Acórdão nº 279/2002.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Março de 2011
Magistrado Responsável | LOPES DO REGO |
Data da Resolução | 16 de Março de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA intentou acção declaratória, na forma ordinária, contra os RR. BB e CC, pedindo a declaração de nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda de várias fracções prediais que identifica e o consequente cancelamento dos registos de aquisição , bem como a nulidade, por falta de forma, do contrato de mútuo dissimulado sob a compra e venda simulada : na verdade, naquela escritura de compra e venda o 1º R., agindo em nome e representação do A., declarou vender ao 2º R. e este declarou comprar, pelo preço global de 35.000.000$00, as referidas fracções autónomas de que o A. era proprietário, sendo o negócio realizado pelo 1º R. sem conhecimento ou autorização do A., usando, para tal, procuração que anteriormente lhe havia outorgado, mas sem que, nem o A., nem o seu representante, tivessem recebido o preço do comprador ; assim, sustenta que nenhum dos declarantes na referida escritura quis efectivamente comprar ou vender as fracções em litígio – estando subjacente à venda simulada o empréstimo de uma quantia em dinheiro entre os RR. , negócio este nulo por falta de forma legal.
Apenas contestou o 2º R., impugnando que o procurador do A. não tivesse querido vender e o contestante não tivesse querido comprar as fracções em causa – pelas quais teria, aliás, pago, não o preço declarado na escritura, mas o valor de 55.000.000$00, preço real e justo, porquanto as fracções se encontravam arrendadas - passando a agir como verdadeiro proprietário das mesmas.
Foi requerida e admitida a oposição espontânea dos requerentes DD, EE e FF, invocando terem adquirido as fracções antes da presente acção ser desencadeada e peticionando que se declare a inoponibilidade aos intervenientes da simulação dos negócios cuja nulidade vem peticionada pelo A.
Após julgamento, foi proferida sentença em que se declarou a nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda celebrado, bem como a nulidade, por falta de forma, do mútuo sob ele dissimulado, ordenando-se o cancelamento dos registos efectuados e julgando improcedente o incidente de oposição espontânea deduzido pelos subadquirentes das fracções em litígio.
Inconformados, apelaram da sentença o R.CC e os interessados que haviam deduzido oposição espontânea, tendo a Relação – no acórdão ora recorrido – julgado os recursos procedentes, revogando a sentença recorrida e decretando, em sua substituição, a improcedência do pedido de simulação do negócio de compra e venda de imóvel, deduzido pelo A., absolvendo, em consequência as partes do pedido de declaração de nulidade formulado.
Para tanto, considerou a Relação, em primeiro lugar, que inexistiam os pressupostos da simulação, por não se vislumbrar o intuito dos contraentes de enganar terceiros com as declarações negociais emitidas, que, aliás, traduziam uma vontade efectiva de comprar e vender : o que as partes teriam convencionado entre si seria antes o ulterior «desfazer da venda» realizada, convenção essa que não produziria nulidade, por se consubstanciar antes numa venda «a retro», plenamente consentida pelas actuais disposições do CC.
Por outro lado – e no que se refere à relação de representação voluntária que existia entre o A. e o 1º R. – considera o acórdão recorrido que a mesma terá sido regularmente exercida, notando, porém, que – mesmo que assim não fosse – não haveria fundamento para questionar a validade e eficácia do contrato quanto aos demais intervenientes, nos termos do disposto nos arts. 266º a 269º do CC.
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Inconformado com tal sentido decisório, interpôs o A. a presente revista, acompanhada de douto parecer sobre as questões normativas controvertidas – que transcreve – e em que se formulam as seguintes conclusões: a) Os outorgantes do contrato de compra e venda, de 3 de Agosto de 1999, quiseram, dar ao comprador, 2o R, garantia do empréstimo por este concedido ao 1° R., representante do A., pondo temporariamente em seu nome as fracções autónomas vendidas; b) Não foi feita prova da intenção de enganar terceiros, pelo que, na falta deste elemento, esse contrato não é nulo por simulação; c) Da escritura que titula o contrato referido na ai. a) não consta qualquer cláusula que reconheça ao vendedor o direito potestativo de resolver o contrato, mediante a restituição do preço e acessórios; d) Não foi alegado, nem, correspondentemente, provado, que tal cláusula haja sido convencionada entre as partes: e) De resto, ainda que o tivesse sido, não estando contida na escritura do contrato de compra e venda, seria nula por falta de forma; f) Em face do que consta das ais. c) e e), o contrato de compra e venda referido na al. a) não c uma retro venda; g) Esse contrato constitui um negócio fiduciário para fim de garantia (cum creditore): h) Tal como foi celebrado e executado, este contrato é nulo por fraude à lei, pois envolveu consequências próprias do pacto comissório, proibido pelo sistema jurídico português: i) Com efeito, o 2º R., pura e simplesmente, fez suas as tracções autónomas objecto do contrato de compra e venda da al, a), nomeadamente alienando três delas a terceiros: j) Não decidiu, pois, acertadamente, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, quando considerou válido, como retro venda, o contrato de compra e venda da al. a); l) Devia ter declarado a sua nulidade nos termos das als, g) a i); m) A declaração de nulidade do contrato de compra e venda é oponível aos três subadquirentes das fracções autónomas; ti) Com efeito, embora eles tenham adquirido a título oneroso e de boa fé uma coisa imóvel, o registo das suas aquisições é posterior ao registo da acção intentada para declaração de nulidade do contrato da ai. a); o) Assim, mesmo desconsiderando o facto de a acção de declaração de nulidade ter sido proposta antes de decorrerem 3 anos após o contrato de compra e venda identificado na ai. a), não se verificam, na totalidade, os requisitos cumulativos de que o art° 291° do C.Civ. e o n° 2 do art° 17° do Código do Registo Predial fazem depender a inoponibilidade da declaração de nulidade do negócio jurídico ou do acto de registo a terceiros; p) Pelo que, tal como o A. pediu na acção a. que se reporta este parecer, devem ser canceladas as inscrições registais de aquisição do 2° R e dos subadquirentes das tracções autónomas que são objecto do contrato da al. a); q) E neste sentido devia também ter sido emitido o referido acórdão do Tribunal da Relação de Évora, que, pelas duas razões expostas, não se pode manter.
Os recorridos pugnam pela manutenção do acórdão recorrido.
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As instâncias fizeram assentar a solução jurídica do pleito na seguinte matéria de facto: Através da escritura pública lavrada no Primeiro Cartório Notarial de Loulé, no dia 3 de Agosto de 1999, o 1o co-réu, agindo em nome e representação do autor, declarou vender ao 2 co-réu e este declarou comprar, pelo preço global de Esc: 35.000.0000$OO (trinta e cinco milhões de escudos), equivalente a € 174.579,26 (cento e setenta e quatro mil quinhentos e setenta e nove euros e vinte e seis cêntimos), as seguintes fracções, todas de um prédio urbano situado na Rua ........., freguesia da Sé, Concelho de Faro, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 4.025 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro, sob o n° 00000, do livro 00-00 e inscrito a favor do vendedor pela inscrição 00 apresentação 9, de 25 de Agosto de 1979 (Doe. 1 e 2): a) A fracção "00, ....... esquerdo, para habitação, pelo preço de Esc: 4.000.000$00 (quatro milhões de escudos) o equivalente a € 19.951,92 (dezanove mil novecentos e cinquenta e um euros e noventa e dois cêntimos); b) Fracção "00, no .....esquerdo, para habitação, pelo preço de Esc: 4.000.000$00 (quatro milhões de escudos) o equivalente a € 19.951,92 (dezanove mil novecentos e cinquenta e um euros e noventa e dois cêntimos) ; c) Fracção "00", no ..... esquerdo, para habitação, pelo preço de Esc: 4.000.000$00 (quatro milhões de escudos) o equivalente a € 19.951,92 (dezanove mil novecentos e cinquenta e um euros e noventa e dois cêntimos); e ainda mais duas fracções, a saber: d) A fracção "00", .......esquerda, destinada a arrecadação, sita no prédio urbano, denominado Lote 00, situado na Urbanização ......., no 000000 em Faro, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 5.647 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o n° 0000000, inscrita a favor do vendedor, pela inscrição 00, pelo preço de Esc: 14.601.463$00 (catorze milhões seiscentos e um mil e quatrocentos e sessenta e três escudos) o equivalente a € 72.831,79 (setenta e dois mil oitocentos e trinta e um euros e setenta e nove cêntimos) (Doe. 3); e) Fracção "00", no 00 andar 00, destinado a habitação denominado Lote n°00, situado em ......, freguesia da Sé, em Faro, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 5.678, descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o n° 00000000 e inscrita a favor do vendedor, pela inscrição G-l, pelo preço de Esc: 8.398.537$00 (oito milhões trezentos e noventa e oito mil quinhentos e trinta e sete escudos) o equivalente a € 41.891,73 (quarenta e um mil oitocentos e noventa e um euros e setenta e três cêntimos) (Doe. 4) (A).
Estas fracções estavam registadas em nome do autor (B).
Por Escritura Notarial de Compra e Venda outorgada em 19 de Março de 2002 no Quarto Cartório Notarial de Lisboa, a interveniente, DD, declarou comprar e GG, na qualidade de procurador do réu CC, que declarou vender, a fracção autónoma designada pela Letra "00" correspondente ao ...... esquerdo, destinado à habitação, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ........., em Faro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o n° 0000 e inscrito na respectiva matriz sob o art° 4.025, conforme documento junto e que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, como Doe. n° 1 do Incidente de Oposição Expontânea (C).
Por Escritura Notarial de Compra e Venda outorgada em 19 de Março de 2002 no Quarto Cartório...
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