Acórdão nº 254/06.9TBGDL.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Dezembro de 2010

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução09 de Dezembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. Resultando da matéria de facto dada por provada que o local de risco identificado na proposta de seguro, que deu origem à apólice que titula o contrato de seguro e do qual faz parte integrante, era a Herdade de V... em Grândola, e que o acidente ocorreu na Herdade da B..., não se configurando uma situação de acidente in itinere, impõe-se concluir que o acidente de trabalho ajuizado não está coberto pelo contrato de seguro firmado pela empregadora do sinistrado.

  1. Sendo assim, a entidade seguradora não pode ser responsabilizada pela reparação do acidente de trabalho em causa.

  2. Deste modo, é a empregadora do sinistrado que deverá suportar a obrigação de indemnização respeitante aos danos emergentes do acidente de trabalho.

    Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

    Em 7 de Novembro de 2007, no Tribunal Judicial da Comarca de Grândola, AA intentou acção, com processo especial, emergente de acidente de trabalho contra COMPANHIA DE SEGUROS BB, S. A., e CC, pedindo a condenação das rés, conforme a respectiva responsabilidade, no pagamento das pensões, subsídios e indemnizações devidos pela morte de DD, seu marido, quando este, em 4 de Maio de 2006, ao serviço da segunda ré, se encontrava a manobrar uma máquina industrial de rastos, que tombou num talude, não estando a responsabilidade por acidentes de trabalho integralmente transferida para a ré seguradora.

    Citadas regularmente, as rés apresentaram contestação.

    A empregadora sustentou que o acidente ocorreu na Herdade da B..., propriedade de um filho, quando o sinistrado trabalhava com uma máquina agrícola, sob as suas ordens e fiscalização, encontrando-se a correspondente responsabilidade infortunística integralmente transferida para a ré seguradora.

    Por sua vez, a seguradora defendeu não ser responsável pelo pagamento das quantias peticionadas, porquanto, embora tivesse firmado com a ré empregadora um contrato de seguro de acidentes de trabalho por conta de outrem, na modalidade de seguro genérico agrícola por área, nos termos e condições da apólice e respectivas condições gerais e especiais, o local garantido pelo seguro era o constante na apólice, a Herdade V..., pelo que, não tendo o acidente ocorrido no local de trabalho indicado na apólice, a atinente responsabilidade infortunística não estava transferida para a seguradora, mantendo-se no originário devedor, ou seja, na empregadora.

    A autora respondeu às excepções deduzidas pela ré seguradora, concluindo pela sua improcedência, e pediu a condenação daquela ré como litigante de má fé.

    Entretanto, a autora ampliou o pedido, invocando que a seguradora alegara que o local do acidente não estava coberto pela apólice, tendo pedido a condenação da segunda ré a pagar-lhe (a) a pensão anual por morte do sinistrado, pelo montante legalmente fixado e considerando o salário que este efectivamente auferia, no valor de € 4.043,2, em 12 prestações mensais de € 336,93 cada, (b) € 4.630,8, a título de subsídio por morte, e (c) € 1.543,6, a título de despesas de funeral.

    A ré empregadora apresentou oposição à ampliação do pedido deduzida pela autora, sendo que, proferido despacho a admitir o aditamento dos sobreditos pedidos, a mesma ré, inconformada, dele interpôs recurso de agravo.

    Saneada, instruída e julgada a causa, proferiu-se sentença que julgou a acção procedente, absolvendo e condenando nos termos a seguir enunciados: (a) absolveu a ré seguradora da totalidade do pedido, bem como litigante de má-fé; (b) condenou a segunda ré a pagar à autora a pensão anual por morte do sinistrado, pelo montante legalmente fixado e considerando o salário efectivamente auferido, na importância de € 4.043,2, através de 14 prestações mensais; (c) condenou a segunda ré a pagar à autora a quantia de € 4.630,8, a título de subsídio por morte; (d) condenou a segunda ré a pagar à autora a quantia de € 1.543,6, a título de despesas de funeral.

  3. Inconformadas, a ré empregadora e a autora apelaram, tendo a primeira alinhado, em sede de recurso de apelação, as conclusões que se passam a transcrever: «1. O Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, “Cláusulas Contratuais Gerais”, dispõe no seu artigo 11.º, n.º 1, subordinado à epígrafe “Cláusulas ambíguas”, que: “As cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição do aderente real”; 2. Referindo o seu n.º 2 que: “Na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente”; 3. É a consagração do “Princípio da protecção do contratante fraco ou em posição desfavorecida”! 4. E isto, caso se considerasse a omissão do local seguro ou de risco na apólice de seguro dada como assente; 5. Seria sempre levado em linha de conta a vontade presumida da parte mais fraca — a 2.ª ré — se tivesse conhecimento real ou em condições de o obter, o que, como facilmente se percebe, não o tem! 6. A 2.ª ré, uma senhora alentejana, de parca instrução, e padecendo de doença prolongada, não pode ser comparada ou equiparada com e aos “avultados conhecimentos técnicos e específicos” em matéria de contratos de seguros da 1.ª ré; 7. Por outro lado e ainda, o contrato de seguro que a 2.ª ré outorgou, e caso se considerasse a omissão do local de risco na apólice dada como assente, era um contrato de adesão; mas a vontade real da 2.ª ré era por “todos conhecida” e o sinistrado há mais de 17 anos que trabalhava em todas as propriedades da família EE; 8. A ser considerad[a] a apólice de seguro dada como assente e a ter vindo à colação a omissão do local de risco como factor de responsabilização da 2.ª ré, seria sempre a 1.ª ré “a assumir o risco de uma declaração defeituosa dado que é ele quem dispõe dos meios ao seu alcance para evitar, com claridade na expressão, toda a dúvida” — cfr. Ruben S. Stiglitz, ob.cit., pág. 179, com citação de abundante doutrina e jurisprudência; 9. Por outro lado, as cláusulas particulares prevalecem sempre sobre as cláusulas contratuais gerais, mesmo quando constantes de formulários assinados pelas partes — é a posição unanimemente defendida pela Doutrina, com consagração legal no artigo 7.º do Dec/Lei n.º 446/85 de 25 de Outubro; 10. E a apólice de seguro dada como assente e que deveria ter sido a única a ser considerada para estes efeitos e constante dos autos estabelece e identifica-se logo como “Condições Particulares”; mas ainda assim e caso se considere 11. Existir uma divergência entre a proposta e a apólice, “...será o segurador que deverá procurar obter expressamente o acordo do proponente-segurado, sob pena de a este último assistir o direito de invocar a respectiva nulidade”, in Contrato de Seguro – Notas para uma Teoria Geral, aut. José Vasques, Coimbra Editora, 1999, pág. 356; ora, 12. A 1.ª ré seguradora, não só não esclareceu o segurado e [2.ª] ré desta divergência entre a proposta de seguro e apólice de seguro realizada, como ainda por cima, a “usou” em litígio contra este! 13. Perdoe-se a expressão mas: “cabe na cabeça de alguém que se a 2.ª ré tivesse tido conhecimento da divergência entre a proposta de seguro e a apólice, que não teria substituído a mesma ou realizado uma outra!?”; 14. Sendo também igualmente certo que nem mais um simples “cêntimo” a 2.ª ré pagaria por esse facto substitutivo em termos de agravamento do seu prémio de seguro! 15. E no sentido de todo o plasmado nestas conclusões vem o Acórdão do S.T.J., datado de 05-03-2008, proferido no âmbito do recurso de revista n.º 07S3789, juiz relator Sousa Grandão, n.º convencional JSTJ000, ao acordar no seu Relatório, ponto 1.3, 14 que: “tem-se entendido que é de aplicar, em sede de interpretação e nas situações normais, a teoria de impressão do destinatário, vazada no artigo 236.º C.C., cujo n.º 1 dispõe que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real destinatário, possa deduzir do comportamento do Declarante”; 16. E o mesmo Acórdão, no seu ponto 3 – Direito, refere expressamente no ponto 3.2.2. que nos contratos de adesão, aplica-se o regime do Dec/Lei n.º 446/85 e especialmente o consagrado nos artigos 10.º e 11.º e que, “em caso de dúvida prevalece o sentido mais favorável ao aderente”; por outro lado e ainda, 17. A douta sentença “a quo” refere em fls. 766, no seu 5.º parágrafo e muito bem, e acertivamente a condição especial 03 da Apólice Uniforme de Seguros de Trabalho para Trabalhadores Por Conta de Outrem, publicado no DR II série, de 30.11.99, considerando todos os elementos que o contrato de seguro de agricultura (genérico e por área) deve conter — e onde não consta o “local de risco” — mas continua referindo o Douto Acórdão Processo n.º 3390/08-13 secção, Relator: M. Fernanda Soares do Tribunal da Relação do Porto, que: “...neste tipo de seguro não se indicam os nomes dos trabalhadores em folhas de remunerações, vulgo, folhas de férias, nem há o envio das mesmas à seguradora. Nesta modalidade, a cobertura do contrato, quanto aos trabalhadores seguros, respeit[a] apenas aos que trabalham nas propriedades agrícolas do segurado, locais de risco devidamente identificados nas condições particulares; e logo no parágrafo seguinte, considerou existir um local de risco mas...constante da proposta de seguro (!?) e na esteira deste também Douto Acórdão referido, que “foi mais longe” que a Apólice Uniforme, ao exigir a inclusão do “local de risco” para estes seguros agrícolas; 18. Ora, se a sentença “a quo” tivesse considerado “apenas” a apólice dada como assente, o “local de risco” ou era considerado como inexistente, e valeriam todas as considerações já plasmadas sobre a completa responsabilização da ré seguradora por esse facto, ou, como consta da mesma a expressão “in itinere”, teríamos um local de risco não especificado! Mas não, 19. A douta sentença “a...

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