Acórdão nº 01A4066 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Janeiro de 2002
Magistrado Responsável | AZEVEDO RAMOS |
Data da Resolução | 24 de Janeiro de 2002 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A", instaurou a presente acção ordinária contra o B, representado pela Câmara Municipal da ... e seu Presidente, tendo por objecto a verba de 15.000.000$00, exigida por um alvará de loteamento e depois cobrado pela Câmara Municipal da ..., com o destino específico de contribuição prestada pela autora para um nó viário que, não sendo criado sobre o terreno sujeito a loteamento, lhe dava melhor acesso, contribuição essa que foi paga pela mesma autora, por tal pagamento ter sido posto como uma das condições para a aprovação do loteamento e concessão do respectivo alvará. Por considerar que a exigência daquela quantia não tem fundamento legal e só pode ser qualificada como um imposto, a autora alega que tal exigência não se enquadra sequer nas atribuições da autarquia e constitui usurpação de poderes da competência exclusiva da Assembleia da República, o que, na sua óptica, determina a inconstitucionalidade e a nulidade da respectiva deliberação da Câmara Municipal. Tal nulidade pode ser invocada a todo o tempo e declarada por qualquer Tribunal, sem prévia interposição de recurso contencioso administrativo para obter a declaração da nulidade daquela deliberação. Por isso, a autora conclui, pedindo a condenação do réu na restituição da quantia de 15.000.000$00, acrescida de juros bancários correntes de depósito a prazo, por um ano e um dia, desde o recebimento pela Câmara de tal quantia e até à sua efectiva entrega, tudo com fundamento na nulidade da deliberação e ainda no enriquecimento do réu sem causa, à custa do empobrecimento da autora. O réu contestou. Por excepção, questiona a incompetência material do tribunal comum e, por impugnação, defende a validade da deliberação. Acrescenta que, se a deliberação camarária padece de qualquer vício tal só pode ser o da anulabilidade, que se encontra sanada, por não ter sido tempestivamente arguida perante os Tribunais Administrativos. Considera ainda que, estando construído o acesso viário, o recebimento da quantia em questão não constitui enriquecimento sem causa. Houve réplica . O tribunal comum foi considerado competente em razão da matéria, por decisão que transitou em julgado. O processo prosseguiu seus termos, com a selecção dos factos assentes e a organização da base instrutória . Realizado o julgamento e apurados os factos, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente . Apelou a autora, mas a Relação de Coimbra, através do seu Acórdão de 5-6-2001, negou provimento à apelação e confirmou a sentença recorrida . Continuando inconformada, a autora recorreu de revista, produzindo alegações, cujas conclusões se podem resumir nos termos seguintes: 1 - A matéria de facto apurada não permite que a situação se enquadre no art. 17, nº1, al. d), do dec-lei 100/84, de 31 de Dezembro, como foi entendido no Acórdão recorrido . 2 - A discutida quantia de 15.000.000$00 deve ser considerada como um imposto que foi exigido à autora, sem que lei anterior que o tivesse definido. 3 - E tal exigência não se enquadra nas atribuições da autarquia, constituindo usurpação de poderes próprios e de competência exclusiva da Assembleia da República . 4 - Uma tão grave violação legal traduz-se em nulidade e inconstitucionalidade, cujos vícios inerentes são geradores de impossibilidade da respectiva cobrança e da obrigação de restituição. 5 - É erróneo afirmar que apenas estava em causa uma deliberação de loteamento condicionada carecida de fundamentação, pois a condição do pagamento daquela quantia é uma exigência económica sem qualquer fundamento legal, isto é, insusceptível de ser criada por um acto administrativo formalmente fundamentado em si mesmo. 6 - Como também é erróneo dizer que a exigência não é coactiva, nem unilateral. 7 - Se a exigência dos 15.000.000$00 era ilícita, estando o acto respectivo ferido de nulidade, tal acto não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração da nulidade, sendo que o vício é invocável a todo o tempo, por qualquer interessado e pode ser declarado por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal. 8 - Para tanto e ao contrário do que se diz no Acórdão recorrido, não carecia o autor de interpor recurso contencioso administrativo para a declaração dessa nulidade . 9 - E antes é direito da autora exigir da ré a devolução daquilo que lhe pagou, sem qualquer fundamento legal e pelo uso de deliberação nula. 10 - Até porque, e subsidiariamente, o recebimento da referida quantia foi indevido e constitui enriquecimento sem causa, com o consequente empobrecimento da autora ou locupletamento do réu, à custa daquela . 11 - Considera violados os arts 363, nº1, do Cód. Administrativo, 132, nº2, al. a) e 134 do C.P.A., 76 do dec-lei 100/84 de 29 de Março , 168 , nº1, da C.R. P. e 473 e segs do Cód. Civil. 12 - O acórdão recorrido deve ser revogado e a acção julgada procedente . Nas suas contra-alegações, o recorrido sustenta que, não obstante poder dizer-se que, formalmente, a recorrente formulou conclusões, ela não apresenta, em termos substanciais, uma verdadeira e própria oposição conclusiva ao acórdão impugnado, já que as alegações apresentadas são, no essencial, idênticas às oferecidas em segunda instância, o que leva a que o recurso deva ser considerado deserto, nos termos do art. 690, nº3, do C.P.C. Para a hipótese de se conhecer do recurso, defende a manutenção do julgado, até por considerar que o pedido de restituição da mencionada quantia de 15.000.000$00 constitui um manifesto abuso do direito, na modalidade do venire contra factum proprium, em virtude da recorrente, no requerimento de 19-12-94, onde solicita anulação do alvará, reafirmar o propósito de manter, sem loteamento, o pagamento daquela importância, a favor do nó. Corridos os vistos, cumpre decidir. Estão provados os factos seguintes: 1 - Em 26-3-90, a autora requereu à Câmara Municipal da ... a aprovação de projecto loteamento, na sua propriedade denominada C, conforme documento junto a fls 21. 2 - Com data de 11-12-91, a autora dirigiu à...
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