Acórdão nº 02S1366 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Setembro de 2002

Magistrado ResponsávelMÁRIO TORRES
Data da Resolução25 de Setembro de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório: A e B intentaram, em 4 de Junho de 1997, no Tribunal do Trabalho do Círculo Judicial de Cascais, contra C - Instituto de Medicina Estética e de Rejuvenescimento, Lda, acções emergentes de contrato de trabalho (respectivamente, processos n.s 190/97 e 191/97), nas quais peticionaram: (i) que seja declarada a existência de um contrato de trabalho entre cada um dos autores e a ré; (ii) que seja declarada a nulidade da estipulação do prazo nesses contratos, com as legais consequências; (iii) que a ré seja condenada a pagar: (1) a título de retribuições vencidas e não pagas, as quantias de 8532500 escudos ao autor e de 7932500 escudos à autora; (2) juros compensatórios sobre essas quantias a partir da data da citação; (3) as retribuições que se vencerem desde o 30.º dia anterior à proposição das acções até à resolução dos pleitos judiciais; (4) 2200000 escudos a cada um dos autores, a título de férias e subsídio de férias; (5) juros de mora sobre todas as quantias que se vencerem na pendência das acções, a liquidar em execução de sentença; e (iv) que a ré seja condenada a reintegrálos nos lugares, categorias, horários, vencimentos, funções e local de trabalho que deteriam se não tivessem ocorrido os despedimentos, sem prejuízo de poderem optar pelas indemnizações legais

Para tanto, aduziram, em suma, que: (i) foram admitidos ao serviço da ré mediante a celebração, em 30 de Setembro de 1995, de contratos escritos, que as partes denominaram de contratos de prestação de serviços, com início em 1 de Novembro de 1995 e a duração de um ano; (ii) não obstante, a actividade desenvolvida continha todos os ingredientes caracterizadores de contratos de trabalho, que especificam, pelo que como tais devem ser qualificados, sendo nulas as estipulações de termo neles apostas, por não terem sido indicados os respectivos fundamentos legais; (iii) foram despedidos pela ré com efeitos a partir de 30 de Outubro de 1996, sem precedência de processos disciplinares, pelo que tais despedimentos são nulos; (iv) a ré não pagou a cada um dos autores: (1) as remunerações referentes aos meses de Setembro e Outubro de 1996, no valor de 1350000 escudos; (2) as comissões referentes aos meses de Fevereiro a Outubro de 1996, no valor de 3375000 escudos; (3) metade das comissões de Janeiro de 1996, no montante de 187500 escudos; (4) ajudas de custo de Novembro e Dezembro de 1995 e de Março a Outubro de 1996, no valor de 500000 escudos; (5) uma viagem de ida e volta ao Brasil, nos termos contratuais, no valor de 320000 escudos; (6) 2200000 escudos, a título de férias e subsídio de férias; e (v) a ré deve ainda ao autor a quantia de 175000 escudos, referente a parte da remuneração de Agosto de 1996

A ré contestou (fls. 23 a 33 no processo n.º 190/97 e fls. 22 a 32 no processo n.º 191/97), tendo: por excepção, invocado a incompetência material e territorial do Tribunal e, relativamente ao autor, a nulidade do contrato de trabalho, na medida em que este tinha por objecto o exercício da medicina ortomolecular, que não é reconhecida pelo Ministério da Saúde nem pela Ordem dos Médicos; por impugnação, sustentado que os contratos celebrados são efectivamente de prestação de serviços, na medida em que ambos os autores prestaram à ré o resultado da sua actividade profissional, reconhecendo dever a cada um 2350000 escudos a título de prestações salariais e ajudas de custo, e sustentando que nada lhes é devido a título de comissões, na medida em que o acordado quanto a esta matéria pressupunha que a ré teria uma facturação que desse para cobrir tal valor, o que não se verificou; e, por reconvenção, pedido a condenação de cada um dos autores a pagar-lhe 8850000 escudos por violação da cláusula 8.ª do contrato celebrado (pela qual os autores se comprometeram a não exercer a actividade médica das respectivas especialidades - "medicina ortomolecular" o autor e "medicina estética e facial" a autora - durante o período de 3 anos após a cessação do contrato, quer no território português quer nas cidades brasileiras onde o sócio gerente da ré possui clínicas que exerçam essas funções, nem a solicitar ou angariar, directa ou indirectamente, clientes da ré, nem a solicitar, directa ou indirectamente, qualquer trabalhador, quadro superior ou colaborador da ré ou qualquer pessoa que tivesse sido empregado ou colaborador da ré durante o período de dois anos anteriores à cessação do contrato, incluindo as suas eventuais prorrogações), acrescidos de juros de mora

Nas respostas às reconvenções (fls. 51 a 55 do processo n.º 190/97, e fls. 48 a 51 do processo n.º 191/97), ambos os autores sustentaram a ilegalidade da referida cláusula 8.ª, bem como a sua inconstitucionalidade material, por violação do artigo 58.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa

Foram proferidos despachos saneadores em ambas as acções (fls. 148 a 153 da primeira e fls. 138 a 142 da segunda), tendo sido julgado o tribunal competente em razão de matéria e do território, elencados os factos assentes e elaborada a base instrutória, que foram objecto de reclamações por parte da ré (fls. 163 do processo n.º 190/97 e fls. 154 do processo n.º 191/97), as quais foram desatendidas (despachos de fls. 165 e 157, respectivamente)

Por despacho de fls. 213 do processo n.º 190/97 foi determinada a apensação do processo n. 191/97

A fls. 322 veio a ré deduzir articulado superveniente, que foi admitido, tendo sido aditados dois novos quesitos, por despacho de fls. 331

Realizada audiência de julgamento, foram dadas aos quesitos as respostas constantes de fls. 389 e 390, que não suscitaram reclamações

Por sentença de 11 de Janeiro de 2001 (fls. 396 a 409), foi: I) Julgada improcedente a reconvenção e absolvidos os autores do pedido reconvencional; II) Julgada parcialmente procedente a acção e a ré condenada:

  1. Relativamente a ambos os autores: (i) a reconhecer a existência de contratos de trabalho entre os autores e a ré; (ii) a reconhecer a nulidade da estipulação do prazo estabelecido nesses contratos; e (iii) a pagar a cada um deles: (1) 4050000 escudos, a título de indemnização de antiguidade; (2) as retribuições vencidas desde 4 de Maio de 1997 (30.º dia anterior à proposição da acção) até à data da sentença, a que deverão ser deduzidos os rendimentos de trabalho auferidos neste período, nos termos mencionados na parte III da sentença (onde se refere: "A este propósito cumpre consignar que nas retribuições vencidas a que os autores têm direito cabe não apenas a remuneração base, mas todas as demais prestações pecuniárias ou de outra natureza, satisfeitas com carácter de continuidade e regularidade, por forma a criarem no espírito do trabalhador a convicção de que constituem um complemento do seu salário. Assim, tal cálculo deverá integrar as comissões, ajudas de custo, bem como o valor da viagem anual de ida e volta ao Brasil (artigo 82.º, n.º 2, da LCT)"), a liquidar em execução desta; (3) 1350000 escudos, a título de remunerações de Setembro e Outubro de 1996; (4) 500000 escudos de ajudas de custo de Novembro e Dezembro de 1995 e de Março a Outubro de 1996; (5) 3375000 escudos de comissões de Fevereiro a Outubro de 1996; (6) 185000 escudos de comissões de Janeiro de 1996; (7) 1350000 escudos, a título de férias vencidas em 1996 e respectivo subsídio; e (8) o valor correspondente a uma viagem de avião de ida e volta ao Brasil, correspondente à execução do contrato entre 30 de Agosto de 1995 e 30 de Outubro de 1996, a liquidar em execução de sentença; B) A pagar ao autor a quantia de 175000 escudos de parte da remuneração de Agosto de 1996; C) A pagar a ambos os autores os juros de mora vencidos e vincendos sobre as quantias referidas, nos termos mencionados na parte III da sentença, isto é: (i) sobre a quantia de 4050000 escudos, a partir da data da citação; (ii) sobre o montante das retribuições vencidas após o 30.º dia anterior à proposição da acção, a partir da data da respectiva liquidação; e (iii) sobre as restantes quantias, a partir da data da citação (conforme peticionado); e III) Absolvida a ré do demais peticionado

    A sentença começou por abordar a questão da natureza da relação jurídica estabelecida entre as partes, e, constatando que, no caso, ficara provado que os autores estavam sujeitos a um horário de trabalho, utilizavam o equipamento fornecido pela ré, prestavam a sua actividade em local por esta determinado, sua propriedade, estavam sujeitos às ordens da ré, na medida em que se obrigavam a cumprir turnos de assistência aos sábados e feriados aos clientes daquela, nas condições por esta fixadas, acrescendo que os autores prosseguiam uma actividade que correspondia ao objecto da ré, integrando-se na organização desta e articulando a sua actividade com os demais trabalhadores da mesma, concluiu que os autores punham à disposição da ré, não o resultado, mas antes a sua própria força de trabalho, nos termos por esta definidos, sujeitos, portanto, às suas ordens e direcção, pelo que a relação contratual estabelecida entre as partes devia qualificar-se como um contrato de trabalho, sendo irrelevante a qualificação dada pelas partes em sentido diverso

    De seguida, considerou a sentença que, apesar de essas relações contratuais terem sido estabelecidas pelo prazo de um ano, as partes omitiram os fundamentos da sua celebração a termo certo, pelo que os contratos devem ser havidos como contratos sem termo (artigo 42.º, n.ºs 1, alínea e), e 3, do "Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo", aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro - doravante designado por LCCT)

    Desta constatação extraiu a sentença que, tendo a ré comunicado a vontade de não prorrogar os contratos a partir de 30 de Outubro de 1996, tal comunicação traduz despedimento ilícito dos autores, posto que não foi precedido de processo disciplinar (artigo 12.º...

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