Acórdão nº 02S3605 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Junho de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelFERNANDES CADILHA
Data da Resolução24 de Junho de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório. A, autor na presente acção com processo ordinário emergente de contrato individual de trabalho, recorre do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que, revogando a sentença de primeira instância, absolveu a Ré, B, do pedido indemnizatório fundado em despedimento ilícito. Na sua alegação de recurso, formula as seguintes conclusões: 1) Em conformidade com a matéria provada, o contrato que existia entre a recorrida e o Recorrente era um verdadeiro contrato de trabalho, sendo que a recorrida o denominou de "Prestação de serviços" como mero artifício destinado a iludir as normas aplicáveis ao contrato de trabalho, porquanto: - à data da celebração do contrato, o Autor procurava trabalho, tendo pedido emprego à Ré; - celebrado o contrato, o Autor passou a exercer as sua funções ao serviço da Ré, como pianista profissional; - o local de trabalho situava-se nas instalações da Ré; - o instrumento de trabalho - o piano - pertencia à Ré; - o Autor estava sujeito a um horário de trabalho; - no exercício das suas funções de pianista, o autor encontrava-se subordinado ao poder de direcção da Ré, pois não podia executar livremente o reportório que entendesse, uma vez que, se não tocasse as músicas adequadas à satisfação da clientela do Hotel, a Ré poria termo à relação de trabalho. 2) Reconhecendo embora a verificação da maioria dos elementos caracterizadores do verdadeiro contrato de trabalho, o Tribunal da Relação concluiu que o Recorrente não estava sujeito a um horário de trabalho, nem sujeito ao poder de direcção da entidade patronal. Trata-se, porém, de um erro de interpretação da lei e da sua aplicação aos factos. Por um lado, consta expressamente do contrato existente entre as partes que foi junto com a petição inicial e cuja autenticidade não foi impugnada pela Ré, um horário fixado com precisão que o ora recorrente era obrigado a cumprir. Por outro lado, sendo certo que, em determinadas profissões, como a de pianista, de jurista, de médico, em que a componente técnica é mais acentuada, o poder de direcção da entidade patronal fica logo condicionado pela autonomia técnica do trabalhador, tal não significa que deva concluir-se tratar-se de um contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho. 3) Aliás, se por aplicação do artigo 1º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, e do artigo 1154º do Código Civil se pudesse concluir que o ora Recorrente se encontrava vinculado por um contrato de prestação de serviços, ficando por essa via privado dos direitos legalmente reconhecidos aos demais trabalhadores, forçoso seria concluir que, à luz de tal interpretação, na sua aplicação a casos como o do recorrente, as referidas normas legais seriem inconstitucionais, por violação dos arts. 13º, 53º, 54º, 55º, 56º, 57º, 58º e 59º da Constituição. 4) Pelo exposto, o acórdão recorrido viola os arts. 1º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho e 1154º do Código Civil, por errada interpretação, pelo deve ser revogado. A ré, ora recorrida, contra-alegou, sustentando o bem fundado da decisão sob recurso, porquanto: 1) Ficou inequivocamente provado a inexistência de subordinação jurídica do Recorrente à recorrida; 2) Mais provado ficou que o Recorrente sempre que não podia comparecer nas instalações da recorrida fazia-se substituir pelo seu irmão, que igualmente actuava como pianista em diferentes dias da semana. 3) Constitui jurisprudência dominante dos tribunais superiores e opinião maioritária da doutrina que o contrato de trabalho goza do carácter intuitu personae. 4) As normas dos arts. 1º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho e 1154º do Código Civil não padecem de inconstitucionalidade alguma. 5) Mesmo que existisse a pretensa inconstitucionalidade devia ter sido alegada logo na primeira instância. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o representante do Ministério Público emitiu parecer (fls. 214 a 220) no sentido de ser negada a revista, por considerar que os elementos que, no caso concreto, indiciam a existência de uma relação de subordinação jurídica são de "escassa relevância" e de algum modo justificados pela especificidade da tarefa que ao Recorrente incumbia realizar no quadro da relação contratual, ao passo que outros dados (o próprio nomen juris do contrato e a inclusão dos rendimentos, para efeitos fiscais, como trabalho independente) apontam, com pertinência, para a caracterização como um contrato de prestação de serviços. Entende ainda que não se verifica a alegada inconstitucionalidade e chama a atenção para a circunstância de o Recorrente não ter sequer fundamentado, nesse ponto, a sua arguição. Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir. 2. Matéria de facto. O Tribunal da Relação expurgou da decisão de facto da 1.ª instância a matéria que considerou conclusiva, dando como assente a seguinte factualidade: a) Em 1 de Julho de 1993 o A e a Ré celebraram o acordo constante de fls. 12 e encimado pelos dizeres "Prestação de Serviços" b) Passando desde essa data o A a prestar a sua actividade como pianista no Lisboa Penta Hotel, propriedade da Ré. c) Fazendo-o no período determinado pela Ré das 18 às 19.30h e das 20 às 24h, às terças-feiras, quintas-feiras e Sábados. d) Os pianos que o A tocava pertenciam à Ré. e) Era determinado ao A que tocasse música adequada às circunstâncias, a chamada "música ambiente", propícia a descontrair os clientes do Hotel. f) O...

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