Acórdão nº 7366/03.9TBSTB.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Novembro de 2010

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução02 de Novembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA DAS RÉS; CONCEDIDA PARCIALMENTE A DO AUTOR Sumário : I) - A Lei n.º24/2007, de 18.7, veio definir os direitos dos utentes das vias rodoviárias classificadas como auto-estradas concessionadas, focando, além do mais, a questão do ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança [em acidentes ocorridos em auto-estradas em caso de acidente rodoviário causado pelos factos constantes das als. a), b) e c) do nº1 do art. 12º], tomando posição ante uma questão que era pomo de discórdia na jurisprudência e na doutrina.

II) – Tal lei é, pois, interpretativa e de aplicação retroactiva, pese embora definir as regras e o regime do ónus da prova – que coloca a cargo da concessionária ocorrendo os factos que prevê no seu art. 12º, nº1, sendo essa questão de crucial importância para abrir caminho por um dos termos da equação da responsabilidade civil contratual, por contraponto à responsabilidade civil extracontratual, faz opção pelo instituto da responsabilidade contratual.

III) – Seria incongruente que a lei, colocando a cargo da concessionária o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, considerar que o diploma não permite afirmar que a opção do legislador foi pela aplicação das regras da responsabilidade contratual, por essa solução não resultar daquela lei interpretativa.

IV) – Trata-se de um ónus posto a cargo de alguém que é devedor de uma prestação inerente à concessão das auto-estradas o que permite afirmar que a lei consagrou a regra do art. 799º, nº1, do Código Civil – cabendo à concessionária ilidir a presunção de culpa quando for possível afirmar que, por violação de “obrigações de segurança”, ocorreu acidente rodoviário respeitando (diríamos despoletado) por –“ a) objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem; b) atravessamento de animais; c) líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais”.

IV) – Não se destinando a atribuição pecuniária pelo dano moral a pagar qualquer preço pela dor – “pretium doloris”, que é de todo inavaliável, mas antes a proporcionar à vítima uma quantia que possa constituir lenitivo para a dor moral, os sofrimentos físicos, a perda de consideração social e os sentimentos de inferioridade (inibição, frustração e menor auto-estima), a quantia a arbitrar é fixada com recurso à equidade devendo ser ponderada a gravidade objectiva do dano, mormente a sua localização, extensão e irreversibilidade [as lesões na face são psicologicamente mais traumáticas que noutra parte do corpo] e as circunstâncias particulares do lesado – a idade, o sexo e a profissão.

V) O dano estético deve ser compensado na vertente do dano não patrimonial.

Decisão Texto Integral: Acordam do Supremo Tribunal de Justiça AA, em 8.10.2003, instaurou, no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (Vara de Competência Mista), acção declarativa de condenação emergente de acidente de viação, sob a forma ordinária, contra: BB, SA., Pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia total de € 300.511,76, como indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros vincendos desde a data da citação até integral pagamento.

Alegou, em resumo, que circulava, no dia 26.11.2000. na auto-estrada do sul, conduzindo um veículo pesado de passageiros, quando foi atingido por uma pedra arremessada de uma passagem superior que lhe causou lesões, bem como danos no veículo, Citada a ré, veio contestar, alegando factos tendentes a atribuir a culpa a terceiros não identificados, eximindo a sua responsabilidade, concluindo pela sua absolvição do pedido.

Foi admitida a intervenção da Companhia de Seguros CC, S.A.

, requerida pela ré, em virtude da existência de um contrato de seguro que esta celebrou com aquela, nos termos do qual foi assumida pela seguradora a responsabilidade emergente de danos causados a terceiros no âmbito do exercício da actividade de concessionária das auto-estradas.

A chamada contestou declinando a responsabilidade da BB na eclosão do sinistro, concluindo pela improcedência da acção.

Após realização de audiência de julgamento, foi proferida sentença cujo dispositivo reza: “Em face do exposto, julgo a acção parcialmente procedente, por provada, e em consequência, decide-se:

  1. Condenar, solidariamente, as RR. BB, S.A., e a interveniente Companhia de Seguros CC, S.A, a pagar ao Autor AA a quantia de € 50.511.76 (cinquenta mil quinhentos e onze euros e setenta e seis euros) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, vencidos desde a data da citação até integral pagamento.

  2. Condenar, solidariamente, as RR. BB-…, S.A., e a interveniente Companhia de Seguros CC, S.A., a pagar ao Autor AA a quantia de € 27.000 (vinte e sete mil euros) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, vencidos desde a prolação desta decisão até integral pagamento.

    […]”.

    Desta decisão foi interposto recurso de apelação, quer pelo Autor, quer por ambas as Rés, para o Tribunal da Relação de Évora que, por Acórdão de 14.4.2010 – fls. 962 a 984 – decidiu: “a) – Julgar improcedentes os recursos das Rés.

  3. - Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Autor, nos termos supra referenciados, e, consequentemente, revogar parcialmente a sentença, no que concerne ao montante atribuído a título de danos patrimoniais futuros, que se fixam em € 97.000,00, sendo a condenação solidária das rés, mas respondendo a Seguradora apenas, pelo montante que exceda o valor da franquia que é de € 748,20.

    Custas por autor e rés na proporção dos respectivos decaimentos”.

    Inconformados, recorreram para este Supremo Tribunal de Justiça o Autor e as Rés “BB” e “CC”.

    Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões (fls. 1016): 1) – O Recorrente é portador de um dano estético fixado em grau 3 (na escala de O a 5), em função das lesões referenciadas nos factos assentes; 2) - O dano estético é autonomizável em relação ao dano não patrimonial; 3) - O dano estético do Recorrente, de acordo com os factos provados, é visível, permanente e produz-lhe repúdio; 4) – A título de prejuízo de natureza estética deve ser fixada ao recorrente uma indemnização não inferior a € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros); 5) – Contudo, se se entender de modo diferente, deve o dano em causa ser computado sem conjunto com o “quantum doloris”.

    6) – A compensação por danos não patrimoniais deve conter uma função punitiva em relação ao obrigado, tomando como referência a extensão das lesões de que o Recorrente é portador, duração dos tratamentos, afectação física e psicológica, afastamento da família, longos períodos de tratamento acompanhamento em várias especialidades médicas, fisioterapia e afectação ao dos os níveis do seu ritmos de vida, conforme resulta aos factos provados e aqui dados como reproduzidos; 7) – Consequentemente deve fixar-se o valor do dano não patrimonial a favor do Recorrente, em montante não inferior a € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros); 8) – Desse modo, deve ser revogado o acórdão na parte em que fixou em € 27.000,00 (vinte e sete mil euros).

    9) – Mostra-se violado o contido nos artigos 494°, n°2, 562°, 483°,487° e 466° do Código Civil.

    A BB, alegando, formulou as seguintes conclusões: I) - O fundamento para a condenação da recorrente foi a alegada não elisão da presunção de incumprimento que por aplicação do disposto no n° 1 do art. 12° da Lei n° 24/2007, de 18 de Julho, sobre a concessionária impenderia; II) – Para suportar a tese da natureza interpretativa da norma em questão, é afirmado, a fls. 15 do douto acórdão sob recurso, que aquela norma “… veio consagrar uma das soluções controvertidas pela doutrina e pela jurisprudência, tendo resolvido um problema que era alvo de debate, dando-lhe uma solução dentro dos quadros de controvérsia anteriormente estabelecida...sucede porém que o assim consignado no arresto sub judice, não é exacto nem integralmente verdadeiro; III) – A discussão que se travava nos Tribunais e na doutrina era não quanto à distribuição do ónus da prova mas quanto à natureza da responsabilidade civil da concessionárias digladiando-se duas teses fundamentais, dum lado os que defendiam a natureza extracontratual dessa responsabilidade e doutro lado os que defendiam a natureza contratual da mesma; IV) – O legislador foi para além da discussão existente na Jurisprudência e Doutrina ao criar “ex novo” e fora de todo o enquadramento da discussão, uma presunção de incumprimento, isto é, do facto ilícito: V) – A circunstância de tal presunção de culpa e de incumprimento se aplicar restritamente a certo tipo de eventos reforça a novidade da norma; VI) – Concluímos, assim que a norma do n° 1 do art. 12° da Lei 24/2007, não tem natureza interpretativa e a sua aplicação nos termos em que foi feita no douto acórdão da Relação de Évora consubstancia uma aplicação retroactiva da lei, consequentemente inconstitucional por violação dos direitos fundamentais, liberdades e garantias constitucionalmente consagradas; VII) – Como decidido pelo Acórdão desse Supremo Tribunal de Justiça de 03.05.2001 (P.613/01) “Para que possa falar-se de acidente de viação, é necessário que um veículo tenha sido causa directa ou indirecta do acidente, isto é, que este tenha resultado do risco próprio da junção do veículo”. (Col. de Jur., 2001, 2, 43). Ou como também consignado no acórdão, desse mesmo Tribunal, de 12.06.1993 lavrado no processo 191/92 “acidente de viação é toda a ocorrência lesiva de pessoas ou bens provocada por veículo sempre que este manifeste os seus “riscos especiais”, que se pode consultar in www.cidadevirtual.pt/stj/jurisp/responsabilidadepelorisco.html.

    VII) – No caso sub judice o facto lesante de que o Autor foi vítima nem se enquadra na actividade viária, nem teve qualquer veículo como causa directa ou indirecta; VIII) – Assim, restringindo-se o âmbito de aplicação da norma constante do n° 1, do art. 12°, da Lei 24/2007, de...

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