade, que o desvalor das condutas destes dois arguidos é completamente distinta e tal ; facto tem de ser espelhado na graduação das suas penas.
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Mas tal não aconteceu!!! A arguida CC, apesar dos factos e circunstâncias que a rodeiam, apenas vê a sua pena agravada em dois meses relativamente ao arguido AA! 20. Ora, numa moldura penal que se situa entre os 4 e os 12 anos de prisão, tão diferentes participações, terão de espelhar graduações bastante diferentes, sob pena de haver uma grave injustiça relativa.
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Entende o recorrente que não são 2 meses que estabelecem a diferença. Caso contrário, o crime compensa! 22. Relativamente à arguida CC, a pena de 6 anos e 10 meses de prisão aplicada ao arguido AA é incompreensível, bastante gravosa e desproporcionada.
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Além de que, ao contrário da arguida CC, ao arguido AA era conhecido modo de vida lícito, ou seja, trabalhava numa serigrafia onde era considerado como um bom trabalhador.
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Acresce ainda que o arguido AA é de nacionalidade espanhola e raramente recebe visitas da família, o que torna a sua reclusão mais dolorosa em relação a qualquer cidadão português que receba as visitas normais.
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Violou, assim, o Tribunal de 1' instância, os arts. 40°, nº 1 e 2 e 71 °, nº 1 e 2 do Código Penal, na medida em que a decisão foi desajustada ao caso concreto, ultrapassando, em larga escala, a medida da culpa e todas as circunstâncias da acção.
Termos em que, face ao exposto, deve ser concedido provimento ao recurso ora interposto, A) Rectificando-se a decisão ora recorrida e, consequentemente, sanando-se a nulidade de que enferma; B) Em consequência o resultado será necessariamente a diminuição considerável da pena aplicada ao arguido AA, de modo a sanar-se a injustiça relativa criada pelo acórdão ora recorrido.
Respondeu o Ex.mo Procurador Geral- Adjunto na Relação de Lisboa ( folha 8240 e seguintes). Entendeu que o acórdão recorrido não merece qualquer censura, nomeadamente a pretendida no recurso.
V - Ante o conteúdo das conclusões da motivação, as questões que se nos deparam cifram-se em saber se: O acórdão recorrido é nulo: Por excesso de pronúncia em virtude de ter tido em conta factos não constantes da pronúncia e da condenação em 1.ª instância; Por omissão de pronúncia por não ter indicado os critérios que determinaram os diferentes graus de culpa; Esta diferenciação não deve ter lugar do modo que teve, relativamente ao recorrente, nomeadamente em cotejo com o que se passou relativamente à arguida CC; Houve deficiente investigação dos factos por que foi condenado; VI - Das instâncias vem provado o seguinte, ainda na parte que agora nos interessa: 1 - O arguido BB, desde data não exactamente apurada, tem-se dedicado à importação, para território nacional, de significativas quantidades de substâncias estupefacientes, nomeadamente, cocaína, heroína, e haxixe, as quais, posteriormente, comercializa em território nacional e, em particular, no Bairro do Zambujal, na Buraca/Amadora, onde reside, 2 - Para fazer chegar aqueles estupefacientes a quem os adquire para consumo, o arguido BB contava com a colaboração, entre outros, dos seguintes arguidos: - BB, seu filho; - CC, sua filha; - EE, conhecido por "Malocas", companheiro da arguida FF; - GG; e - HH.
3 - No âmbito da aludida colaboração, cabia aos arguidos BB e CC, entre o mais, providenciar no sentido: a) - de que as grandes quantidades de estupefacientes encomendadas e adquiridas pelo arguido BB chegassem (vindas, o mais das vezes, de Espanha/Sevilha) ao Bairro do Zambujal, na Buraca/Amadora, sem serem detectadas pelas autoridades policiais, tarefa que também cabia ao arguido EE b) - de que aqueles estupefacientes fossem ali armazenados, tarefa que também cabia à arguida GG preparados, pesados, embalados em doses individuais, e, em seguida, vendidos, tarefa que também cabia à arguida HH, aos que os consomem, na maior parte dos casos, toxicodependentes; 4 - A venda era assegurada, naquele bairro, entre outros, pelos arguidos II e HH; 5 - Os arguidos BB e CC, agiam quanto à aquisição da heroína, cocaína e haxixe, ao seu transporte, armazenamento e guarda, à sua preparação, ao seu embalamento em doses individuais e à venda destas ao consumidor; 6 - o arguido EE agia quanto ao transporte daquelas substâncias; 7 - a arguida GG quanto ao seu armazenamento e guarda; 8 - e os arguidos HH e II quanto à venda ao consumidor, de modo regular, organizado, previamente concertado, e conjugando, entre si, esforços e vontades; 9 - A aquisição dos estupefacientes em referência, assim como o seu transporte até território nacional decorria sob a superintendência do arguido BB, contando este, para aqueles efeitos, em primeira linha, com a colaboração, entre outros, dos arguidos BB, EE, e CC; 10 - Foram apreendidos à arguida CC, os seguintes bens: a)- o telemóvel, de cor cinza e preto, da marca "SENDO", modelo S200, com o IMEI 0000000000, em razoável estado de conservação e funcionamento, avaliado em 10 euros; b)- a viatura automóvel, com a matrícula 00-00-00, da marca "B.M.W.", de cor cinzenta, em razoável estado de conservação e funcionamento, cujo preço de compra ascende a 20.997 euros; c)- uma viatura automóvel, com a matrícula 00-00-00, de cor cinzenta, da marca "FORD"...
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