Acórdão nº 02A1160 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Outubro de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelAFONSO CORREIA
Data da Resolução15 de Outubro de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça "A" intentou contra B e esposa C acção com processo comum e forma ordinária, pedindo se declare resolvido, por incumprimento definitivo dos RR, o contrato promessa de compra e venda que identifica e, consequentemente, se condene os RR a pagar-lhe a quantia de dez milhões de escudos, dobro do sinal entregue, com juros à taxa legal a partir da citação. Contestaram os RR a pedir a improcedência da acção: o contrato fora justificadamente resolvido por eles dado que o A. não efectuou o reforço do sinal nem celebrou a escritura nas datas para tanto aprazadas. Correu o processo seus regulares termos e após julgamento foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção e por se ter entendido que o incumprimento era imputável a ambas as partes, condenou os RR a restituir ao A. o sinal em singelo, no montante de cinco milhões de escudos, com juros legais desde 17 de Fevereiro de 1999 até integral reembolso. Inconformados, apelaram os RR, mas sem êxito, que a Relação de Lisboa manteve inteiramente o decidido depois de rejeitar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, considerar não ser essencial o prazo fixado para celebração da escritura - a que se não opunha a natureza formal do contrato promessa - e ser ilegítima a resolução operada pelos RR. Ainda irresignados, pedem a este Tribunal revista e consequente revogação do acórdão recorrido que teria violado o disposto nos art. 238º, n.º 2, 220º e 221º, 394º n.º 1, 405º, n.º 1, 406º, n.º 1 e 227º, n.º 1, todos do CC. Como melhor se vê da alegação que coroaram com as seguintes Conclusões 1º - No presente recurso de revista é colocada à apreciação e julgamento deste Supremo Tribunal de Justiça uma questão jurídica de enorme importância na Teoria Geral do Direito Civil, a saber, a interpretação e aplicação das normas jurídicas sobre interpretação dos chamados negócios jurídicos formais - art. 238º do Código Civil; 2º - Com efeito, conforme jurisprudência dominante deste Supremo Tribunal, se tais normas não tiverem sido aplicadas ou tiverem-no sido incorrectamente, ocorrerá violação de lei substantiva, a qual é fundamento de revista nos termos do art. 721º, n.º 2, do Código de Processo Civil, constituindo assim matéria de direito da competência do Tribunal de revista, pelo que o STJ pode exercer censura sobre o modo como as instâncias interpretaram a declaração de vontade das partes face às mencionadas normas jurídicas; 3º - Assim sendo, na óptica dos Recorrentes, verifica-se que o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/11/01, Acórdão ora recorrido e objecto de censura legal, interpretou e aplicou erradamente as normas sobre interpretação dos negócios jurídicos formais, mais concretamente, o art. 238º, n.º 2, do nosso Código Civil; 4º - Ora, por via do depoimento da testemunha D, ela própria anteriormente parte no contrato - promessa de compra e venda de prédio rústico celebrado entre os Recorrentes e o Recorrido em 23/7/97, o Acórdão Recorrido considerou que os Recorrentes sabiam que o Recorrido era casado, que se encontrava pendente o seu processo de divórcio e que só depois de decretada a dissolução do casamento é que seria celebrada a respectiva escritura; 5º - Mais considerou o Acórdão Recorrido que, apesar de estarmos perante um negócio jurídico formal, não foi violado o art. 238º do Código Civil em virtude de, face aos factos provados, se ter apurado ter sido vontade real das partes que a escritura só se realizaria depois de decretado o divórcio do Recorrido e que tal declaração negocial era válida por as razões determinantes da forma do negócio se não oporem a tal validade; 6º - Contudo, o entendimento do Acórdão Recorrido não tem qualquer suporte na lei; 7º - E nem os factos dados como provados pelo Acórdão Recorrido e mencionados nas conclusões 4ª e 5ª poderiam, face ao art. 238º, n.º 2, do Código Civil, levar a um sentido que não tinha um mínimo de correspondência no texto do documento contratual; 8º - Assim é que, conforme o entende a doutrina, resulta do n.º 2, do art. 238º do nosso Código Civil que um sentido subjectivo não traduzido minimamente no texto do documento poderá ainda ser entendido se, cumulativamente, corresponder à vontade real das partes e não valerem, no caso, quanto a ele, as razões determinantes da forma legal; 9º - O art. 238º, n.º 2, do nosso Código Civil tem pois de ser interpretado à luz do seu art. 221º o que implica que, no âmbito do negócio formal que se interpreta, têm de estar em causa apenas estipulações não abrangidas pela forma legal; 10º - E por isso mesmo é importantíssimo fazer a distinção entre cláusulas essenciais e cláusulas acessórias do negócio jurídico, dado que, quanto às primeiras, tem de se respeitar a forma legalmente imposta nos termos do art. 220º do Código Civil; 11º - Assim, se as estipulações acordadas pelas partes se referirem ao conteúdo essencial do negócio jurídico submetido por lei a forma escrita, têm tais estipulações - cláusulas essenciais, de satisfazer essa forma, sendo, por conseguinte, nulas, no caso contrário; 12º - Deste modo, por cláusulas essenciais do negócio jurídico tem de se entender tudo aquilo que constitui o essencial pretendido pelas partes e por cláusulas acessórias aquelas que embora não constituam o essencial pretendido pelas partes, venham no entanto coadjuvar o essencial do negócio num ou noutro sentido; 13º - No fundo, as cláusulas adicionais são estipulações que não podem contradizer o documento contratual, mas apenas o completam ou adicionam; 14º - Ora, face ao texto do contrato - promessa dúvidas não restam que o disposto na sua cláusula 9ª era, efectivamente, uma cláusula essencial do contrato, pois as partes convencionaram logo no texto do documento que era essencial para elas que a escritura fosse realizada impreterivelmente até dia 31/12/97, não tendo estipulado que tal escritura se realizasse só depois do divórcio do Recorrido A; 15º - Como já o entendeu este STJ no seu Acórdão de 9/3/95, BMJ, 445, a exigência de forma legal pode visar, simultaneamente, várias das razões que servem para a justificar, pelo que uma apreciação jurídica da respectiva exigência da forma legal deve abranger todas as razões e objectivos e, ainda, as prioridades entre elas; 16º - A doutrina do citado Acórdão vem pois reforçar a segurança dos negócios jurídicos formais no sentido de, em matéria de cláusulas essenciais de um negócio jurídico sujeito à forma legal, tal forma tem que abranger tudo aquilo que as partes quiseram consagrar como sendo o essencial do negócio formal que celebraram; 17º - E não há dúvidas que as partes entenderam como essencial a celebração da escritura até ao dia 31/12/97, pois se considerassem que tal não era essencial para o negócio, pura e simplesmente nunca teriam feito consagrar tal cláusula no texto do contrato; 18º - Se, por exemplo, Recorrentes e Recorrido nada tivessem estipulado no contrato sobre a data da realização da escritura, teria de se considerar que um acordo verbal posterior sobre a fixação de tal data seria uma cláusula acessória do negócio em virtude de não o contrariar, mas por completar ou adicionar algo ao negócio não contrariando o seu conteúdo; 19º - Na situação referida na conclusão anterior, então sim, as razões de forma não se oporiam a uma declaração negocial que apontasse num tal sentido, pelo que tal declaração teria validade jurídica face ao disposto no art. 238º, n.º 2, do Código Civil; 20º - Contudo, como foi referido, não foi isto o que se passou no caso dos Autos; 21º - Assim sendo, tem de se entender que o preceituado no art. 238º, n.º 2, do Código Civil tem de ser interpretado em conjugação com o disposto nos arts. 220º e 221º, do Código Civil, pelo que o regime do referido preceito legal só será aplicável às chamadas cláusulas acessórias do negócio jurídico, que não as chamadas cláusulas essenciais; 22º - Tratando-se pois de uma cláusula essencial do negócio jurídico como era a cláusula 9ª do contrato - promessa de compra e venda ora em causa, face ao disposto na conclusão anterior, não era legalmente possível ao Acórdão Recorrido modificar o significado da referida cláusula por via de factos produzidos por prova testemunhal, em virtude das razões de forma do negócio se oporem a uma declaração que não tinha um mínimo de correspondência no texto do documento contratual; 23º - Por tudo o exposto, a referência feita no Acórdão Recorrido a uma "secura" dos textos contratuais, não pode, no entanto, justificar por parte do Juiz uma interpretação dos textos para além do próprio texto, se, a lei, em matéria de interpretação de negócios jurídicos formais, impuser ao Juiz a aplicação de regras jurídicas na interpretação de tais negócios; 24º - Por conseguinte, o Acórdão Recorrido fez uma interpretação muito ligeira do art. 238º, n.º 2, do Código Civil, em particular, o disposto no seu n.º 2, não o conjugando, como se impunha, com o disposto nos arts. 220º e 221º; 25º - Assim sendo, e porque os Juízes julgam apenas segundo a Constituição e a lei - art. 203º da Constituição da República e art. 4º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, conclui-se que o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/11/01, ao validar juridicamente uma declaração negocial que, no seu entender, determinou uma modificação do significado atribuído à cláusula 9ª do contrato - promessa em causa nos Autos, violou os arts. 238º, n.º 2, 220º e 221º do Código Civil, sendo pois ilegal, pelo que deverá ser revogado por este Supremo Tribunal; 26º - Porém, entendem os Recorrentes que o Acórdão Recorrido padece de mais uma ilegalidade, a saber, a violação do art. 394º, n.º 1, do Código Civil; 27º - Com efeito, quer se entendesse que a data da realização da escritura era uma cláusula essencial do contrato quer se entendesse que tal data era uma cláusula acessória, podendo ser acordada verbalmente entre as partes, a realidade é que as declarações da testemunha D por traduzirem uma...

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