Acórdão nº 05P3460 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Janeiro de 2006

Magistrado ResponsávelHENRIQUES GASPAR
Data da Resolução25 de Janeiro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1.

Em processo comum (colectivo) foram julgados e condenados na 6ª Vara Criminal de Lisboa, entre outros, os arguidos: A- "AA", pela prática, em co-autoria, de um crime agravado de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21°, n.° 1, e 24°, alínea c), Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de treze ano de prisão; pela prática de cada um de três crimes de uso de documentos falsos, p. e p. pelo art. 256°, n.° 1, alínea c), e n.° 3, do Código Penal, na pena de um ano de prisão; efectuado o cúmulo jurídico destas penas parcelares, foi condenado na pena única de treze anos e nove meses de prisão; B- "BB", pela prática, em co-autoria, de um crime agravado de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21°, n.°1, e 24°, alínea c), Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de sete anos e seis meses de prisão; pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 273°, n.° 3, na pena de sete meses de prisão. Efectuado o cúmulo jurídico destas penas parcelares, foi condenado na pena única de sete anos e oito meses de prisão; C- "CC", pela prática em co-autoria, de um crime agravado de tráfico de estupefacientes, p..e p. pelos arts. 21°, n.° 1, e 24°, alínea c), ambos do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de nove anos de prisão, e D- DD, pela prática, em co-autoria, de idêntico crime (tráfico de estupefacientes, na sua forma agravada), na pena de sete anos e seis meses de prisão.

2.

Recorreram para o Tribunal da Relação, obtendo parcial provimento apenas pela aplicação da nova moldura penal do artigo 24º do Decreto-Lei nº 15/93, na redacção da Lei nº 11/2004, de 27 de Março, sendo condenados o arguido AA pela prática, em co-autoria, de um crime agravado de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21°, n° 1, e 24°, alínea c), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de doze anos e três meses de prisão; e em cúmulo jurídico com as penas aplicadas pelos crimes de uso de documento falso, na pena única de treze anos de prisão; BB, pela prática, em co-autoria, de um crime agravado de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21°, n.° 1, e 24°, alínea c), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de sete anos de prisão, e em cúmulo jurídico com a pena aplicada pelo crime de detenção de arma na proibida, na pena única de sete anos e dois meses de prisão; CC, pela prática em co-autoria, de um crime agravado de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos arts. 21°, n.° 1, e 24°, alínea c), ambos do Decreto-Lei 15/93, na pena de oito anos e quatro meses de prisão; e DD, pela prática, em co-autoria, de idêntico crime (tráfico de estupefacientes, na sua forma agravada), na pena de sete anos de prisão.

3.

Recorrem agora para o Supremo Tribunal, com os fundamentos nas motivações que apresentam e que terminam com a formulação das seguintes conclusões: (i). AA: 1ª- A folhas 4619 o Tribunal da Boa Hora remeteu à Veneranda Relação os XX Volumes dos autos bem como 1 CD- ROM contendo cópia das transcrições.

  1. - A fls 4603 - 28-JAN- 2005 - a empresa Empresa-A entregou na 1ª Instância o CD-ROM referente às 10 (dez) cassetes contendo a gravação da prova, sem que a defesa tenha sido notificada.

  2. - A defesa esteve -está - impedida de ter acesso ao CD ROM pois, segundo o Senhor Funcionário da 3ª Secção do TRL, inexiste possibilidade de extrair cópia do mesmo.

  3. - Sem obter cópia da transcrição da prova e/ou do CD ROM contendo a mesma, a defesa não pode indicar os segmentos de conversas ou, os concretos pontos de facto - art. 412- 3 CPP - que feriam o Acórdão de nulidade.

  4. - O direito ao recurso e a ser informado de todos os actos processuais - maxime a junção da transcrição- são Garantias do Estado de Direito - art. 32-1 da CRP.

  5. - Os concretos pontos de facto ínsitos ao art. 412- 3 do CPP só podem ser indicados se a defesa tiver acesso aos mesmos e não foi possível obter cópia da transcrição da prova e, ou do CD ROM ......

    7º- O TRL e a 1ª Instância não notificaram a defesa da junção da transcrição conforme foi constatado pela consulta dos autos.

  6. - O princípio constitucional da defesa, do direito ao recurso e a um processo equitativo - arts 5° e 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem foram ostracizados in totum.

  7. - Estas omissões causam a nulidade do processado e violam o direito ao recurso.

  8. - O Acórdão da Veneranda Relação de 7 de Julho 2004 declarou nulo o acórdão da 6ª Vara Criminal Lisboa.

  9. - Só em 12 Novembro 2004 foi realizada a audiência, tendo sido proferido novo acórdão em 14 NOV- 2004 pela 6ª Vara.

  10. - Entre 7-7-2004 e 12-11-2004 decorreram mais que os 30 dias consignados no artigo 328º, n 6 do CPP, pelo que deve ser declarada a perda de eficácia da prova, com as consequências inerentes.

  11. -A fundamentação do acórdão sob recurso não é exaustiva, expressa em consonância com provas concretas e certezas inequívocas, atento o principio da justiça em nome do povo e para o povo - art. 202º, 1º da Lei Fundamental.

  12. - Constata-se do acórdão do TRL que se verifica omissão de pronúncia no exame crítico: a) o tribunal a quo "...teve em conta o valor de mercado da droga" sem especificar valores /quantia ? b) "é do conhecimento do tribunal a quo que tais negócios proporcionam compensações chorudas"...sem se especificar que negócio/valores chorudos? c) os arguidos actuaram com intenção de obterem avultadas compensações, cujo quantum o acórdão não quantifica nem especifica.

    1. "tendo em conta as quantias investidas...." sem se dizer por quem, quanto, como, onde? e) "..... não fosse a apreensão da cocaína procuravam obter maiores compensações económicas".. sem se dizer quem, quando e quanto, constituindo tais asserções meras generalidades, inferências genéricas, sem especificação concreta e identificação de tempo, modo e lugar, que não preenchem o exame crítico imposto pela lei.

  13. - O Tribunal da Relação em escassa meia página - fls 26 do acórdão pronuncia-se pelo bem fundado da decisão da 6ª Vara mas não responde às questões invocadas!.

  14. - Diz que foi corrigida a deficiência mas nem sequer a aprecia nem esclarece as questões nem se pronuncia sobre a nulidade arguida em tempo nem sobre a ausência de exame crítico da prova. Meras conjecturas ou hipóteses, inferências ou deduções e lugares comuns ou generalidades não preenchem exame crítico.

  15. - A hermenêutica expendida pelo Tribunal a quo e pela Relação relativamente ao art. 374º, 2 C.P.P. é inconstitucional: viola o direito ao recurso - artº 32º, 1º da Lei Fundamental quando conjugada com o art 410º, 2, b) e c) do CPP, entendida no sentido de que o exame crítico se basta com a enumeração dos meios de prova e a tecer generalidades, inferências e lugares-comuns sem explicitar in extremis o processo de formação da convicção do Tribunal.

  16. - Os princípios fundamentais do "direito ao recurso" e da "justiça em nome do povo"- art. 32- 1 e 202 -1 da C:R.P. impõem ao juiz julgador um exame crítico, fundamentado em concreto sobre as provas produzidas e sobre a formação da convicção do tribunal - neste sentido: juiz des. Manuel Marques Ferreira in Rev. Min.Público- Jornadas Proc. Penal, 229-230, Ac. ST.) de 29-6-1995 in Col. Jur., AnoIII- T.2- 254, Ac. Vener. Rel. Lisboa de 10-7-02, Proc. 3719/02 da 3ª Secção, Prof. Gomes Canotilho, in Cadernos Democráticos, "Estado de Direito"- Gradiva, pag. 69.

  17. - O acórdão não procede a exame crítico: é nulo - art. 379º, 1, c) e 374º, 2 C.P.P.

  18. - A ausência de reapreciação integral da matéria de facto no tribunal superior, a limitação do recurso a "pontos de facto", a não presença do recorrente em sede de julgamento e a não revisão da declaração de culpabilidade/condenação, inviabilizam o duplo grau de jurisdição de facto.

  19. - Os arts. 410- 2 e 412- 3 C.P.P. são inconstitucionais - violam os arts. 29-6, 32-1 e 202-1 da C. R. P, o art 14-5 do P. I s. D. C. e P. e o Protocolo 7 da C.E.D.H. quando entendidos que o direito ao recurso se limita - basta com a especificação de "pontos de facto" e o "texto da decisão recorrida", ostracizando a integral reapreciação da prova e dispensando a presença do arguido recorrente no tribunal de recurso.

  20. - Os 3.080 euros, motociclo Yamaha e telefone satélite apreendidos à esposa do recorrente - EE - não podem reverter a favor do Estado.

  21. -A decisão recorrida não explicita em concreto que negócios, que rendimentos ou que vendas de estupefacientes foram efectivadas, por que forma o produto dessas vendas/rendimentos reverteu/conduziu à aquisição de dinheiros, veículo, telefone satélite e motociclo. - vício do artº 410º, 2, a) C.P.P: acórdão Relação Lisboa de 25-5-99 - documento RL 199905250027815; Prof. Figueiredo Dias "As consequências jurídicas do crime", pág 610 a 618; acórdão S.T.J. de 29 Out 2003, Relator: Dr. Conselheiro Polibio Flor, recorrente ... e Pensão .... - proc. 2301/03 - 3ª Secção S.T.J. 24ª- Sendo a esposa do recorrente terceiro de boa fé e este sócio gerente de empresa de produtos alimentares onde auferia 500 contos mensais, urgia esclarecer a forma como os bens foram adquiridos.

  22. - A conclusão do douto acórdão: todas as importâncias, veículos e telemóveis constituíam rendimentos provenientes das vendas de produtos ..: não é alicerçada em facto concreto, explicitado, nem se identifica uma só venda e receita de dinheiros que serviram a esse desideratum.

  23. - O acórdão fundamentou o perdimento dos dinheiros, telefone satélite e veiculo Mercedes em prova inexistente e nula; é omissivo in totum relativamente aos requisitos dos arts 35º e 36º,1 D.L. 15/93 e art. 109º Cód. Penal, e não motiva a proveniência dos mesmos nem aponta um só facto concreto, provado, relacionado com aquisição ilícita.

  24. - O perdimento viola os arts. 18-2, 32-1, 62 e 205 da lei fundamental, arts 97º, 4 CPP, e 109º Cód. Penal e arts. 35 e 36-1 do D. L. 15/93, sendo certo que os juízes julgam para o povo e pelo povo - art 202 CC. R. P. e o povo, entre o qual o recorrente, não alcança...

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