Acórdão nº 05P4309 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Fevereiro de 2006

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.

No processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 3/03, da 8ª Vara Criminal de Lisboa, após a realização do contraditório foi proferido acórdão que condenou o arguido AA, com os sinais dos autos, como autor material, em concurso real, de três crimes de condução ilegal previstos e puníveis pelo artigo 3º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, nas penas de 4 meses, 6 meses e 6 meses de prisão, de um crime de uso de documento falso previsto e punível pelo artigo 256º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão, de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punível pelo artigo 21º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 5 anos e 3 meses de prisão, e de um crime de detenção de arma proibida previsto e punível pelo artigo 275º, n.º1, do Código Penal, com referência ao artigo 3º, n.ºs 1, alíneas a) e d) e 2, alínea c), do Decreto-Lei n.º 2'7-A/75, de 17 de Abril, na pena de 3 anos de prisão Em resultado de cúmulo jurídico foi condenado na pena unitária de 6 anos e 8 meses de prisão (1).

Interpôs recurso o arguido.

Na motivação apresentada formulou as seguintes conclusões (2): 1ª - No julgamento que deu lugar ao acórdão recorrido, em obediência ao acórdão deste Colendo Tribunal estava em discussão, desde logo, a questão da imputabilidade do recorrente.

  1. - Para o efeito o Tribunal "a quo" dispunha de dois relatórios periciais por um lado a da certidão de fls.1251 e seguintes.

  2. - Desta última, constava um exame pericial aprofundado às faculdades mentais do recorrente, efectuado por um colégio da especialidade, na sequência do qual foi determinado que o mesmo tinha uma imputabilidade diminuída em 30%.

  3. - Trata-se não apenas de um mero exame pericial, mas mais que isso, na medida em que foi proferida decisão num processo próprio os autos de alienação mental, na sequencia do qual um juiz considerou o recorrente com imputabilidade diminuída, decisão essa que transitou em julgado e foi remetida ao processo principal e a outros que o arguido tinha na altura.

  4. - Portanto tal decisão judicial constitui caso julgado não só formal ou seja não apenas no processo em que foi proferida, mas também material ou seja fora dele, nomeadamente no presente processo.

  5. - E muito embora o art.20 n.º 1 do CP determine que para efeitos de aferir da imputabilidade de um arguido, se deve atender à data da prática do facto, tal norma cede perante o princípio geral do caso julgado consagrado nos arts.671 n.º 1 do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo penal pro força do disposto no art. 4 do CPP.

  6. - Ao considerar o recorrente imputável a decisão, é, nessa parte, nula por violação de caso julgado material, art.671º n.º 1 do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo penal por força do disposto no art. 4 do CPP.

  7. - A não ser assim o princípio da estabilidade das decisões judiciais seria irremediavelmente colocado em causa.

  8. - Pelo que a correcta e ponderada consideração da imputabilidade diminuída em 30% deveria ter conduzido a pena concreta inferior à aplicada ou seja inferior em 30%.

    10 ª - Devendo o acórdão recorrido ser corrigido, e em função do considerável grau de diminuição da imputabilidade do recorrente, deveria a pena aplicada ao mesmo ser especialmente atenuada.

  9. - Pena essa que deverá ser suspensa na respectiva execução pelo período de 5 anos, sujeita á obrigação de o arguido receber tratamento em centro de combate à toxicodependência, cumulativamente com regular acompanhamento psiquiátrico.

    Por último ainda que assim se não entendesse, sempre o recorrente considera elevada a pena concreta que lhe foi aplicada; 12ª - A qual resulta, desde logo do facto de o Tribunal "a quo", não ter retirado das atenuantes que militam a favor do arguido as devidas ilações, nomeadamente: 13ª - A confissão integral e sem reservas no que tange aos crimes de condução ilegal e falsificação, e parcial em relação ao crime de detenção de arma proibida, e da propriedade de parte do estupefaciente apreendido.

  10. - A que, não obstante ser toxicodependente, psicopata e imaturo, possuía modo de vida estável e lícito como vendedor.

  11. - A correcta e ponderada apreciação de todas as circunstâncias atenuantes que militam a favor do recorrente, deverá conduzir à aplicação de pena não superior a 6 anos de prisão.

  12. - O acórdão recorrido violou assim os artigos 50º, 70º e 71º do Código Penal.

    O recurso foi admitido.

    Na contra-motivação apresentada o Digno Magistrado do Ministério Público concluiu: Deve ser julgado improcedente o recurso: - Quanto à diminuição da imputabilidade em 30%, visto o teor da nova perícia médico-legal, mais próxima dos factos (artigo 20º n.º 1 do C.P.), não se configurando nulidade por violação do artigo 671º, n.º1 do C.P.C.; - Quanto à medida concreta das penas, quer parcelares, quer quanto à pena única resultante da acumulação real de crimes, visto que o acórdão respeita os critérios fixados pelos artigos 70º e 71º, do C.P., que não se consideram violados.

    Fixado prazo para as alegações escritas, requeridas pelo recorrente sem oposição, foram apresentadas alegações por aquele e pelo Ministério Público.

    Relativamente às alegações do recorrente as mesmas constituem uma reprodução integral das conclusões por si formuladas na motivação de recurso no que tange à questão da violação do caso julgado, sendo que quanto à problemática da medida das penas vem alegado: A favor do arguido militam as seguintes atenuantes: - Relativamente aos crimes de condução ilegal e falsificação de documento a confissão integral e sem reservas; - Relativamente ao crime de detenção de arma proibida, a confissão parcial; - No que tange ao crime de tráfico, a confissão da propriedade de parte do estupefaciente apreendido; - A manifesta toxicodependência; - O facto de trabalhar como vendedor ambulante de rádios na feira do relógio; - A psicopatia e imaturidade que apresenta.

    Em face de todo o exposto a correcta ponderada apreciação de todas as circunstâncias atenuantes que militam a favor do recorrente, mormente os motivos da prática do crime à luz e atentos os critérios referidos nos artigos 70º e 71º, do Código Penal, deverá conduzir à aplicação de pena não superior a 5 anos e 6 meses de prisão.

    Por sua vez, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto pugna pela improcedência do recurso.

    Colhidos os vistos, cumpre decidir.

    São duas as questões submetidas pelo recorrente à apreciação e julgamento deste Supremo Tribunal, quais sejam a de violação de caso julgado e a da desajustada dosimetria das penas parcelares e conjunta.

    O tribunal colectivo considerou provados os seguintes factos: 1. Em 2002.03.01, pela 19.25 h., o arguido AA conduzia o motociclo 00-00-00 na Av. ….., em Lisboa, quando foi interceptado por agentes da PSP, no âmbito de uma acção de fiscalização de trânsito de rotina; 2. Exibiu na altura àqueles agentes o documento de fls.7; 3. O original de tal documento não foi emitido pelas autoridades competentes (a Direcção-Geral de Viação) mas foi adquirido pelo arguido a terceiro não identificado e de forma não apurada; 4. O arguido não tinha documento que o habilitasse a conduzir motociclos, como bem sabia; 5. Sabendo que o conteúdo do documento exibido não correspondia à verdade, fazia-se acompanhar dele e exibiu-o àqueles agentes para lhes fazer crer que estava habilitado a conduzir motociclos, obtendo assim um benefício ilegítimo e pondo em...

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