Acórdão nº 1343/04.0TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Abril de 2011

Magistrado ResponsávelPEREIRA RODRIGUES
Data da Resolução13 de Abril de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR.

No Tribunal do Trabalho de Lisboa, AA instaurou a presente acção emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra IEP – Instituto das Estradas de Portugal, com sede na Praça da Portagem, em Almada, cuja posição processual passou posteriormente a ser ocupada por EP – ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A. (cfr. despacho de fls. 242), alegando para tanto, em síntese, que: Está ligado à Ré por contrato de trabalho, tendo sido admitido ao serviço desta como Director do Departamento dos Recursos Humanos e comprometendo-se a desempenhar para a mesma “quaisquer outras actividades, para as quais tenha qualificação e capacidade, desde que tenham afinidade ou identidade funcional com as que correspondem ao objecto do presente contrato”; Na cláusula nona do aludido contrato acordaram as partes que o mesmo era integrado pelos regulamentos internos da Ré, designadamente o disciplinar, o retributivo, o dos titulares de órgão de estrutura e o de “fringe benefits” (ou de atribuição de meios); Porque reside em Linda-a-Velha, não está habilitado com carta de condução e a Ré tem sede em Almada, foi contratualizado que ficaria à sua permanente disponibilidade “viatura de serviço”, conduzida por habilitado com carta de condução, com todas as despesas a cargo da Ré; A viatura de serviço foi, sem solução de continuidade, por si usada, regular e continuamente, até 10 de Abril de 2003, tendo nesse dia sido determinada, de forma verbal, a sua entrega, sem que nenhuma outra lhe tivesse sido disponibilizada; Assim, em 15 de Abril de 2003, dirigindo-se ao vogal do conselho de administração da Ré, a quem está distribuído o pelouro dos recursos humanos, reclamou dessa “diminuição indirecta de retribuição”, invocou que tal o impedia de comparecer ao serviço e que não tinha qualquer propósito de abandono do trabalho, requerendo ainda a redução a escrito do acto determinativo da “desafectação” da “viatura de serviço”; Porque tem aplicabilidade o Código de Procedimento Administrativo, atenta a natureza jurídica da Ré (Instituto Público), a desafectação da viatura devia ter sido operada com a sua audiência prévia, o que não foi observado, sendo que também nunca tal acto lhe foi notificado nem a respectiva fundamentação lhe foi revelada, o que determina a sua inoponibilidade; Após a instauração de processo disciplinar, a Ré veio a despedi-lo, com a invocação de justa causa, em 11/12/2003, por considerar injustificadas as suas faltas de comparência a partir de 1 de Julho de 2003; Em Agosto de 2003 foi o seu mês de férias; Em 20 de Março de 2000 passou, em regime de destacamento, a desempenhar funções em Gabinete de membro do Governo, só tendo regressado à Ré em Abril de 2002, altura em que retomou o uso permanente da viatura de serviço; Entre esta data e Abril de 2003 esteve, contudo, em situação de absoluta inactividade profissional, tendo-se limitado a comparecer e permanecer no local de trabalho, já que nenhuma tarefa lhe foi distribuída pela Ré, apesar de esta lhe ter continuado a processar mensalmente, mediante transferência bancária, as importâncias que refere; Quando regressou à Ré, esta não lhe permitiu reassumir as suas funções de Director do Departamento de Recursos Humanos, tendo ao invés sido “apresentado” no conselho de administração; Assim, nenhum prejuízo resultou para a Ré da sua ausência a partir de 1 de Julho de 2003 - ressalvado Agosto, seu mês de férias - já que se encontrava no estado da mais absoluta inactividade profissional, pelo que mesmo que essas faltas sejam consideradas injustificadas inexiste justa causa de despedimento e este é, por conseguinte, ilícito; De acordo com o regulamento de atribuição de meios o Director de Departamento de Recursos Humanos tem direito, como componente integrante da retribuição: - a uma viatura até Esc. 7.000.000$00 (€ 34.915,85), de 3 em 3 anos, correndo por conta da Ré os encargos referentes à manutenção e seguro da viatura; - a combustível até 200 litros por mês; - a um cartão de crédito de Esc. 1.000.000$00 por ano (€ 4.987,98); - a um telemóvel com gasto por ano de Esc. 240.000$00 (€ 1.197,11), no valor por mês de Esc. 20.000$00 (€ 99,76); A Ré procedeu, antes de Novembro de 1999, à aquisição de uma viatura para si - nos termos da alegada cláusula nona do seu contrato de trabalho e do regulamento de atribuição de meios - viatura essa que sempre esteve na sua disponibilidade pessoal e continua na sua posse efectiva; Porém, até 1 de Novembro de 2002 transcorreram três anos desde a data da aquisição e entrega da viatura, sem que a Ré tenha procedido à transferência da propriedade desta para si e, conforme o regulamento de atribuição de meios, em Novembro de 2002 a Ré deveria ter procedido à aquisição de nova viatura com o referido “plafond” de Esc. 7.000.000$00 (€ 34.915,85), o que não fez; De acordo com tal regulamento, ainda tinha direito a combustível para esta viatura até 200 litros por mês, o que a Ré cumpriu até Dezembro de 2002, disponibilizando-lhe um cartão, que utilizava para abastecimento nos postos “BB”, mas a partir de Janeiro de 2003, inclusive, a Ré mandou cancelar o aludido cartão, deixando de cumprir, mesmo através de qualquer outro meio, o que estava obrigado perante si; Também nos termos do aludido regulamento tinha direito a um cartão de crédito no montante de Esc. 1.000.000$00 por ano (€ 4.987,98), que a Ré nunca lhe atribuiu.

Concluindo, pediu que seja declarado ilícito o seu despedimento e, consequentemente, a Ré condenada: - a reintegrá-lo e a pagar-lhe o que processava mensalmente a seu favor mediante transferência bancária; - a pagar-lhe o que normalmente auferiria (não fosse o despedimento) e o que se vier a vencer até à sentença; - a pagar-lhe o combustível desde Janeiro de 2003, acrescido dos legais juros de mora; - a pagar-lhe o montante anual do “cartão de crédito”, desde 1 de Novembro de 1999, acrescido dos legais juros de mora; - a transferir-lhe a propriedade da viatura que, nos termos do pactuado, adquiriu para si e que continua na sua inteira disponibilidade e posse efectiva; - a adquirir nova viatura ou, em alternativa, a pagar-lhe a percentagem do “plafond”, desde 1 de Novembro de 2002, e os encargos anuais referentes à manutenção e seguro da viatura, acrescidos de juros de mora à taxa anual de 4%.

A Ré contestou, alegando que: O Autor faltou ao serviço após 1 de Julho de 2003, não comunicando antecipadamente qualquer falta, sendo que, pelas funções que exercia, estava dispensado da verificação diária da sua presença; Assim, acabou por receber os respectivos vencimentos, correspondentes ao período de ausência, locupletando-se indevidamente com tal importância, e assim violando o dever de lealdade para com a sua entidade empregadora; Não se verificou a alegada situação de inactividade nem estava contratualmente prevista a atribuição de qualquer viatura ao Autor, sendo que o regulamento de atribuição de meios provém de mera liberalidade da Ré, sem qualquer obrigação contratual.

Quanto ao mais, impugna, na sua globalidade, o alegado pelo Autor, para concluir pela improcedência da acção.

Prosseguindo os autos os seus trâmites, foi proferido despacho saneador, especificada a matéria assente e elaborada a base instrutória e, por fim, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, sendo depois proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e condenando a Ré a pagar ao Autor o combustível que este comprovadamente necessitou para as suas deslocações desde Janeiro de 2003 até à data do seu despedimento em 11 de Dezembro de 2003, e até ao limite de 200 litros por mês, bem como juros de mora calculados à taxa legal sobre as quantia em dívida. Quanto aos restantes pedidos ficou a Ré absolvida.

Inconformado com a decisão, o Autor interpôs recurso para o Tribunal da Relação apresentando a sua alegação e a Ré contra-alegou e interpôs recurso subordinado, tendo aquele tribunal acordado em julgar improcedente a apelação do Autor e procedente a apelação da Ré, revogando-se a sentença na parte em que condenou a Ré no pagamento do combustível, e mantendo-a no demais decidido.

Mais uma vez inconformado, interpôs o Autor recurso de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça, apresentando doutas alegações com as seguintes conclusões: «1 - O A. foi contratado, em regime de contrato individual de trabalho por tempo indeterminado, pelo IEP - Instituto de Estradas de Portugal, para o cargo de Director do Departamento de Recursos Humanos - e, por isso, na organização laboral, era titular de "órgão de estrutura".

2 - O IEP - Instituto de Estradas de Portugal era um instituto público - e, por isso, os seus "órgãos" eram "órgãos da Administração Pública" para os efeitos do Código do Procedimento Administrativo (cfr. sobre o que sejam "institutos públicos" para os efeitos do Código do Procedimento Administrativo o acórdão, de uniformização de jurisprudência, n.º 5/2010 do Supremo Tribunal Administrativo - in D.R., 1.ª Série, n.º 135, de 14/Julho/2010). Assim, 3 - Os "órgãos" do IEP - Instituto de Estradas de Portugal estavam submetidos ao princípio da legalidade: art- 266º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa e art.s 22, nº 2, b), e 3- do Código do Procedimento Administrativo.

4- Quando o A., em Abril de 2002, regressou ao IEP - Instituto de Estradas de Portugal, vindo do exercício de funções em gabinete de membro do Governo, o Decreto-Lei nº 237/99, de 25 de Junho ("lei orgânica" do IEP) estava plenamente em vigor. Por isso, 5 - A única solução legalmente permitida ao IEP - Instituto de Estradas de Portugal era a de não criar obstáculos ou entraves a que o A. retomasse automaticamente o cargo para que foi contratado e fazer cessar, imediatamente, o exercício de funções do "substituto": art.ºs 50º, n.º 2, e 266º, n.º 2, da Constituição, arte 7º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 262/88, de 23 de Julho, e art.s 2º nº 2, b), e 39º, n.º 1, do...

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