Acórdão nº 03P606 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Março de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelPEREIRA MADEIRA
Data da Resolução11 de Março de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. ALA, devidamente identificado, foi condenado após julgamento em tribunal colectivo, na pena única conjunta de 16 anos de prisão resultante do cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares: - 13 anos de prisão pela prática, na pessoa de MF, de um crime de homicídio voluntário, p. e p. no artigo 131º do Código Penal; - 5 anos de prisão pela prática, na pessoa de AJMF, de um crime de homicídio voluntário, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 22º, 23º, 73º/1, a), e b), e 131º do Código Penal; - 2 meses de prisão pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº. 1, do Código Penal, na pessoa de IAFM; - 7 meses de prisão pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. no artigo 275º, nºs. 1 e 2, do Código Penal. Foi ainda condenado no pagamento de 1.668.700$00 e juros de mora aos HUC decorrente dos serviços clínicos aí prestados ao ofendido AJMF; 8.000.000$00 e juros de mora às demandantes IAFM e GMA; 2.100.000$00 e respectivos juros ao demandante AJMF. Inconformado, recorreu o arguido à Relação de Coimbra, interlocutoriamente, «do despacho que lhe indeferiu o pedido de apresentação da motivação do recurso em prazo de 15 dias contados do depósito do acórdão acrescido de outro de dez dias, por pretender recorrer da matéria de facto e entender ser aplicável nesta situação a previsão do nº. 6 do artigo 698º do Código de Processo Civil», e, em via principal, da decisão condenatória proferida. Por acórdão de 4/2/02, aquele tribunal superior decidiu, além do mais que ora não importa, negar provimento àquele recurso intercalar e, quanto ao mais, prover parcialmente o recurso do arguido, a quem absolveu do crime de detenção de arma proibida, fixando finalmente em 15 anos e 5 meses a pena resultante do cúmulo jurídico em causa. Ainda irresignado, recorreu o arguido, agora ao Supremo Tribunal de Justiça a quem decidiu presentear com o seguinte ultra centenário rol conclusivo: «Apresenta o recorrente as seguintes conclusões: 1. O recorrente discorda e não se conforma com o acórdão condenatório proferido pelo Tribunal a quo - o Tribunal da Relação de Coimbra. 2. Improcedeu o recurso interposto pelo recorrente do despacho de fls. 781 que indeferiu o pedido de prorrogação de prazo para a apresentação da motivação do recurso do acórdão condenatório. 3. Discorda o recorrente dos fundamentos que determinaram a improcedência deste recurso. 4. A interpretação acolhida pelo Tribunal a quo colide, de forma clara, com as garantias de defesa asseguradas aos arguidos, em geral, e ao aqui recorrente, por limitadora e castradora do completo e coerente exercício do direito ao recurso - em matéria de facto - expressa e constitucionalmente consagrado no nº. 1 do art. 32º da Constituição da República Portuguesa. 5. O Tribunal de 1ª instância errou e o Tribunal a quo também, quando persiste no entendimento de que não é aplicável o nº. 6 do art. 698º do Código de Processo Civil ao caso sub judice. 6. A ratio do art. 412º, nºs. 3 e 4 do Código de Processo Penal é substancial e estruturalmente idêntica à que consta no art. 690º- A do Código de Processo Civil. 7. Não obstante esse paralelismo, no Código de Processo Penal não se encontra norma idêntica ou análoga àquela que se estatui no art. 698º, nº. 6 do Código de Processo Civil, onde se prevê a prorrogação de prazos de recurso por mais 10 dias quando o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada. 8. Prazo esse que se destina inequivocamente a facilitar o cumprimento do ónus estabelecido no art. 690º-A do Código de Processo Civil, que encontra o seu correspondente no art. 412º/3 e 4 no Código de Processo Penal. 9. Estamos, pois, perante uma lacuna que deve ser suprida de forma diferente daquela que é preconizada pelo Tribunal a quo a fls. 4 e 5 do Acórdão recorrido. 10. A lacuna em apreço só pode dever-se a lapso do legislador ou a uma omissão voluntária por argumento de maioria de razão. 11. Não procede, pois, o entendimento do Tribunal a quo constante de fls. 4 e 5 do acórdão recorrido, sob pena de violação das garantias de defesa do arguido, mormente do direito de recurso consagrado constitucionalmente no art. 32º, nº. 1 da Lei Fundamental. 12. Não pode o direito de recurso precludir por impossibilidade de transcrição em tempo útil da prova levada a julgamento e subsequente elaboração da motivação, nos termos preceituados na lei. 13. A limitação do prazo de interposição de recurso quando se impugna matéria de facto pretendida pelo Tribunal a quo obvia à necessária e devida maturação da decisão de que se pretende recorrer ponderada com a totalidade da factualidade levada a julgamento e a matéria de facto constante da decisão recorrida que se pretende impugnar. 14. O entendimento do Tribunal a quo viola os princípios basilares que estruturam o processo penal e que têm assento na Constituição. 15. A não aplicação do prazo de prorrogação de 10 dias previsto no art. 698º, nº. 6 do Código de Processo Civil ex vi do artº 4º do Código de Processo Penal no âmbito do recurso de matéria de facto, tal como está previsto no art. 412º, nºs. 3 e 4 do Código de Processo Penal, contende e viola os normativos plasmados nos arts. e 412º do Código de Processo Penal, bem como os arts. 20º e 32º, nº. 1 da Lei Fundamental. 16. O Tribunal a quo, com a posição assumida, viola de forma frontal estes normativos processuais penais e constitucionais. 17. O Tribunal a quo interpretou estes normativos de forma incorrecta, por entender que a prorrogação do prazo de recurso nos termos supra explanados é inaplicável ao processo penal, não permitindo o funcionamento da norma remissiva do art. 4º da lei adjectiva penal. 18. Deveria o Tribunal a quo ter interpretado tais normas no sentido de considerar aplicável ao processo penal a prorrogação, prevista no nº. 6 do art. 698º do Código de Processo Civil, do prazo legal para a interposição de recurso quando este tiver por objecto a impugnação da decisão sobre a matéria de facto. 19. Interpretação que decerto será dada por esse Tribunal ad quem, atenta a jurisprudência mais recente firmada por esse Supremo Tribunal. 20. O Tribunal a quo rejeitou a impugnação da matéria de facto apresentada pelo recorrente. 21. Manteve, porém, os vícios de que padecia a decisão proferida em 1ª instância. 22. O Tribunal a quo considerou provado o seguinte facto "Entretanto, chegou, também, ao local, o AJMF, conduzindo o seu veículo automóvel, vindo do estabelecimento comercial da testemunha ALFF, onde comprara uma faca igualou semelhante àquela que o ALA utilizava" (págs. 40 e 41 do Acórdão recorrido). 23. Contudo, na fundamentação de Direito, no ponto "A. Parte Criminal", relativa à qualificação jurídico-penal dos factos, o Tribunal a quo afirma que "da materialidade apurada, na sequência da prova produzida e ou examinada em audiência e nos termos do art. 355º, nº. 1, do C.P.Penal, só esta pode servir para fundamentar a convicção do Tribunal, nenhuma prova se produziu sobre os factos, com relevância criminal, quanto: (...) nem tão pouco, que o AJMF alguma vez tenha estado na posse ou manuseado alguma arma branca e que tenha atentado contra a vida do ALA, antes e pelo contrário, logrou provar-se que as lesões que este apresentava, foram, por si próprio, feitas, como tentativa de se ilibar da sua actuação" (pág. 41 do Acórdão recorrido). 24. Entende o recorrente ser evidente e cristalina a contradição existente entre a citada matéria de facto provada e a mencionada análise da factualidade provada no Acórdão recorrido. 25. O Tribunal a quo, ao dar como demonstrado que AJMF chegou ao local onde os factos ocorreram, após ter comprado uma faca igualou semelhante àquela que o recorrente utilizava, gera matéria incoerente e incompatível quando afirma que aquele, o AJMF, não tinha tido na sua posse nem manuseara alguma arma branca. 26. A inclusão, no mesmo discurso, de elementos incompatíveis e respectivamente anuladores revela, sem margem para dúvidas, a existência de contradição entre a fundamentação de Direito e a matéria de facto provada. 27. A insanabilidade da contradição, exigida pelo normativo do art. 410º, nº. 2, alínea b), do C.P.P., não significa que a possibilidade de dissipação de tal incoerência discursiva exista unicamente através de renovada produção de prova, mas significa que, do discurso da decisão, não é possível dissipar a contradição, tal incompatibilidade de termos. 28. Assim, é insanável a contradição que não for possível ultrapassar ou resolver através da mera leitura do discurso da decisão recorrida. 29. In casu, verifica-se que, do texto da decisão recorrida, não é possível superar a antinomia, a contradição, pelo que não pode deixar de ser considerada como insanável. 30. A contradição insanável detectada entre a fundamentação de Direito e a matéria de facto provada determina que se considere que a decisão de direito está inquinada por uma errada avaliação e ponderação sobre a matéria de facto provada. 31. De acordo com o texto do Acórdão recorrido, na fundamentação de Direito, o Tribunal a quo teve em consideração a ausência da posse ou manuseamento de arma branca pelo arguido AJMF, para afastar o acompanhamento do despacho de pronúncia. 32. O afastamento referido determinou uma graduação essencial e mais intensa do juízo de censurabilidade que recaiu, no Acórdão recorrido, sobre o recorrente, determinando uma qualificação jurídico-penal definitivamente mais grave sobre este. 33. Nestes termos, deverão V.Exas. determinar a revogação do Acórdão recorrido, declarando o vício suscitado e modificando-o nos moldes que infra se propõem. 34. O Tribunal a quo assumiu como matéria de facto provada a seguinte factualidade: "o ALA auto-mutilou-se com o fim de encobrir a sua própria actuação" (pág. 5 do Acórdão proferido em 1ª instância). 35. Certo é que, para a cabal demonstração que a assunção deste facto como provado, decorre...

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