Acórdão nº 06P478 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelSANTOS MONTEIRO
Data da Resolução29 de Março de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em audiência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça : Em processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo , sob o n.º .../04 .OJELSB , da ....ª Vara Criminal-3.ª Sec. , foram submetidos a julgamento : AA e BB , vindo , a final , a ser condenados como co-autores de um crime de tráfico de estupefacientes , p . e p . pelo art.º 21.º n.º 1 , do Dec.º - n.º Lei n.º 15/93, de 22/1, nas penas de 6 anos e 6 meses de prisão e 5 anos e 6 meses de prisão, respectivamente .

  1. Inconformados com o teor do decidido , interpuseram recurso para a Relação de Lisboa , que lhes negou provimento , confirmando-se o acórdão recorrido .

    II . Ainda irresignados intentaram recurso para este STJ , apresentando o arguido BB , na motivação , as seguintes conclusões : Ocorre falta de exame crítico dos documentos respeitantes às transcrições das escutas como à matéria de facto dada como não provada nas als . E ) e F) e matéria de facto dada como provada nomeadamente nos n.ºs 1 , 3 e 25 , 29, 30 , 31 e 34 , do acórdão de 1.ª instância .

    As provas para condenar o recorrente fundam-se essencialmente em escutas telefónicas e nos três panfletos de cocaína .

    Não foi inquirida qualquer testemunha que tenha afirmado algo concreto respeitante ao crime imputado , a não ser o inspector N... C... , que se limitou a fazer interpretação subjectiva das escutas , sem recorrer a conhecimento directo , a não ser a audição das escutas .

    Essa interpretação não pode passar de mera cogitação e não de meio de prova.

    Poderá ter sido utilizada linguagem cifrada e as palavras terem um sentido mais ou menos igual àquele que lhes é próprio , mas sem a investigação de outros elementos , designadamente sobre o modo de vida do recorrente , sinais exteriores de riqueza , apreensões de droga na posse do recorrente , balanças , moinhos , vigilâncias , são insuficientes para conotar o arguido com o tráfico de estupefacientes , qualidades e qualidade .

    O acórdão recorrido padece do vício previsto no art.º 410.º n.º2 a) , do CPP .

    O depoimento do depoimento não devia ter sido valorado pois se limitou a meras convicções pessoais , nos termos do art.º 130.º n.º 2 a) e b) , do CPP , não tendo conhecimento directo dos factos , a não ser como ouvinte das escutas , sem conhecimento directo dos factos .

    Apesar de o tribunal ser livre na apreciação da prova , nos termos do art.º 127.º , do CPP , o tribunal deverá explicar o modo como chegou a certa conclusão , não fornecendo o acórdão de que se recorre qualquer justificação sobre o modo como a prova foi apreciada , nos termos do art.º 127.º , do CPP .

    A actividade desenvolvida foi -o , não em termos de co-autoria , mas de forma autónoma , tanto mais que durante cerca de um mês não se registou qualquer intercepção telefónica entre ambos os arguidos e nem vigilância , pelo que foi violado o art.º 26.º , do CP , bem como o disposto nos art.ºs 32.º n.ºs 1 e 5 , da CRP .

    A admitir -se que o arguido traficou não podiam ser grandes as quantidades , se na óptica do tribunal " 3 parafusos " , " 6 pastéis de nata " e " bolo de aniversário " se referiam a droga e qual .

    Mesmo a ser droga dura o comportamento do arguido não pode deixar de enquadrar-se no art.º 25.º n.º 1 , do Dec.º-Lei n.º 15/93 , de 22/1 .

    A droga encontrada não estava dissimulada , levando a concluir que não usou de artimanha , característica do traficante , que tem o cuidado de utilizar estratégias de disfarce e policiamento para dissimular o produto .

    Os montantes económicos advindos da droga seriam baixos , constatando os sinais exteriores de riqueza e o dinheiro apreendido , mostrando-se a acção e o grau de ilicitude consideravelmente diminuído , devendo o tribunal convolar a conduta do arguido para o crime p. e p. pelo art.º 25.º , do Dec.º -Lei n.º 15/93 , de 22/1 .

    Mesmo considerando-se que incorreu na prática do crime tem de entender-se que a ilicitude se mostra diminuída atendendo ao período de duração do tráfico , por 3 meses , considerando-se a alteração sofrida da matéria de facto , desenvolvendo-se essa actividade de forma rudimentar , na forma de tráfico nocturno , de rua , venda de panfletos , ao que concorre a estabilidade da profissão e da família , devendo a pena baixar , com o que a Relação , não fazendo incorreu na violação do princípio da " reformatio in pejus " .

    A pena deve situar-se ao nível do mínimo assegura as razões de prevenção geral e especial .

    A não se entender assim mostram-se violados os preceitos dos art.ºs 70.º , 71.º n.º 2 , do CP e 409.º n.º 1 , do CPP .

    Conclusões do recurso interposto pelo arguido AA : A pena em que foi condenado é superior em 1 ano à que foi condenado o co-arguido BB .

    Não existe qualquer grau de hierarquia entre os arguidos , mas apenas colaboração entre ambos .

    Não existe qualquer diferenciação de ilicitude entre ambos , porque ambos concorriam , em colaboração , para o mesmo fim comum .

    Não deviam os arguidos ser condenados em penas distintas , sendo a decisão recorrida infractora do princípio da igualdade , consagrada no art.º 13.º , da CRP .

    A pena não deverá ser superior a 5 anos e meio de prisão .

    Deve revogar-se , pois , o acórdão recorrido .

  2. Neste STJ a Exm.ª Procuradora Geral -Adjunta requereu a designação de dia para o julgamento .

  3. Colhidos os vistos legais , cumpre decidir , considerando-se o seguinte factualismo provado em audiência de julgamento : Os arguidos AA e, BB vinham colaborando, entre si, no fornecimento de uma substância estupefaciente, vulgarmente conhecida por cocaína, a consumidores dessa substância, na zona de Lisboa.

    Os arguidos AA e BB exerceram tal actividade, pelo menos, no período que decorreu entre Janeiro de 2004 e o início do seguinte mês de Junho ( Anote-se que a Relação alterou este facto circunscrevendo-o ao período compreendido entre 3 de Março e 1 de Junho de 2004 ) .

    Era o arguido AA quem fornecia ao arguido BB a cocaína, embalada em doses individuais, que este, em seguida, fazia chegar aos consumidores.

    Para efectuar as entregas das embalagens, contendo a aludida substância narcótica, aos consumidores que, por telefone, lhas encomendavam, o arguido BB deslocava-se na viatura/ táxi, por si explorada.

    O arguido BB era por aqueles contactado, na maior parte das vezes, durante a noite - sendo, igualmente, durante a noite que as embalagens, contendo doses individuais de cocaína, lhe eram entregues pelo arguido AA.

    A cocaína que o arguido AA obtinha, tendo em vista a sua posterior venda, em doses individuais, a consumidores, era por ele guardada no restaurante/bar denominado "A...", sito na Rua D. ...., 6 D, em Lisboa, estabelecimento comercial esse que vinha explorando.

    Era, igualmente, nesse restaurante/bar que o arguido AA procedia à preparação, pesagem, e embalamento, em doses individuais, do referenciado produto estupefaciente.

    Acresce que aquele restaurante/bar era, ainda, o local onde o arguido BB, habitualmente, se dirigia para obter a cocaína, embalada em doses individuais, que o arguido AA lhe fornecia e que, em seguida, o primeiro fazia chegar, nos termos descritos, a consumidores que lhas encomendavam.

    Nas conversas telefónicas que os AA e BB mantinham, entre si, para combinar o fornecimento, do primeiro ao segundo, das aludidas embalagens contendo cocaína, aqueles usavam expressões como "parafusos", "martelo", "pastéis de nata", "pneus" e "bolos de aniversário", para se referirem a tais embalagens.

    Perante as consistentes indicações que implicavam os arguidos AA e BB no tráfico de estupefacientes, nos termos descritos, foi preparada uma operação policial, que veio a ser executada no dia 01/06/2004, a qual incluiu a realização de uma busca no restaurante/bar acima referenciado, explorado pelo arguido AA.

    No decurso dessa busca foi ali encontrado o seguinte: - dentro de um cofre: - 5 sacos, em plástico, contendo, cada um deles, um produto em pó, com o peso liquido de 247,380 gr., em cuja composição figura uma substância denominada cocaína (cloridrato), estando esta incluída na tabela I-B, anexa ao Dec.-Lei 15/93, de 22 de Janeiro e 1 saco, em plástico, contendo 6 pequenas embalagens, também em plástico, contendo, cada uma deles, um produto em pó, com o peso líquido de 3,319gr., em cuja composição figura uma substância denominada cocaína (cloridrato), estando esta íncluida na tabela 1-B, anexa ao Dec.-Lei 15/93, de 22 de Janeiro (tudo com o peso líquido total de 250,699 gr.) - 1 caixa de um produto farmacêutico, comercializado sob a marca "R...", com 9 carteiras contendo, cada uma delas, uma porção daquele produto, em pó; - no interior do balcão: - um telemóvel, da marca "N...", modelo "6210", verde escuro e cinzento, com o nº. de série 050 73...

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