Acórdão nº 1851/07.0TVVNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Dezembro de 2010

Magistrado ResponsávelGARCIA CALEJO
Data da Resolução16 de Dezembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - Se os cônjuges contraíram casamento sem convenção antenupcial, devem ter-se como casados sob o regime de comunhão de adquiridos, fazendo parte dessa comunhão o produto do trabalho dos cônjuges e os bens adquiridos na constância do matrimónio, que não sejam exceptuados por lei, constituindo bens próprios de cada cônjuge os bens adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior – cf. arts. 1717.º, 1724.º e 1722.º, al. c), todos do CC.

II - Os sócios têm direito aos lucros da sociedade, como resulta do disposto nos arts. 217.º e 294.º do CSC. Todavia, tal direito não resulta automaticamente da geração de lucros, já que a lei não determina a sua distribuição imediata, podendo ser afastado por cláusula contratual e por deliberação de ¾ dos votos correspondentes ao capital social – cf. arts. 217.º, n.º 1, e 294.º, n.º 1, do CSC.

III - A constituição de reservas, resultantes da acumulação de dividendos/lucros ou de outros montantes para dividir pelos sócios que, em vez de serem divididos, foram convertidos em aumentos de capital social, numa sociedade comercial em que o réu já era proprietário, antes de se casar, de uma quota social, não constituem frutos civis – cf. art. 212.º, n.º 1, do CC.

IV - Deste modo, as reservas incorporadas na sociedade comercial, não podendo ser consideradas frutos civis – pois não têm existência autónoma com possibilidade de apropriação própria –, não se comunicaram à autora mulher, pese embora a respectiva constituição se tenha produzido na constância do matrimónio – cf. art. 1728.º, n.º 1, do CC.

V - Tendo-se provado que os aumentos de capital da sociedade ocorridos em numerário (entre o casamento e o divórcio das partes), foram realizados através de dinheiro doado pelo pai do réu e não podendo este Supremo retirar que a doação foi feita (apenas) a favor do réu (não compete ao STJ fazer ilações factuais), mas tendo sido essa dedução feita pelas instâncias, designadamente pela sentença de 1ª instância, a situação cairá na previsão do disposto no art. 1722.º n.º 1, al. b), do CC, que considera bens próprios do cônjuge os bens que lhe advierem depois do casamento por sucessão ou doação.

VI - De qualquer forma vale aqui também a argumentação usada para as reservas sociais, uma vez o numerário incorporado na sociedade deixou de ter existência autónoma com possibilidade de apropriação própria.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- AA, residente na ..., Vila Nova de Famalicão, propôs a presente acção com processo ordinário contra BB, residente na ..., Vila Nova de Famalicão, pedindo que o R. seja condenado a reconhecer que A. e R. são proprietários, sem determinação de parte ou direito, de 55.000 acções num universo de 280.000 acções representativas do capital social de TN - Transportes M. S...N..., SA.

Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que a A. e o R. estão divorciados um do outro por sentença de 24-11-1997, tendo contraído contraíram casamento a 6-6-1982, sem convenção antenupcial. A 26-6-1980, o R. adquiriu uma quota de mil contos daquela sociedade que, então, se denominava M. S...N..., Limitada, sendo que entre 6-11-1984 e 23-12-1992, por ocasião de aumentos do capital social, aquela quota do R. viu o seu valor nominal aumentado para 56.000.000$00. A sociedade transformou-se em anónima, passando o R. a ser detentor de 56.000 acções no valor nominal de 1.000$00 cada, pelo que a propriedade de 55.000 acções são bens comuns de A. e R..

O R. contestou alegando, em resumo, que em 6-11-1984, a quota do R. foi aumentada em Esc. 1.192.726$0, por incorporação de reservas e em Esc. 1.807.274$00 por entrada em numerário. Em 22-12-1987, a quota do R. foi aumentada em Esc. 5.865.748$0, por incorporação de reservas e em Esc. 134.252$00 por entrada em numerário. Em 23-12-1992, a quota do R. foi aumentada para Esc. 56.000.000, por incorporação de reservas; sendo transformada em sociedade anónima passou o R. a ser detentor de 56.000 acções no valor nominal de Esc. 1.000$00 cada. O numerário com que o R. entrou para o capital social foi resultante de doações que seus pais lhe efectuaram, por conta da sua legítima, para o beneficiar e não ao casal.

Termina pedindo a improcedência da acção.

A A. replicou dizendo que o numerário em causa saiu da disponibilidade do casal e não tendo sido objecto de qualquer doação.

O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou-se a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.

Nesta julgou-se a acção improcedente e, em consequência, absolveu-se o R. do pedido contra ele formulado.

1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a A. de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, tendo-se aí, por acórdão de 19-05-2010, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

1-3- Irresignada com este acórdão, dele recorreu a A. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.

A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: 1ª- Na Sociedade, “TN - Transportes M. S...N..., S.A.", a ausência de divisão de lucros/dividendos e outros montantes pelos sócios, referida na resposta ao quesito 9, pressupõe que tais lucros e outros montantes seriam um direito dos sócios, entre os quais o réu BB, casado em comunhão de adquiridos com a A.

2ª- Juntamente com os demais sócios, o réu BB anuiu a que os lucros/dividendos e outros montantes que lhe cabiam, transitassem directamente para o capital, nele sendo incorporados, como reservas; 3ª- As reservas mencionados nas respostas aos quesitos 1 e 9 da b.i, não resultaram de mera reavaliação da quota inicial do réu BB, no valor de 1.000.000$00, mas sim da valorização do activo da sociedade, por acréscimo de existências, decorrente da acção da gerência, onde se incluía aquele réu, conforme docs. de fls. 32, 88, 189 a 197, 234, 236 e 238 dos autos, parte integrante dos articulados; 4ª- Através dos citados documentos, verifica-se que, sendo o réu também gerente, as...

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