Acórdão nº 02A1008 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Janeiro de 2003

Magistrado ResponsávelAFONSO CORREIA
Data da Resolução21 de Janeiro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" e esposa B, residentes no ..., Pernes, Santarém, demandaram C e esposa D e E e esposa F, residentes em Rua da ...., Casal do Cambra, Odivelas, pedindo a declaração, a seu favor, do direito de propriedade do imóvel identificado na petição inicial e a condenação dos réus a entregar tal imóvel, livre de pessoas e de bens. A fundamentar tal pedido alegaram, em síntese: por escritura pública de 23 de Fevereiro de 1913 foi celebrado um contrato de arrenda-mento rural entre os avós do autor e J, tendo por objecto uma parcela de terreno sita na freguesia de S. Vicente do Paul, em Santarém; por morte do primitivo inquilino a sua posição transmitiu-se ao filho G, tendo o contrato caducado por morte deste último, em Agosto de 1996; o prédio encontra-se, desde então, ocupado pelos réus, filhos de C, os quais, apesar de interpelados, recusam entregá-lo. Citados, os RR apresentaram contestação conjunta na qual, em síntese, alegam: ser a petição inepta por contradição entre o pedido e a causa de pedir; os contratos de arrendamento celebrados na vigência do Código Civil de 1867 não caducam por morte do primitivo arrendatário ou dos seus sucessores, nem deixavam de se renovar no fim do prazo, sendo regulados pela lei do tempo da sua feitura. Em reconvenção os réus pedem a condenação dos autores a pagar-lhes a quantia de 3.250.000$00 (três milhões e duzentos e cinquenta mil escudos) relativa a benfeitorias feitas no prédio, pedido este a ser considerado na hipótese de procedência da acção. Os autores apresentaram ainda articulado de resposta à matéria da excepção e de contestação ao pedido reconvencional, concluindo pela inexistência de nulidade de todo o processo e pela improcedência do pedido reconvencional porque, nos termos contratuais, todas as benfeitorias ficavam a pertencer ao prédio, sem direito do inquilino a qualquer indemnização. No saneador decidiu-se ser o Tribunal absolutamente competente, as partes legítimas e não haver nulidades ou excepções, do mesmo passo que se julgou improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial. Seleccionados os factos assentes e controvertidos, procedeu-se a avaliação das benfeitorias, a habilitação dos sucessores do A. A, entretanto falecido, e a audiência de julgamento com decisão da matéria perguntada no questionário, sempre sem reclamações. De seguida proferiu o Ex.mo Juiz douta sentença que julgou a acção inteiramente procedente e a reconvenção de todo improcedente. Entendeu-se em tal decisão, essencialmente, que era aplicável ao contrato de arrendamento rural em causa o regime fixado no Dec-lei n.º 385/88, de 25 de Outubro, por assim o determinar o art. 36º deste diploma. Nos termos do art. 23º, n.os 1 e 2, al. b) e 4, do mesmo Dec-lei, o arrendamento não caduca por morte do arrendatário, antes se transmite aos seus herdeiros, mas apenas uma única vez. Ora, tendo falecido em Agosto de 1996 o então inquilino G, filho do primitivo arrendatário, nessa data caducou o contrato que, por isso, se não renovou em 1997, quando teria decorrido sobre a entrada em vigor do CC (art. 297º, n.º 1) o prazo de 30 anos a que o art. 1025º CC imperativamente reduziu o prazo superior antes convencionado. Quanto às benfeitorias não eram elas indemnizáveis por assim ter sido clausulado, além de que sempre teriam de ser autorizadas por escrito, nos termos do art. 14º, n.º 1, do Dec-lei n.º 385/88, de 25 de Outubro, ou 15º, n.º 1, da Lei n.º 76/77, de 29 de Setembro. Apelaram os RR, mas sem êxito, que a Relação de Évora confirmou inteiramente o decidido, depois de julgar irrelevantes para decisão e não aplicadas as normas dos art. 297º, n.º 1 e 1025º do CC e 24º do Dec-lei n.º 385/88, de 25 de Outubro, cuja inconstitucionalidade vinha arguida pelos Recorrentes. Também o Tribunal Constitucional já decidira não ser inconstitucional a aplicação do regime estabelecido pelo Dec-lei n.º 385/88 aos contratos anteriores. Ainda irresignados, pedem os RR revista insistindo na não caducidade do arrendamento e na inconstitucionalidade das normas que permitam interpretação ou aplicação contrária à não caducidade, bem como na procedência do pedido (subsidiário) de indemnização pelas benfeitorias realizadas. Como se vê da alegação que coroaram com as seguintes conclusões: 1ª - O contrato de arrendamento rural para fins agrícolas celebrado em 23 de Fevereiro de 1913 entre antepassados dos Recorridos, como senhorios, e antepassado dos Recorrentes, como rendeiro, é regulado pela lei vigente à data em que foi celebrado; 2ª - Assim, tendo o contrato a duração de 99 anos e o seu início em 23 de Fevereiro de 1913, o seu termo final verifica-se em 23 de Fevereiro de 2012, como, aliás, os contraentes fizeram constar do próprio contrato, que foi reduzido a escritura pública, e decorre do que se estabelece nos Art°s 1619 e segs., do Código Civil de 1867; 3ª - Os Artigos 297° - 1 e 1025° do Código Civil vigente, interpretados no sentido em que o que neles se dispõe é aplicável aos contratos de arrendamento de prédios rústicos para fins agrícolas celebrados na vigência do Código Civil de 1867 são materialmente inconstitucionais; 4ª - O Artigo 24° do D.L. 385/88, de 25/10, interpretado no sentido em que o que nele se estabelece tem eficácia retroactiva, nomeadamente em relação aos contratos de arrendamento celebrados na vigência do Código Civil de 1867, é também materialmente inconstitucional; 5ª - Mesmo entendendo-se como conformes às normas constitucionais o que se dispõe nos referidos Artigos do Código Civil de 1966 e no Art.º 24° do D.L. 385/88, na indicada interpretação, o contrato de arrendamento em causa nos autos não caducou por morte do sucessor do rendeiro, e renovou-se, nos termos nele previstos, em 1 de Junho de 1997, e pelo prazo de 30 anos, ocorrendo, assim, o seu novo termo em 31 de Maio de 2027, já que não lhe são aplicáveis os regimes legais substantivos posteriores, nomeadamente as indicadas disposições legais. 6ª - Se se considerar que se verificou a caducidade do contrato de arrendamento, os Apelantes tem direito à indemnização pelas benfeitorias realizadas, independentemente do que foi clausulado no contrato e do que foi previsto em legislação posterior à data do contrato, se for entendido que norma imperativa se impõe à vontade das partes. 7ª - Decidindo como decidiu o Acórdão recorrido violou, entre outros, os Art°s 2° e 18° - n.º 3 da CR.P., e 12°, 297° - 1 e 1025° do Cód. Civil. Responderam os Recorridos em defesa do decidido. Colhidos os vistos de lei e nada obstando, cumpre decidir as questões submetidas à nossa apreciação, as de saber se I - O contrato em apreço é regulado pele lei vigente à data em que foi celebrado, pelo que o seu termo final ocorre em 23.2.2012, decorridos 99 aos sobre a data da sua celebração, em 23.2.1913 - conclusões 1ª e 2ª; II - são materialmente inconstitucionais os art. 297º, n.º 1 e 1025º CC quando interpretados no sentido de que quanto neles se dispõe é aplicável aos contratos como o em apreço, celebrados na vigência do Código de 1867 - conclusão 3ª: III - é materialmente inconstitucional o art. 24º do Dec-lei n.º 385/88, de 25 de Outubro, quando interpretado por forma a conferir-se-lhe eficácia retroactiva, nomeadamente a contratos como o aqui em causa, celebrado na vigência do CC de 1867 - conclusão 4ª; IV - ainda que aplicadas aquelas normas do CC e esta do Dec-lei n.º 385/88, de 25 de Outubro, o contrato renovou-se por trinta anos, em 1 de Junho de 1997 - conclusão 5ª; V - decidido, contra o acordado, que o contrato caducou, então os Recorrentes têm direito às benfeitorias, independentemente do clausulado no contrato - conclusão 6ª. Para tanto é mister ver que as instâncias tiveram por assentes os seguintes Factos: a) - Por escritura pública de 23 de Fevereiro de 1913, foi celebrado contrato de arrendamento rural entre os avós do autor H e I, na qualidade de senhorios, e J, também conhecido por ...., na qualidade de inquilino, tendo por objecto uma parcela de terreno de pousio com duas oliveiras, parte do prédio misto sito no .... na freguesia de S. Vicente do Paul, então descrito na Conservatória de Registo Predial de Santarém sob o n.º 3.069 - al. A). b) - O arrendamento foi celebrado pelo prazo de noventa e nove anos, renováveis, e foi fixada a renda de cinco mil réis, a pagar em casa do senhorio, no dia 15 de Agosto de cada ano - al. B). c) - O direito de propriedade sobre o referido prédio adveio ao autor marido por efeito da divisão feita com seus irmãos e cunhados em consequência da partilha realizada por óbito dos seus avós, primitivos senhorios - al. C). d) - O prédio encontra-se actualmente descrito na Conservatória de Registo Predial de Santarém sob o n.º 49.534 do Livro B-126 e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 3 - Secção J da dita freguesia - al. D). e) - O primitivo inquilino faleceu há cerca de quarenta anos, transmitindo-se a...

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