Acórdão nº 03P3369 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Outubro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução30 de Outubro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam do Supremo Tribunal de Justiça I1.1. A assistente, Dr.ª RMGPD, advogada, inconformada com o despacho de arquivamento proferido pelo Procurador-Geral Adjunto na Relação do Porto (fls. 129 a 132) nos autos de inquérito criminal iniciado, por denúncia sua, contra a Juíza de Direito Dr.ª CSRMC, requereu a abertura de instrução com vista ao julgamento da arguida, por entender terem sido recolhidos nos autos factos demonstrativos do cometimento de 1 crime de difamação agravada dos art.ºs 180.º e 184.º do C. Penal ou, em alternativa, 1 crime de injúria agravada dos art.ºs 181.º e 184.º do mesmo diploma. 1.2. Veio então a ser proferido despacho pelo Senhor Desembargador, servindo de Juiz de Instrução, que concluiu não ser de considerar como razoavelmente provável a futura condenação da arguida em sede de julgamento, pelo contrário, ser de admitir como altamente provável a sua absolvição, o que impõe a prolação de despacho de não pronúncia e, em consequência, não pronunciou a arguida Dr.ª CSSMRC. 1.3. Inconformada, a assistente recorreu desta decisão este Supremo Tribunal, pedindo a revogação do despacho de não pronúncia e a sua substituição por decisão que pronuncie a Arguida em virtude de os autos conterem matéria indiciária suficiente da prática, por parte da Arguida, de um crime de difamação agravada ou, se assim se não entender, de um crime de injúria agravada, previstos e punidos, respectivamente, nos art. 180.º e 181.º e 184.º C. Penal

Para tanto, concluiu na sua motivação: 1. Os factos denunciados e imputados à Arguida estão espelhados na própria acta certificada; 2. A acta retrata fielmente o que se passou na sala de audiência de julgamento (ut depoimento da Arguida); 3. Da acta resulta que a Arguida fez nela verter o seguinte: Face à tomada de atitude por parte da mandatária dos autores, a ditar para a acta teor da conversação mantida já no final da inquirição das testemunhas, e à margem da Audiência de Julgamento, o que reprovamos vivamente por entendermos incorrecto eticamente, e para não se tirarem outras consequências de tal acto praticado pela mandatária dos autores (...)"

4. Não resulta da acta qualquer comportamento assumido pela Ofendida que pudesse justificar a imputação das falsas acusações por parte da Arguida

5. Durante a audiência, jamais a Ofendida foi advertida pela Arguida pela prática de qualquer atitude menos correcta; 6. Não logrou a Arguida demonstrar a veracidade das imputações feitas nem logrou demonstrar que tivesse fundamento sério para, em boa fé, as ter por verdadeiras; 7. Muito menos, logrou a Arguida demonstrar que tais imputações tivessem sido feitas para realizar interesses legítimos

8. Os factos imputados à Arguida são, objectiva e subjectivamente ofensivos da honra e consideração devidas à ora Recorrente; 9. A Arguida ofendeu e quis ofender a honra e consideração da Recorrente 10. A Arguida quis lesar, como lesou, a Recorrente pondo em causa o seu carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, ou seja, a sua dignidade

11. A Arguida que é uma Magistrada não podia ignorar que, numa audiência pública acusar uma Advogada de comportamento incorrecto eticamente", nomeadamente acusando-a de divulgar conversações à margem da audiência, lesava o bom-nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, ou seja, o património que a Recorrente adquiriu ao longo da sua vida (AR de 6/2196, CJ XXI, 1, 156)

12. Instada a esclarecer o alcance das suas imputações, a Arguida referiu nada ter a esclarecer

13. A Arguida, que é uma Magistrada, teve noção clara das consequências perigosas que poderiam advir da sua conduta

14. Resulta, assim, dos autos, suficientemente indiciado, que a Arguida cometeu um crime de difamação agravada previsto e punido pelos art. 180.º e 184.º C. Penal, ou, se assim se não entender, um crime de injúria agravada, previsto e punido pelos art. 181.º e 184.º idem

15. O despacho recorrido violou o comando do art. 308.º, n.º 1 CPPenal

1.4. Respondeu o Ministério Público que concluiu: 1. As expressões atribuídas arguida não assumem relevo suficiente para serem qualificadas de ofensivas da honra e consideração da assistente, ficando muito abaixo do li miar mínimo que justifica a intervenção do direito penal

2. Mesmo que assim não fosse de entender, sempre a ilicitude da respectiva conduta estaria excluída pelo exercício do direito de expressão do julgador e do direito de pedir escusa do acto de julgar, independentemente do seu bom fundamento (artigo 31. °, n. °s 1 e 2, al. c), do Código Penal)

3. Termos em que o recurso interposto devera ser julgado improcedente, mantendo-se e confirmando-se o douto despacho recorrido

1.5. E respondeu igualmente a recorrida que sustentou, em síntese conclusiva: 1) Não existe matéria de facto que permita inferir a prática de qualquer infracção criminal por parte da Recorrida; 2) As expressões que se atribuem à Recorrida, não são susceptíveis de ofender a honra e consideração da Assistente; 3) Sempre a Recorrida não pode ver postergado o seu direito legal e inalienável da sua livre expressão como Julgador e o direito de dirigir e conduzir a audiência de julgamento

4) Se existiu qualquer menor correcção - o que não se aceita - tal não se deve, como bem se refere na douta decisão recorrida, à ora aqui apelada; 5) Pelo exposto, V. Exas deverão, como é de justiça, promover o arquivamento dos autos. II2.1. No requerimento de abertura de instrução veio sustentar a assistente que: - Os factos denunciados e imputados à arguida são objectiva e subjectivamente ofensivos da honra e consideração devidas à mesma requerente; - A arguida quis, com o seu comportamento, ofender a honra e consideração da requerente; - A arguida quis lesar, como lesou, a requerente, pondo em causa o seu carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, ou seja, a sua dignidade. A arguida, que é uma magistrada, não podia ignorar que, numa audiência pública acusar uma advogada de comportamento "incorrecto eticamente", nomeadamente acusando-a de divulgar conversações à margem da audiência, lesava o bom-nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, ou seja, o património que a requerente adquiriu ao longo da sua vida. - Alertada para a eventualidade de procedimento criminal no pedido de esclarecimentos que lhe foi solicitado pela requerente, a arguida referiu nada ter a esclarecer, ratificando, assim, integralmente as expressões vertidas em acta. - A arguida, que é uma magistrada, teve noção clara das consequências perigosas que poderiam advir da sua conduta. - A arguida actuou impensadamente quando chamou à liça no decurso da audiência, factos que ocorreram em outro processo, havia cerca de ano e meio, ou seja, uma exposição ao CSM com conhecimento e pedido de parecer à Ordem dos Advogados que se prendiam com a solicitação da confiança daquele processo, para exame no escritório da requerente. - A arguida até citou de memória e ditou para a acta o número daquele processo, o que é, no mínimo, surpreendente. - A assistente requereu, em instrução, a reinquirição das testemunhas arroladas e novo interrogatório da arguida, a inquirição das testemunhas VCG e VJMG à matéria dos factos constantes das alíneas e), f) e g) do requerimento de abertura da instrução, e a notificação da arguida para juntar aos autos cópia das participações ao CSM e à Ordem dos Advogados a que esta alude no seu despacho. 2.2. Foi declarada aberta a instrução e indeferido o pedido de reinquirição das testemunhas e de novo interrogatório da arguida e deferida a inquirição das testemunhas VCG e VJMG, e ordenada a notificação da arguida para juntar aos autos, possuindo-as, cópias das participações ao CSM e à Ordem dos Advogados referidas no despacho de 24.5.2001, em causa. Foram inquiridas as testemunhas referidas e a arguida juntos aos autos os documentos (fls. 220 a 231). 2.3. Na decisão recorrida, o Sr. Juiz de Instrução teve por suficientemente indiciados face às provas produzidas no processo, os determinados, que não foram devidamente impugnados pela recorrente. Com efeito, embora se refira criticamente a alguns desse pontos, designadamente no domínio subjectivo, o certo é que nas conclusões não retoma, nem muito menos precisa quais os pontos da matéria de facto incorrectamente julgados, ou aqueles que deveriam ser também, considerados provados. Em 11 de Outubro de 2000, VCG e VJMG instauraram na Comarca de Vila do Conde uma acção declarativa com processo comum, sob a forma sumária contra a "Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A...

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